Você já ouviu falar que estamos embrenhados em um mundo em metamorfose, em permacrise cercado de riscos? Está tudo mudando tão rápido, tudoaomesmotempoagora! Quem tenta acompanhar minimamente o que está acontecendo fica perplexo diante das situações surreais em que estamos vivendo. E essas alterações de paisagem de fora e de dentro de nós, provocadas por várias questões, em especial pelas telas, fazem parte do que Ulrich Beck, lá nos anos 80, chamou de Sociedade de Risco.

Enquanto uns ficam chocados com o universo dos bebês que parecem de verdade, outros estão tramando como acelerar o fim do mundo. Ou melhor, o seu, o nosso e o fim de mundo deles, inclusive, mesmo que não saibam. Sobre isso, me refiro a essa recente empreitada de destruição do Sistema Nacional de Meio Ambiente, com a votação da tal Lei Geral de Licenciamento, a qual batizo de ‘Lei do Quase Libera Geral’.

Os bebês reborn e a vida desumanizada

Ao mesmo tempo em que surgem “inovações”, nas quais somos cobaias, para o bem ou para o mal, somos provocadas por telas com conteúdos que apelam pela nossa atenção. No meio desse bombardeio de estímulos, o que, de fato, merece e precisa do nosso foco?   O que vale a pena dedicar nosso olhar?

Neste texto, não vou tratar daqueles temas que a nossa mente procura para se entreter ou viajar rolando ou zapeando telas. Meu interesse é que estratégias são usadas para que você e eu percamos tempo com coisas completamente desnecessárias enquanto assuntos relevantes não são apresentados nem pela mídia, nem por telas. Ou seja, passam despercebidos.

Como estamos sentindo a emergência climática na pele, no bolso, pelos poros etc., que riscos são reais e quais são criados pelo sistema que estamos inseridos? Levanto isso porque esses dias recebi uma mensagem sobre a tal boneca que está na moda e virou meme de todos os tipos.

Dizia a mensagem: “Esses dias vi uma pessoa dizendo que esta infestação de bebês reborn tem coisas bem sombrias por trás.” Me remeteu a uma fórmula nova de controle das pessoas pela emoção, ou falta dela. Entendi que seria um preparo para uma dominação pela IA (Inteligência Artificial)…

As pessoas se acostumando a lidar com bonecos, que daqui a pouco vão falar e se mexer. E assim cortando o vínculo com outros seres humanos. Porque quem quer dominar nunca quer a reunião de pessoas.

Na matéria que eu vi, falavam de bebês reborn como porta de entrada para os robôs. E o corte da afetividade humana, porque já há cachorros robôs, que não fazem xixi nem coco e não incomodam… Porque parece não haver mais ideologia e sim ânsia de poder e dinheiro por todos os lados! E uma vida desumanizada. Há muitas coisas que não sabemos, que não chegam aqui na planície…”

Depois que li, fiquei incomodada. Não propriamente com a visibilidade dos tais bonecos. Mas sobre a percepção de risco que eles representariam para algumas pessoas. Como estou estudando comunicação e percepção de risco, logo me veio à tona o quanto há perigos bem próximos nos quais somos submetidas, mas nem nos damos conta.

A proliferação dos mosquitos da dengue

Aí vem eu, novamente, cito a maldita dengue. Só tenho saído de casa de calça comprida, sapato fechado e camiseta com repelente nos braços porque existe a possibilidade verdadeira de eu ser picada por um Aedes em qualquer lugar que eu transite em Porto Alegre, Viamão ou outro local da Região Metropolitana que esteja cheio de gente.

Além disso, há um surto de doenças respiratórias que posso contrair ao andar de ônibus ou ir a um restaurante. Se um garçom estiver com algum vírus, por exemplo, ele geralmente não é dispensado da labuta, vai servir com o nariz entupido ou com dor de garganta. Ou seja, hoje vivemos numa sociedade de risco, mas principalmente porque foi construída pelo Homo nem tão sapiens.

Entendo que a longo e médio prazo teremos múltiplos riscos com a flexibilização dos direitos dos trabalhadores e da legislação ambiental. E essas circunstâncias foram criadas puramente pelo Homo dito sapiens, que talvez não imaginaria que mudando e inventando tanto estaria colocando a humanidade em risco.

Mas como você que me lê e quer chegar “nos finalmentes, deixando de lado os entretantos,” como diria Odorico Paraguassú, personagem de Dias Gomes na novela O Bem Amado, resumo: fique ligado no quanto as decisões de gente desconectada da natureza afetam a sua vida.

Não é por acaso que há proliferação de mosquitos. E também não é porque tantos congressistas querem retroceder as conquistas e “o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, um bem de uso comum do povo e à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e as futuras gerações”, conforme o Artigo 225 da Constituição Federal.

Unidos pelo licenciamento ambiental

Com a ameaça de votação do PL 2159, ambientalistas promovem manifestações em várias cidades

Domingo, 1º de junho, foi um dia para entrar na história. Embora nossa imprensa hegemônica tenha ignorado, em várias cidades brasileiras houve protestos contra o PL 2159, também chamado de PL do licenciamento ou PL da Devastação, já que ajuda a desmontar o Sistema Nacional do Meio Ambiente.

O Senado Federal aprovou no dia 21 de maio o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que desmonta as regras do licenciamento ambiental no país. Apenas 13 dos 70 presentes votaram contra a proposta. Trata-se do maior ataque à legislação ambiental das últimas quatro décadas, desde a Constituição Federal de 1988.

O texto patrocinado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, amplia retrocessos do projeto que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados em 2021, em especial com a Licença Ambiental Especial (LAE), sugerida em emenda de última hora pelo próprio Alcolumbre.

Enquanto um pequeno grupo está aprendendo a se organizar para fazer coisas acontecerem para o bem da natureza, para uma melhor qualidade de vida para esta e futuras gerações, outros lados estão em mega preparativos com as big techs para espalhar desinformação.

Pior: arquitetando fisgar corações e mentes com enredos de embrulhar o estômago a la Zambelli. É a mesma turma que está colaborando intensamente para que o tal PL seja aprovado e passe logo no Congresso Nacional.

O contexto é nebuloso, não é só entre mocinhos e bandidos. As moedas de troca de interesses e favores rondam por muitos lados. E o próprio governo federal está dividido com relação a esse assunto.

A propósito, sabe onde nasceu o tal autolicenciamento? Em um governo petista na Bahia, onde um cara que não está mais entre nós criou esse mecanismo depois de ter aprendido bastante, dando aulas sobre licenciamento ambiental para municípios nos bons tempos dos primeiros anos de Sema do RS, quando coordenava a Comunicação.

A sentença de morte da biodiversidade

Dei essa breve contextualizada porque, se naquele tempo essa ideia pode ter sido encarada como genial, hoje, é quase uma sentença de morte da biodiversidade, de poluição pelo ar, pela água, pelos poros. De todos os seres vivos, inclusive você que me lê. E esse fim de mundo pode vir de várias formas, não só por desastres como temos vivido com frequência pelos pagos, mas através de desequilíbrios onde se proliferam vírus, bactérias, pandemias etc.

Com o avanço do lucro a qualquer preço, onde somos dominados e regidos por telas e boa parte dos seres com senso crítico com a profundidade de um pires, o avanço de narrativas de mentiras, desinformação em escala é uma ameaça tão grande quanto a emergência climática. São tempos de aceleração rumo ao precipício.

A reportagem do Sérgio de Souza, no Intercept, sobre as aulas que as big techs deram para treinar a extrema direita e me provocaram uma sensação difícil de nomear. Uma tristeza misturada com uma chama de esperança que oscila entre quase apagar e se revigorar.

Uma incerteza que ora pende para o pendurar os sapatos (não uso chuteiras), ora prefere se refugiar entre quem está em sintonia com a minha vibe, ora se esforça para estudar e querer compreender como se comunicar por gente que prepara o futuro dos outros com retroescavadeira. Se estamos querendo chamar atenção com arco e flecha, eles estão instalando chips sem mesmo precisar de qualquer tipo de implante.

Diante desse cenário, creio que as pessoas que têm algo mais entre as orelhas e que entendem minimamente da enrascada em que estamos metidos precisam deixar de lado as rusgas e as diferenças. É hora de se unir em busca de estratégias para o menos pior. Nem que seja para se nutrir, para juntar forças para seguir adiante. Já pensou que legal uma escola de samba desfilando na Sapucaí com o tema Unidos para pedir licença à natureza?

Nossos sonhos não podem parar. Pois 2026 tá logo aí. Fique ligada, mas não paranoica!

O que dizem as entidades sobre o desmonte do licenciamento

Veja abaixo declarações de especialistas:

“O Senado, liderado por David Alcolumbre, cravou nesta quarta-feira a implosão do licenciamento ambiental no país. O texto ainda irá à Câmara dos Deputados, mas no retorno à Casa iniciadora muito pouco pode ser feito para corrigir os seus inúmeros problemas e inconstitucionalidades. O licenciamento se transformará, na maioria dos processos, num apertar de botão, sem estudo ambiental e sem avaliação de impactos ambientais. Contribuíram para o resultado a visão arcaica e negacionista da bancada ruralista, a miopia de representantes do setor industrial que querem meio ambiente só na esfera discursiva e a lentidão e fraqueza do governo federal em suas reações no Legislativo. Lembraremos por muito tempo do dia em que se fragilizou completamente a principal ferramenta de prevenção de danos da Política Nacional do Meio Ambiente.” Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

“O resultado da votação do PL 2.159 é de terra arrasada. Todos os parâmetros técnicos e científicos que embasam o regramento ambiental atual foram desmontados. O Brasil está voltando ao padrão de desenvolvimento que criou exemplos como o de Cubatão, com gravíssimos danos à saúde pública, ao meio ambiente e até mesmo ao desenvolvimento econômico. Todos os posicionamentos apresentados em destaques pela sociedade civil baseavam-se na Constituição Federal, em acordos internacionais firmados pelo Brasil e na ciência. O que se anuncia a partir dessa votação é mais um desmonte de processos participativos da democracia a olhos vistos – também daqueles que foram eleitos para protegê-la.” Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

“Hoje foi um dia de derrota para a nação brasileira. Um retrocesso ambiental, agravado pela criação de um novo instituto, que é a Licença Ambiental Especial e que, na prática, torna o procedimento de licenciamento para os casos definidos como estratégicos para o governo como de rito unitário e político, definido pelo Conselho de Governo. Desrespeita os povos e comunidades tradicionais, o meio ambiente e toda a população brasileira, que ficará cada vez mais sujeita aos crimes e degradações ambientais.” Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA)

“A Licença Ambiental Especial (LAE) dá um bypass perfeito para aprovar projetos polêmicos. Vai ser como uma rota alternativa que contorna o Ibama e seu corpo técnico. Enquanto analistas que têm o dever de Estado deixam de avaliar os riscos, a LAE faz valer a vontade de quem tem a caneta. Não se trata de agilidade, mas de um atalho perigoso, cujo resultado serão obras sem o crivo de quem entende de impactos reais, e o país pagando a conta em conflitos, degradação e desastres anunciados.” Mariana Mota, gerente política do Greenpeace Brasil.

“A votação de hoje do PL do Licenciamento Ambiental evidencia a irresponsabilidade, o negacionismo climático, o desconhecimento sobre a matéria e os interesses econômicos do Senado Federal. O retrocesso aprovado ameaça vidas, biomas e o desenvolvimento seguro do país. Os empreendimentos que se beneficiarão dessa medida são os mesmos que trazem contaminação, tragédias, condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas e redução de direitos. Aliado a esse conjunto de ameaças está também a degradação da saúde da população brasileira com um ambiente cada vez mais devastado.” Letícia Camargo, consultora de advocacy socioambiental do Painel Mar.

Ah, e só pra lembrar do dia 5 de junho: Todo dia é dia do ambiente. Ele está no meio de nós.

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Textos originalmente publicados no portal Sler

 

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