Dados levantados pelo Tribunal de Ética Médica (TEM) apontam que a publicidade médica foi o assunto mais recorrente nas sindicâncias em tramitação no ano de 2022. Das 171 sindicâncias em fase de diligências, 30% abordaram a propaganda na Medicina. Agora, essas preocupações estão mudando. O cenário da publicidade médica no Brasil passa por uma transformação significativa com as novas regras estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que passaram a valer na última segunda-feira (11).
Clínicas e consultórios médicos agora têm permissão para utilizar redes sociais para fins de propaganda, compartilhar imagens comparativas de pacientes (‘antes e depois’) e divulgar valores de consultas e procedimentos. Para especialistas em marketing médico, as novas regras trazem mais transparência nas relações com os pacientes e deverão aquecer o setor.
Tatiana Gonçalves, CEO da Moema Medicina do Trabalho, especialista em Marketing Médico, acredita que a Resolução CFM Nº 2.336 representa um marco importante na regulamentação da publicidade e propaganda médicas ao equilibrar a necessidade de promover serviços médicos com a responsabilidade ética de fornecer informações precisas e transparentes ao público.
“Essa resolução vem resolver uma reinvindicação antiga desse setor, pois era necessária a atualização de publicidade médica para um novo momento do mundo. Além disso, os médicos enfrentavam concorrência de setores que podiam fazer ações publicitárias, o que fazia com que a concorrência fosse por vezes desleal”, avalia.
Segundo Tatiana, médicos e profissionais de saúde devem estar cientes dessas mudanças e segui-las estritamente para evitar problemas éticos e legais. “A resolução visa aprimorar a relação entre médicos e pacientes, garantindo confiança e transparência na área da saúde”, finaliza Tatiana Gonçalves.
Novas regras beneficiam pacientes e estimulam inovação, diz consultor
Para Éber Feltrim, especialista e consultor de negócios na área da saúde e CEO da SIS Consultoria, as novas regras que permitem a divulgação de preços e formas de pagamento beneficia diretamente os consumidores.
“A transparência nos custos é valorizada pelos clientes. Agora, as clínicas podem informar os valores dos procedimentos e detalhes sobre como o pagamento pode ser realizado, permitindo que os pacientes façam escolhas mais bem informadas”, declara.
Outra vantagem das novas regras é que as clínicas poderão divulgar suas instalações e tecnologias, proporcionando aos pacientes uma visão realista do ambiente no qual serão tratados.
“Ao abrir as portas para a divulgação transparente, o CFM está permitindo que clínicas de todas as especialidades mostrem suas tecnologias, técnicas e condições. Isso cria uma conexão visual e ajuda a construir confiança desde o primeiro contato no ambiente digital”, afirma.
Segundo o especialista, essa mudança não apenas beneficia os pacientes, fornecendo informações cruciais para tomadas de decisão, mas também desafia os consultórios a inovarem continuamente.
“Profissionais de saúde precisam se adaptar e abraçar essas ferramentas e tecnologias digitais em benefício de seus pacientes e do sucesso contínuo de suas práticas, oferecendo cuidados de qualidade e acessíveis a um número cada vez maior de pessoas”, pontua.
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Histórias de sucesso de pacientes poderão ser compartilhadas
Para Éber Feltrim, a permissão para compartilhamento de experiências de pacientes reais pode ser uma ferramenta poderosa.
“Ao postar testemunhos e histórias de sucesso, as clínicas podem construir uma reputação sólida e autêntica. Além disso, será possível mostrar transformações reais através de imagens de ‘antes e depois’, sendo uma boa opção de marketing para demonstrar a eficácia dos procedimentos realizados no consultório”, destaca.
No entanto, o consultor alerta que não basta confiar apenas no mundo digital para atrair pacientes. A experiência deve ir além das postagens nas redes sociais.
“É essencial oferecer condições de parcelamento acessíveis, ter um layout visual atraente que reflita a personalidade da clínica, uma equipe bem treinada e uma central de relacionamento que não apenas ofereça suporte, mas também tenha um foco comercial para construir relacionamentos duradouros”, revela.
O especialista acredita que essa mudança não apenas redefine a forma como as clínicas se apresentam ao público, mas também exige uma gestão de tráfego e marketing digital mais estruturada.
“As novas regras demandam uma estratégia digital bem definida e clínicas que investirem em marketing digital inteligente terão uma vantagem competitiva significativa. A personalização se torna essencial, sendo que cada cidade, público e especialidade pede uma abordagem única para maximizar o impacto e os resultados”, relata.
Mídias sociais podem barrar o ‘antes e depois’, alerta especialista
Para a jornalista Ceres Battistelli, sócia proprietária da agência Comunicore, o marketing médico é indispensável para alcançar o paciente e criar uma relação de confiança antes mesmo da primeira consulta. Ela lembra que, atualmente, 60% do público utilizam as redes sociais como principal método de pesquisa online e, 54%, o Google. Mas é bom ter cuidado com o conteúdo que será divulgado.
“Sobre as novas normas precisamos lembrar que nem tudo que pode, deve ser feito. O ‘antes e depois’, por exemplo, precisa ser avaliado de forma ética. Apesar de a resolução liberar essa prática, ela pode ser barrada pela política das mídias sociais e a entrega do conteúdo ao público é muito menor”, afirma a especialista.
Ceres lembra que as regras do próprio CFM para essa prática preveem a preservação da identidade do paciente, alerta de indicações, complicações e resultados satisfatórios e insatisfatórios do procedimento.
“O objetivo das novas regras do CFM é bem claro: educar e informar o paciente. Com isso, os médicos que se fazem presentes nas redes sociais deverão ficar atentos na forma com que passam estas informações a fim de evitar consequências na esfera civil. Para isso, é muito importante o suporte de uma equipe de marketing”, afirma Ceres Battistelli.
Profissionais podem ser banidos das redes por infringir privacidade
Um ponto que merece atenção dos médicos é com os algoritmos das redes sociais, que mesmo com a permissão do Conselho Federal de Medicina, poderá banir profissionais que infringirem a política de privacidade das plataformas virtuais.
Especialista em estratégias de marketing médico, Rafael Schmitt, head de Operações da Comunicore, explica que os profissionais deverão ficar atentos para evitar que sejam prejudicados pelos algoritmos.
“Estratégia e planejamento são muito importantes, além de conhecimento profundo das novas regras. Isso porque as plataformas possuem políticas próprias que podem derrubar páginas e conteúdos. Fotos que contêm exposição de pele, por exemplo, cirurgias e sangue podem resultar no banimento da conta do profissional”, completa.
Schimdt lembra que as regras do CFM também são aplicadas para situações nas quais os médicos são convidados para conceder entrevistas à imprensa, quando deve se portar como representante da Medicina e evitar buscar clientela.
Conheça as principais novidades
Para Tatiana Gonçalves, as novas regras de publicidade médica marcam um novo momento para quem é médico ou está envolvido na área de saúde. Por isso, é essencial compreender as principais novidades desta resolução do CFM. Abaixo, ela detalha as principais novidades para o setor:
Definições e regras claras – O novo regulamento define de forma precisa o que constitui publicidade e propaganda médica. Ele também estabelece responsabilidades específicas para médicos, diretores técnicos de estabelecimentos médicos e presidentes de entidades médicas perante os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs).
Obrigações detalhadas – A Resolução impõe requisitos detalhados para qualquer peça de publicidade ou propaganda médica. Isso inclui informações obrigatórias sobre o médico, sua especialidade e/ou área de atuação. Para estabelecimentos médicos, como hospitais e clínicas, é necessário identificar o nome do estabelecimento e do diretor técnico-médico.
Regulação das redes sociais – Com a crescente presença dos médicos nas redes sociais, a resolução também regula a publicidade e propaganda nessas plataformas. Ela estabelece requisitos específicos para a divulgação de informações médicas, garantindo que os médicos usem essas ferramentas de maneira ética e responsável.
Permissões e restrições – A resolução lista as permissões e restrições para médicos em relação à publicidade. Isso inclui a promoção de seus serviços, ambiente de trabalho e orientação de pacientes. Além disso, são estabelecidas diretrizes para cursos, grupos de trabalho e divulgação de resultados de tratamentos.
Relação com a mídia – Para médicos que concedem entrevistas e publicam informações sobre medicina em veículos de comunicação, a resolução define diretrizes específicas. Também exige que médicos declarem conflitos de interesse em entrevistas, garantindo transparência.
Proibições e deveres éticos – A nova regulamentação proíbe práticas como divulgar informações enganosas, participar de propaganda de medicamentos não registrados e prometer resultados garantidos em tratamentos. Estabelece ainda deveres éticos, como solicitar retificações em declarações atribuídas ao médico e manter uma abordagem sóbria e verídica na emissão de boletins médicos.
Uso de imagens de pacientes – A resolução regula o uso da imagem de pacientes ou de bancos de imagens para fins educativos e informativos. Isso inclui diretrizes específicas para o uso responsável dessas imagens.
Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame) – A criação da Codame nos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) é uma das novidades mais significativas. Esta comissão será responsável por responder a consultas relacionadas à publicidade médica e organizar campanhas educativas, garantindo o cumprimento das novas diretrizes.
Entenda a mudança
O processo de atualização das regras relacionadas à publicidade e propaganda médica durou mais de três anos e envolveu consulta pública com mais de 2.600 sugestões, webinários e reuniões com sociedades médicas. A Resolução CFM Nº 2.336 foi publicada no dia 13 de setembro de 2023 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), com prazo de 180 dias para entrar em vigor a partir de sua publicação, ou seja, no dia 11 de março de 2024. Saiba mais no site do CFM.
Com informações de Assessorias