reciclagem é um dos sete Rs da Economia Circular (Repensar, Recusar, Reduzir, Reaproveitar, Reutilizar, Reciclar e Recuperar). Mas no Brasil, o aproveitamento de resíduos ainda é uma realidade bastante discreta.

O índice de reciclagem nacional é de apenas 4%, contra a média de 16% registrada em países na mesma faixa de renda e desenvolvimento, como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, conforme a International Solid Waste Association (ISWA). Na Alemanha, o índice de reciclagem chega a 67%.

E não é por falta de matéria-prima. O Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2021 da Associação Brasileiras das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostra que mais de 82,5 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) são geradas anualmente no país. Dessas, 30,3 milhões, aproximadamente, não têm o destino adequado.

Em 2022, cada pessoa produziu mais de 380 quilos de resíduos – o volume total produzido em solo nacional foi equivalente a 85 milhões de carros populares. Dessa enorme montanha de lixo, somente 4% dos resíduos secos são enviados para reciclagem, pelos cálculos da Abrelpe.

Por mais apoio às cooperativas de reciclagem

Em meio a esse cenário, todo esforço para melhorar esse cenário é bem-vindo. Uma delas é o incentivo ao cooperativismo. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), de 2021, o Brasil soma 1.677 cooperativas de catadores atuando em 1.199 municípios com seus 35,7 mil associados. Apenas a OCB (Organização das Cooperativas do Brasil) conta com 97 cooperativas do segmento e elas atuam, especialmente, nos recicláveis secos recuperados de papel e papelão, plásticos, metais e vidros, o que representa um faturamento de mais de R$ 66 milhões anual.

Um exemplo que tem dado dado é o Mãos Pro Futuro, um programa de logística reversa pioneiro no Brasil que atualmente reúne 182 organizações de catadores, que atuam em 165 municípios do Brasil. Idealizado e coordenado desde 2009 pela Associação Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), a iniciativa – antes chamada de “Dê a Mão Para o Futuro – Reciclagem, Trabalho e Renda” – tem parceria com Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes (Abipla) e Associação Brasileira de Biscoitos, Massas Alimentícias e Bolos Industrializados (Abimapi).

O trabalho dessas organizações totalizou 966.345 toneladas de resíduos recuperados de 2013 a 2022, fruto de um investimento de R$ 138 milhões, realizado prioritariamente em associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis. O volume registrado em 2022 é o novo recorde do programa, que apresenta frequente progressão no volume recuperado ao longo dos anos – neste Link, confira a íntegra do Relatório Anual 2022.

Foram 163.845 toneladas de massa de embalagens recuperadas e encaminhadas para reciclagem. O volume é 11,3% maior que o apurado no balanço de 2021. Considerando o total de massa recuperado de 2013 a 2022, estima-se que cerca de 3,7 milhões de toneladas de CO² deixaram de ser emitidas só pelo fato de que toda essa massa recuperada foi reincorporada no processo produtivo, evitando o uso de insumos primários.

Além disso, pelo mesmo motivo, houve uma economia estimada no setor produtivo de R$ 710 milhões em custos econômicos e ambientais, o que engloba por exemplo, economia em energia, consumo de água, em perda de biodiversidade, além de uma solução de baixa emissão de gases de efeito estufa (GEEs).

Renda de catadores não chega a um salário mínimo

reciclagem – processamento de materiais (que já esgotaram sua vida útil) por meio da transformação física ou química no intuito de gerar novos produtos e bens de consumo –  pode ser um importante instrumento de inclusão produtiva e geração de renda para muitos brasileiros. Mas no Brasil a atividade ainda é pouco reconhecida e valorizada.

Um levantamento feito em 2021 pela Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT) aponta que 375 organizações de catadores obtiveram juntas o total de R$ 159 milhões de faturamento com a venda de materiais para reciclagem. Em média, cada organização faturou R$ 424 mil por ano.  A renda média mensal por catador é de apenas R$ 1.098,00 com a venda desses materiais.

Já os mais de 6 mil catadores de materiais recicláveis apoiados pelo Mãos Pro Futuro tiveram uma renda média de R$1.512,00. Considerando que o salário-mínimo nacional, em 2022, foi de R$ 1.302,00, a renda média destes profissionais ficou 16% acima do salário-mínimo, de acordo com dados do relatório anual de 2022.

Segundo levantamento realizado junto às 182 cooperativas e associações participantes do programa, atualmente, 56% dos cooperados são mulheres e 44% homens, dado semelhante ao de 2021, o que reforça o protagonismo feminino como profissional de reciclagem e a necessidade de se ofertar mais direitos a essas mulheres para que consigam trabalhar e sustentar suas famílias dignamente.

Pela valorização social dos catadores 

Para o diretor da Cooperativa de Coleta Seletiva da Capela do Socorro (Coopercaps), Telines Basilio do Nascimento Júnior, o Carioca, o Brasil ainda precisa percorrer um longo caminho para tornar a reciclagem inclusiva e socialmente bem-sucedida.

“Hoje ainda vivemos um cenário de exclusão social enorme, falta valorização da ponta da cadeia. Poucos continuam ganhando muito e muitos, principalmente os catadores, ganhando tão pouco”, alega.

Carioca diz que um sistema eficiente de reciclagem passa pela inclusão socioeconômica dos catadores e catadoras, visibilidade, valorização profissional, direito a trabalho digno, moradia, saúde e educação.

“As mulheres, que representam quase 70% da mão de obra do setor, precisam ter direito a creche. Esperamos que nos próximos anos tenhamos mais o que comemorar, possamos ter dignidade e cada vez mais orgulho do nosso trabalho”, diz ele sobre o Dia Internacional da Reciclagem.

Fim da tração humana para condições mais dignas de trabalho

Nascimento Júnior defende a urgência em oferecer aos catadores e catadoras condições que permitam acabar com o trabalho de tração humana, quando o transporte dos resíduos é feito pelo próprio trabalhador.

No curto prazo, Carioca afirma que é necessário o envolvimento de toda a sociedade, com responsabilidade compartilhada, e cita obrigatoriedade de oferecer educação ambiental nas escolas. “É preciso sensibilizar o fabricante, o distribuidor, o poder público e o consumidor para que possamos mudar nossos hábitos”, alega o diretor da Coopercaps.

Além da valorização da mão de obra dos catadores e catadoras, inclusive com contratações pelas empresas que prestam serviços de ambientais urbanos para os municípios, ele diz que é necessário créditos mais acessíveis para melhorar a infraestrutura dos galpões das cooperativas.

Em médio e longo prazo, ele cobra ainda o desenvolvimento de políticas públicas de Economia Circular, incentivo às indústrias recicladoras, fim da bitributação das embalagens pós-consumo, redução do INSS para as Cooperativas, reforma tributária inclusiva valorizando a cadeia de materiais recicláveis.

Órgãos públicos devem fazer mais parcerias com cooperativas de catadores

O Decreto 5.940/2006 institui a separação dos resíduos recicláveis pelos órgãos públicos, na fonte geradora, e a sua destinação às organizações de catadores de materiais recicláveis. Porém, ainda é baixa a incidência dos contratos ou termos de parcerias dos órgãos públicos com essas organizações.

Das 452 organizações entrevistadas pela Ancat, somente 178 alegaram ter algum vínculo contratual nos âmbitos estadual e federal. Por mais que existam diversas pessoas e organizações trabalhando na coleta e reciclagem de produtos descartados, somente 4% dos resíduos sólidos que poderiam ser reciclados são enviados para esse processo.

Mapeamento conduzido pela Abrelpe em 2019 mostrou que os bens recicláveis que vão para lixões acarretam uma perda de R$ 14 bilhões ao ano, que poderiam gerar receita e renda para as organizações e pessoas que trabalham com essa atividade.

De acordo com o diretor da Coopercaps, há perspectivas de melhoria no setor com o Decreto 11.413, que institui o certificado de crédito logística reversa, o certificado de estruturação e o certificado de crédito de massa futura.

Já o Decreto 11.414, que recria o Programa Pró-Catador, denominado Programa Diogo de Santana, e cria o comitê interministerial para inclusão socioeconômica de catadores e catadoras. “Esperamos que, na prática, essas ações sejam tão boas e efetivas como na teoria”, alega.

Mais pessoas, empresas e governos engajadas com a reciclagem

Apesar de muito a avançar, para o coordenador pedagógico do Movimento Circular e doutor em Educação e Sustentabilidade, Edson Grandisoli, uma das principais conquistas a serem celebradas no Dia da Reciclagem deste ano é o aumento sensível do engajamento da sociedade.

“O número de cooperativas tem crescido e, cada vez mais, elas desempenham papéis fundamentais nas áreas ambiental, de saúde pública, economia e inclusão”, afirma.

Apesar das vitórias, Grandisoli avalia que ainda há muito a ser feito, uma vez que uma porcentagem ainda muito pequena dos resíduos sólidos é efetivamente reciclada. O coordenador do Movimento Circular afirma que a reciclagem é vital para a economia.

“Um dos grandes objetivos do Movimento Circular é trazer ao conhecimento do grande público experiências de sucesso e o importante trabalho de cooperativas e empresas parceiras é fundamental, a fim de estimular ainda mais a construção de uma nova forma de pensar e agir”, comenta.

Criado em 2020, o Movimento Circular é um grande ecossistema colaborativo, que se empenha em incentivar a transição da economia linear para a circular, colocando em contato diferentes atores da cadeia de produção, consumo e descarte, fomentando a construção de iniciativas e projetos por um mundo sem lixo. A ideia é que todo recurso pode ser reaproveitado e transformado, dentro do conceito da Economia Circular, base do movimento.

O Movimento Circular é uma iniciativa aberta que promove espaços colaborativos com o objetivo de informar as pessoas e instituições de que um futuro sem lixo é possível a partir da educação e cultura, da adoção de novos comportamentos, da inclusão e do desenvolvimento de novos processos, produtos e atitudes. A iniciativa conta com a parceria da Dow.

Meta de destinação correta de 22% das embalagens

Além de auxiliar as empresas no cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, no plano ambiental, o programa Mãos Pro Futuro estimula a reciclagem. Só em 2022, com ações de divulgação de coleta seletiva, estima ter impactado mais de 500 mil pessoas.

Além de contribuir para a estruturação da reciclagem no Brasil, a iniciativa vem há 17 anos transformando vidas ao aumentar a renda e proporcionar uma melhoria na qualidade de vida desses trabalhadores. 

“No plano econômico fortalece e formaliza a cadeia de reciclagem, que hoje protagoniza um elo de suprimentos importante para uma transição eficiente em prol da Economia Circular. Já no plano social, valoriza e empodera os trabalhadores da reciclagem, a fim de que essa nova economia, além de prezar pela circularidade de nossos recursos, seja também mais inclusiva”, explica Rose Hernandes, diretora executiva de Meio Ambiente da ABIHPEC e coordenadora do programa.

Os recursos do Mãos pro Futuro são utilizados na melhoria de infraestrutura, aquisição de equipamentos e caminhões, pagamento por tonelada recuperada, capacitação e assessoria técnica, software de gestão, divulgação, entre outros. A ampliação da parceria com cooperativas de catadores de materiais recicláveis e a presença do programa em todo o território nacional se somam aos resultados positivos.

Uma das novidades deste ano é a criação do Selo Mãos Pro Futuro, que tem por objetivo assegurar que as empresas aderentes ao programa estão comprometidas com a destinação correta de, no mínimo, 22% das embalagens colocadas no mercado. O selo poderá ser usado em embalagens, campanhas de mídia e em materiais institucionais.

Projetos de reciclagem terão recursos do Imposto de Renda

A nova Lei de Incentivo à Reciclagem, publicada em 5 de agosto de 2022,  estabeleceu incentivos à indústria de reciclagem e criou mecanismos de fomento a projetos e ações voltadas ao setor. Para o ano de 2023, o Ministério da Fazenda estima destinar aproximadamente R$ 299 milhões da arrecadação do Imposto de Renda para destinar essa fatia aos projetos aprovados pelo Departamento de Gestão de Resíduos (órgão do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima), como previsto pela nova Lei.

Os contribuintes que são pessoa física poderão deduzir até 6% do imposto devido. As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, por sua vez, ficam limitadas à dedução de até 1% do imposto de renda em cada período de apuração trimestral ou anual.

Para especialistas em inteligência de mercado, a nova lei tem potencial de destravar um mercado promissor para a execução de iniciativas e projetos sociais no Brasil, já que a versão anterior trazia vetos à modalidade de incentivo fiscal. Mas eles acreditam que, para isso, é preciso haver políticas públicas sólidas que melhorem a situação do descarte do lixo e da reciclagem no Brasil.

“A legislação ainda é recente e há muitas questões abertas ao debate. Esperamos que essa Lei se consolide, porque o caminho para construir um país sustentável ainda é longo. Portanto, é preciso haver um envolvimento entre os diversos setores da sociedade em prol desse bem comum, gerando impacto ambiental positivo e inclusão produtiva, promovendo dignidade aos trabalhadores do setor” , afirmam Cleber Lopes e Eduardo Augusto, da Simbi.

Projetos que podem ser contemplados pela nova lei

Para captar recursos por meio da nova lei, o projeto deve estar contemplado em alguma dessas atividades:

__ Capacitação, formação e assessoria técnica, inclusive para a promoção de intercâmbios, nacionais e internacionais, para as áreas escolar/acadêmica, empresarial, associações comunitárias e organizações sociais que explicitem como seu objeto a promoção, o desenvolvimento, a execução ou o fomento de atividades de reciclagem ou de reúso de materiais.

__ Incubação de microempresas, de pequenas empresas, de cooperativas e de empreendimentos sociais solidários que atuem em atividades de reciclagem.

__ Pesquisas e estudos para subsidiar ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.

__ Implantação e adaptação de infraestrutura física de microempresas, de pequenas empresas, de indústrias, de cooperativas e de associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

__ Aquisição de equipamentos e de veículos para a coleta seletiva, a reutilização, o beneficiamento, o tratamento e a reciclagem de materiais pelas indústrias, microempresas, pequenas empresas, cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

__ Organização de redes de comercialização e de cadeias produtivas, e apoio a essas redes, integradas por microempresas, pequenas empresas, cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

__ Fortalecimento da participação dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas cadeias de reciclagem.

__ Desenvolvimento de novas tecnologias para agregar valor ao trabalho de coleta de materiais reutilizáveis e recicláveis.

Com Assessorias

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