A colonoscopia continua sendo o padrão-ouro para detectar e prevenir o câncer colorretal. Mas o procedimento tem limitações. Alguns estudos sugerem que mais da metade dos casos de câncer de cólon pós-colonoscopia surgem de lesões que não foram detectadas nas colonoscopias anteriores dos pacientes.
Segundo o especialista, embora a colonoscopia possa ser uma ferramenta de triagem eficaz, há variabilidade em quão bem os endoscopistas encontram os pólipos pré-cancerosos. Ironicamente, os pólipos são mais difíceis de detectar nos pacientes que mais precisam dessa triagem.
Atualmente, os pesquisadores da Mayo Clinic estão investigando como a inteligência artificial pode ser utilizada para aumentar a detecção de pólipos. Na verdade, os gastroenterologistas estão usando a IA como uma ferramenta para melhorar o tratamento de uma ampla variedade de doenças, com o objetivo de encontrar mais cedo os sinais difíceis de detectar, quando as doenças têm mais chances de serem tratadas.
No caso do câncer colorretal, o sistema de IA trabalha junto com o médico em tempo real, verificando o vídeo da colonoscopia e desenhando pequenas caixas vermelhas ao redor dos pólipos que poderiam passar despercebidos.
“Todos nós conhecemos o software de reconhecimento facial. Em vez de treinar a IA para reconhecer rostos, nós a treinamos para reconhecer pólipos”, diz o médico. “A inteligência artificial pode ser adicionada à colonoscopia tradicional para identificar pólipos que poderiam passar despercebidos”, completa.
IA não deixa passar pólipos que poderiam passar despercebidos
O câncer de cólon é o segundo câncer mais letal em todo o mundo. As taxas de câncer colorretal em jovens apresentaram um aumento constante nas últimas décadas. Pacientes com doenças intestinais inflamatórias (DII), como doença de Crohn ou colite ulcerativa, têm maior risco de ter câncer colorretal. Mas as lesões pré-cancerosas que eles desenvolvem tendem a ser planas ou apenas levemente elevadas, ao contrário dos pólipos bulbosos em forma de cogumelo vistos em pessoas que não têm DII.
“A maioria das pessoas que desenvolvem esses tipos de câncer passam por colonoscopias regulares, e as lesões continuam não sendo detectadas porque os tumores são muito sutis”, diz Nayantara Coelho-Prabhu, bacharel em medicina e cirurgia e gastroenterologista na Mayo Clinic em Rochester, Minnesota.
Ela, o gastroenterologista Cadman Leggett e seus colegas são precursores em uma nova plataforma de endoscopia digital que filmará todos os procedimentos internos, fará a correlação deles com os registros médicos e, em seguida, integrará a IA aos procedimentos, conforme aplicável.
“Realizamos colonoscopias de vigilância em 800 a 900 pacientes com DII por ano. Como resultado, acumulamos um enorme banco de dados que podemos usar para desenvolver os sistemas de IA necessários para melhorar a forma como realizamos as colonoscopias desses pacientes”, conta ela.
IA pode ser treinada para procurar pólipos inofensivos
Esse banco de dados fornece o que ela e outros especialistas chamam de “verdade fundamental”, que são as observações e medições do mundo real usadas para treinar e testar algoritmos de IA. A especialista acredita que a IA pode ser treinada para procurar pólipos que aparentemente são inofensivos.
Atualmente, a equipe da Dra. Coelho-Prabhu está anotando dados de um subconjunto de 1000 pacientes, assistindo a cada um dos vídeos das colonoscopias e marcando as lesões em cada quadro e de todos os ângulos.
Depois que as imagens forem anotadas, os pesquisadores as alimentarão em um computador para gerar o tipo dos algoritmos de “aprendizado de máquina” de IA que permitem que o computador aprenda a reconhecer sozinho os pólipos específicos de DII. “Depois de desenvolver os algoritmos, poderemos executá-los em nossos vídeos de procedimentos para testar seu desempenho”, diz ela.
IA, uma aliada para laudos mais precisos e personalização do tratamento
A tecnologia é primordial nos avanços dos diagnósticos e tratamentos do câncer colorretal, que têm mudado muito ao longo dos anos graças ao surgimento de novas tecnologias. O uso de inteligência artificial no diagnóstico do câncer colorretal não é novidade no Brasil. Para contribuir com laudos mais precisos, os médicos já podem contar com o auxílio de ferramentas baseadas em IA, como a Radiômica (do inglês, Radiomics), uma técnica que envolve a extração e a análise de inúmeras características quantitativas e qualitativas de imagens médicas.
“Com grande potencial, e ainda disponíveis para fins de pesquisa, as plataformas de Radiômica recebem as imagens enviadas, incluindo tomografia computadorizada, ressonância magnética e PET-CT, e apresenta dados de alta dimensão, permitindo mais precisão no estadiamento da doença e identificando se aquele paciente, que já passou por uma cirurgia, está de fato evoluindo bem ao tratamento. Isso pode permitir, por exemplo, que cicatrizes cirúrgicas, não sejam confundidas a olho nu com um novo tumor”, relata Lucas de Pádua Gomes de Farias, médico radiologista e coordenador de Educação da Alliança Saúde.
Ph.D. em Radiologia pela Faculdade de Medicina da USP, Dr Lucas explica que, durante a rotina de aquisição de imagens em pacientes, há muitas variações de parâmetros nos exames, que dependem do aparelho, da resolução e técnicas de imagem, da posição do paciente, e da espessura do corte, por exemplo.
Isso dificulta, algumas vezes, o trabalho dos médicos radiologistas ao comparar resultados de exames realizados entre diferentes instituições, e para interpretar com precisão o estágio da doença. O profissional também ressalta que a radiologia e os métodos de diagnósticos por imagem, irão fazer parte do seguimento contínuo do paciente após o tratamento do câncer colorretal.
“É necessário o seguimento multidisciplinar oncológico, do qual o médico radiologista faz parte. O acompanhamento regular permite a detecção precoce de sinais de recorrência da doença ou metástases, o que pode aumentar significativamente as chances de sucesso no tratamento”, conclui o radiologista.
Ressonância magnética ajuda no diagnóstico, estadiamento e controle da doença
O radiologista Lucas de Pádua Gomes Farias é um dos autores do estudo intitulado “Avanços na avaliação baseada em ressonância magnética (RM) da terapia pós-neoadjuvante do câncer retal: uma revisão abrangente”, publicado no Journal of Clinical Medicine, que aponta a realização da ressonância magnética como crucial para avaliar a resposta do câncer ao tratamento do câncer colorretal, detectar novos locais da doença, reavaliar a extensão da mesma e planejar o tratamento dos pacientes.
Ele explica que o rastreamento do câncer colorretal envolve alguns exames, como endoscopias (colonoscopia ou retossigmoidoscopia), marcadores tumorais e pesquisa de sangue oculto nas fezes. Após a confirmação do diagnóstico, será preciso definir a estratégia de tratamento. Neste contexto, os exames de imagem tem um papel muito importante.
“A ressonância magnética é um dos principais exames no planejamento do tratamento da doença, por conseguir demonstrar a relação do tumor com os órgãos e estruturas próximas, com precisão e detalhes superiores a outros métodos de imagem, além de detectar possíveis metástases e ajudar o oncologista a definir a melhor conduta”, explica o médico.
Um dos pontos analisados no estudo reafirma a importância da medicina personalizada, que vem com o propósito de individualizar o tratamento, tornando-o mais assertivo.
“Com a acurácia da ressonância magnética, aliada a outros exames de imagem, avaliações o oncologista e a equipe multidisciplinar terão como planejar uma estratégia para garantir que os pacientes tenham a maior probabilidade de se beneficiarem do tratamento empregado. Ele pode incluir terapias neoadjuvantes, quando qualquer tratamento é realizado antes de uma ressecção cirúrgica definitiva, ou mesmo tratamentos com preservação de órgãos, incluindo o tratamento não operatório. É uma abordagem promissora no melhor atendimento ao paciente”, completa o Dr. Lucas de Pádua.
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima, para o triênio de 2023 a 2025, mais de 45 mil casos de câncer colorretal por ano. A incidência da doença perde apenas para os diagnósticos de câncer de mama nas mulheres e o de próstata nos homens. Para esclarecer sobre a doença, a OMS promove a campanha Março Azul-Marinho.
Para mais informações, acesse a revista de pesquisa Discovery’s Edge.