Durante cinco décadas, o HIV e a Aids são vistos como ‘sentença de morte’, preconceito, medo e silêncio, apesar dos avanços no tratamento da doença, que ainda não tem cura, mas tem controle, permitindo que os pacientes possam ter melhor qualidade de vida. Os indicadores demonstram que, em 2024, 40,8 milhões de pessoas viviam com HIV em todo o mundo; aproximadamente 630 mil pessoas morreram por causas relacionadas ao HIV e 1,3 milhão de pessoas contraíram HIV no ano.

No Brasil, mais de 1,1 milhão de pessoas vivem com HIV no Brasil, muitas ainda sem saber, e milhares de brasileiros continuam recebendo esse diagnóstico a cada ano. Em 2023, foram registrados cerca de 46.500 novos casos no país, a grande maioria entre homens que fazem sexo com outros homens. Autoridades também alertam para o aumento de casos entre jovens.

Apesar dos avanços significativos alcançados no Brasil em relação ao tratamento da doença, ainda persistem lacunas importantes no acesso ao diagnóstico precoce, a PrEP, ao tratamento oportuno e ao manejo da AIDS avançada, fatores que limitam o progresso rumo à eliminação do vírus.

A falta de diagnóstico mantém a transmissão ativa, mesmo com o país avançando em testagem, tratamento e supressão viral. A transmissão vertical, hoje abaixo de 2%, mostra progresso, mas ainda requer atenção constante. Neste contexto, governos, profissionais de saúde e toda a sociedade são chamados a acelerar a ação para alcançar a eliminação do HIV até 2030.

O Dia Mundial de Luta contra a Aids (1º de dezembro) e a campanha Dezembro Vermelho, de conscientização sobre a prevenção ao vírus HIV, foram o tema do quadro Vida e Ação desta segunda (1/12), no programa Painel da Rádio Roquette Pinto (94,1 FM), no Rio de Janeiro. A jornalista Rosayne Macedo, editora do portal, traçou um panorama dos avanços conquistados ao longo das últimas décadas e de como o Brasil vem se destacando, além de falar da ameaça global de retrocesso na luta contra a doença.

ONU alerta que décadas de progresso contra a Aids estão em risco

Uma crise global de financiamento que ameaça comprometer décadas de avanços na prevenção e no tratamento do HIV

O Dia Mundial de Luta contra a Aids foi estabelecido em 1988, cinco anos depois da descoberta do vírus HIV, quando a Assembleia Geral da ONU e a Organização Mundial da Saúde (OMS) instituíram a data de 1º de dezembro para conscientização sobre a doença. A iniciativa visa combater o preconceito e a desinformação e mobilizar a sociedade em torno do tema.

Este ano, a data chega este ano em meio a uma crise global de financiamento que ameaça comprometer décadas de avanços na prevenção e no tratamento do HIV. A ONU adverte que, pela primeira vez em muitos anos, décadas de progresso estão em risco devido à interrupção de programas essenciais; redução de apoios comunitários e intensificação de leis punitivas limitam acesso aos cuidados, sobretudo para populações já vulneráveis.

O tema global é “Eliminar as barreiras, transformar a resposta à Aids” (em inglês, “Overcoming disruption, transforming the AIDS response”). Este tema, divulgado pelo UNAIDS e pela OMS, apela para a necessidade de superar os desafios atuais, como cortes de financiamento e leis discriminatórias, e adotar abordagens centradas nos direitos humanos para erradicar a Aids até 2030.

Uma crise histórica de financiamento ameaça desfazer décadas de progresso. Os serviços de prevenção do HIV estão gravemente prejudicados. Serviços liderados pela comunidade, vitais para alcançar populações marginalizadas, estão sendo despriorizados, enquanto o aumento de leis punitivas que criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo, identidade de gênero e uso de drogas está amplificando a crise, tornando a assistência ao HIV/aids inacessível.

No entanto, em meio a esses desafios, a esperança persiste na determinação, resiliência e inovação das comunidades que se esforçam para acabar com a aids. Por isso, a campanha busca sensibilizar sobre a realidade da Aids avançada, dar visibilidade às histórias por trás de cada caso e promover uma resposta coletiva, reforçando o chamado da Opas/OMS para alcançar zero morte por HIV até 2030. 

A campanha de 2025 destaca:

  • A urgência de uma liderança política sustentada e cooperação internacional.
  • A importância de simplificar e priorizar o acesso à prevenção, testagem e tratamento do HIV.
  • O compromisso com o objetivo de “Zero morte por Aids em 2030”, sensibilizando sobre a realidade da Aids avançada.

Progresso real, mas ameaçado por cortes de financiamento

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou na sua mensagem oficial que o mundo “tem o poder de transformar vidas e pôr fim à epidemia de uma vez por todas”. No entanto, ele alertou que milhões continuam excluídos dos serviços essenciais devido ao estigma, à discriminação e à falta de recursos.

Guterres recordou que os progressos alcançados são significativos: desde 2010, as novas infeções diminuíram 40% e as mortes relacionadas com a Sida caíram para menos de metade. O acesso ao tratamento atingiu um nível sem precedentes.

No entanto, o secretário-geral destacou que “a redução de recursos e serviços está a pôr vidas em risco”, sublinhando que o impacto dos cortes recentes de financiamento global já se reflete na interrupção de programas de prevenção e na diminuição dos serviços liderados por comunidades; cruciais para alcançar populações marginalizadas.

Em sua mensagem para o Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, o secretário-geral da ONU, António Guterres, enfatiza que “temos o poder de transformar vidas e futuros, e acabar com a epidemia da AIDS de uma vez por todas,” ressaltando que “acabar com a AIDS significa empoderar comunidades, investir em prevenção e ampliar o acesso ao tratamento para todas as pessoas.” “Acabar com a AIDS como uma ameaça à saúde pública até 2030 está ao nosso alcance. Vamos fazer o trabalho”, disse.

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Crise global exige respostas transformadoras

De acordo com a ONU, “a resposta mundial ao HIV foi profundamente abalada” nos últimos meses, com a intensificação de leis punitivas que criminalizam relações entre pessoas do mesmo sexo, identidades de género e uso de drogas, dificultando o acesso das pessoas aos cuidados essenciais.

A ONU acredita que, para cumprir a meta de acabar com a Sida como ameaça de saúde pública até 2030, os países precisam de mudanças radicais no financiamento, reforço de sistemas de saúde e remoção de barreiras legais e sociais.

Nesse sentido, Guterres apelou a uma resposta centrada nos direitos humanos, na inovação e no alargamento do acesso a novas ferramentas, como os tratamentos injetáveis de longa duração.

Comunidades devem estar no centro da resposta

A ONU reforça que acabar com a Aids significa investir na prevenção, ampliar o tratamento e “capacitar as comunidades” que têm sustentado os avanços obtidos até agora. Lembra também que campanhas de sensibilização, iniciativas lideradas pela sociedade civil e ações de apoio às populações vulneráveis são decisivas para evitar retrocessos.

Neste Dia Mundial de Luta contra a Aids, a ONU defende que só com liderança política sustentada, cooperação internacional e políticas baseadas em direitos humanos será possível concretizar o objetivo de eliminar a epidemia até 2030.

Números de HIV e Aids no Brasil

  • De acordo com o Boletim Epidemiológico de HIV e Aids 2024, no ano anterior houve um aumento de 4,5% nos casos de HIV em comparação a 2022, demonstrando aumento da capacidade de diagnóstico dos serviços de saúde brasileiros. Em 2023, foram registrados 10.338 óbitos por aids, mas a mortalidade padronizada registrada foi 3,9%, a menor desde 2013.
  • Quanto ao perfil das pessoas que concentram a maioria dos casos de infecção pelo HIV em 2023, os dados apontam que 70,7% foram notificados em pessoas do sexo masculino, 63,2% ocorreram em pessoas pretas e pardas, e que 53,6% em homens que fazem sexo com homens.
  • A razão de sexos é de 2,7 casos em pessoas do sexo masculino para cada caso do sexo feminino. A faixa etária com mais casos, 37,1%, é a de 20 a 29 anos de idade, sendo que, no sexo masculino, a mesma faixa etária concentra 41% dos casos.
  • A faixa etária com maioria dos casos de aids é a de 25 a 29 anos de idade, com 34%, seguida da de 30 a 34 anos, com 32,5%. Quando observado somente o sexo masculino, essas mesmas faixas etárias correspondem a 54,8% e 50,3%. Quanto à categoria de exposição, em 2024, 43,9% dos casos notificados da síndrome ocorreram entre pessoas do sexo masculino homossexuais e bissexuais.
  • Em 2023, foram registrados 38 mil casos de Aids, com a região Norte registrando a maior taxa de detecção do país, 26%, seguida pela região Sul, 25%. No ranking de casos, Boa Vista-RR, Manaus-AM e Porto Alegre-RS, apresentam taxas de detecção de 50,4%, 48,3% e 47,7%, respectivamente. Pessoas do sexo masculino foram responsáveis por cerca de 27 mil dos casos registrados.

Brasília abre exposição sobre quatro décadas de luta no país

UNAIDS celebra 25 anos de atuação e 40 anos da resposta à AIDS em parceria com o Brasil

Programa Conjunto das Nações Unidas (UNAIDS) completa  25 anos de atuação no Brasil em um momento simbólico: os 40 anos da resposta brasileira à AIDS. Essa celebração dupla reforça a importância da parceria com o país construída de forma sólida, sempre trabalhando promoção de políticas públicas multissetoriais que coloquem as pessoas que vivem com HIV no centro da resposta nacional para que tenham vidas sem estigma e discriminação.

No âmbito dos 40 anos da resposta à AIDS, nesta segunda (01/12), Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, será inaugurada em Brasília a exposição “40 anos da história da resposta brasileira à AIDS”. A exposição, realizada pelo Ministério da Saúde com apoio do Unaids, Fiocruz, Museu da Pessoa e Grupo Pela Vidda, marca quatro décadas de políticas públicas, ciência, mobilização social e conquistas que transformaram o Brasil em referência mundial na resposta ao HIV e à AIDS.

A exposição, que ficará aberta à visitação de 1º de dezembro de 2025 a 30 de janeiro de 2026,  é realizada no SESI Lab – museu interativo de ciência, arte e tecnologia – e integra a programação oficial do Dezembro Vermelho 2025, que reúne debates, atividades culturais, apresentações artísticas, oficinas e diálogos com especialistas e revisita momentos decisivos desde 1985, quando a resposta brasileira foi oficialmente instituída pela Portaria nº 236 (revogada pela Portaria de Consolidação nº 5, de 2017).

Ainda como parte das atividades alusivas ao Dia Mundial da aids, foi lançado o Relatório Global sobre AIDS 2025: aids, crise e o poder de transformação.

Uma história compartilhada com o Brasil

Desde sua chegada ao país, o UNAIDS tem trabalhado para apoiar projetos como Fast-Track Cities, que acelera resposta municipais; o Índice de Estigma, que usa dados e evidências coletados pela sociedade civil para medir o estigma e a discriminação na sociedade brasileira, com diferentes populações.

O UNAIDS também atua no apoio às organizações da sociedade civil e redes de pessoas que vivem com HIV para fortalecer políticas públicas que ampliam o acesso à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento do HIV, contribuindo para solidificar estratégias que fortalecem na sociedade brasileira uma cultura sem estigma e discriminação em relação às pessoas que vivem com HIV.

O UNAIDS reúne os esforços de 11 organizações da ONU – ACNUR, UNICEF, WFP, PNUD, UNFPA, UNODC, ONU Mulheres, OIT, UNESCO, OMS e Banco Mundial – e trabalha em estreita colaboração com parcerias globais e nacionais para acabar com a epidemia de AIDS até 2030 como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O Brasil sempre se destacou por uma resposta pioneira. No entanto, manter esse protagonismo exige esforços contínuos. Por isso, o UNAIDS atua para ampliar diálogos com governos, sociedade civil, academia, setor privado e, principalmente, as comunidades, que devem sempre estar no centro da resposta.

Fortalecimento de políticas públicas com foco nas pessoas

Ao longo de 25 anos, o UNAIDS tem colaborado para que a resposta brasileira permaneça guiada por evidências e inclusão. Isso significa apoiar ações que reconhecem a diversidade do país e que respondam às necessidades reais das populações mais vulneráveis ao vírus como a comunidade LGBTQIA+, em especial pessoas trans; homens que fazem sexo com outros homens (HSH); profissionais do sexo; pessoas privadas de liberdade, população negra, indígena e mulheres.

Com a chegada de novas tecnologias de prevenção e tratamento, como os medicamentos injetáveis de longa duração e a ampliação da testagem, novas oportunidades surgem. No entanto, essas ferramentas só produzem impacto quando chegam às pessoas que mais precisam. Assim, o UNAIDS segue atuando para apoiar políticas que levem informação de qualidade, ampliem o acesso e reduzam desigualdades.

A resposta brasileira é um exemplo para o mundo e mostra que colocando as comunidades no centro e a partir de uma estratégia multissetorial é possível transformar a resposta à AIDS. O UNAIDS está no Brasil há 25 anos e celebramos essa trajetória de trabalho conjunto com o governo com muito orgulho, baseada nos direitos humanos de todas as pessoas vivendo com HIV e AIDS. Seguiremos trabalhando para não deixar ninguém para trás”, destaca a diretora e representante do UNAIDS no Brasil, Andrea Boccardi Vidarte. 

Ação do UNAIDS em Aracaju, Sergipe.
Ação do UNAIDS em Aracaju, Sergipe (Foto: © Thiago Santos/UNAIDS)

Avanços, desafios e o futuro da resposta

Os 40 anos da resposta à AIDS no Brasil mostram um caminho marcado por conquistas importantes. Desde o acesso universal e tratamento gratuito via Sistema Único de Saúde (SUS) até campanhas que colocaram o país como referência global, a história brasileira é reconhecida internacionalmente. Entretanto, os desafios persistem. A redução das desigualdades, a ampliação dos serviços e a eliminação do estigma continuam sendo prioridades.

O UNAIDS acredita que o futuro exige inovação, cooperação e compromisso permanentes com os direitos humanos. Por isso, a parceria com o Brasil segue firme. Com evidências, tecnologias e oportunidades, o UNAIDS apoia iniciativas que acelerem o alcance das metas globais e que garantam que ninguém fique para trás.

25 anos de UNAIDS no Brasil: respeito, equidade e transformação

Ao longo de sua trajetória, o UNAIDS se consolidou como um aliado estratégico, trabalhando lado a lado com o país para transformar vidas. O compromisso com o fim da AIDS como ameaça à saúde pública permanece firme. No entanto, essa meta só será possível com ações integradas, participativas e guiadas por direitos.

Por isso, é necessário investir em estratégias que combatam desigualdades e fortaleçam comunidades. A experiência mostra que respostas bem-sucedidas dependem de políticas multissetoriais que respeitam a autonomia das pessoas e que garantem acesso a serviços de saúde de qualidade. Além disso, o engajamento da sociedade civil organizada continua sendo essencial para manter o Brasil como referência global.

O futuro da resposta à AIDS depende de ações integradas e do fortalecimento de todas as pessoas que compõem essa trajetória. Com determinação, colaboração e visão estratégica, a resposta precisa ser cada vez mais inclusiva, inovadora e transformadora.

Fontes: OMS, Unaids e Ministério da Saúde (atualizado em 01/12/25)

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