O “Dia dos Povos indígenas” é o novo nome aprovado no ano passado no Congresso Nacional por iniciativa da ex-deputada federal Joênia Wapichana para o antigo “Dia do Índio”, tradicionalmente comemorado em 19 de abril, contemplando uma população que chega a 900 mil pessoas no país, segundo o censo de 2010 do IBGE. Neste ano, não temos o que comemorar. No mês de janeiro, equipes do Ministério da Saúde resgataram mais de mil indígenas em estado grave de saúde na comunidade Yanomami, localizada em Boa Vista, RO.

A crise sanitária foi caracterizada por malária, desnutrição infantil e dificuldade no abastecimento de alimentos e água potável.  Em 20 de janeiro, o Ministério da Saúde declarou situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), considerando a desassistência sanitária da população Yanomami no estado de Roraima.

Para além do trabalho realizado na região após a emergência, algumas ações voltadas à saúde da população indígena merecem destaque. Em hospitais geridos pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), estatal vinculada ao Ministério da Educação, brotam ações de acolhimento e assistência que têm revolucionado histórias de vida e a forma como toda a sociedade deve olhar e cuidar dos indígenas.

O Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD/Ebserh) é a terceira unidade de saúde do Brasil com maior número de atendimentos à população indígena. A unidade foi a escolha de Pedrinho Rodrigues, 39, cuja etnia é a Kaiwoa, da aldeia Amambai, que está internado desde o dia 8 de abril. “Estamos sendo muito bem atendidos”, afirmou sua esposa, Luzinete Lopes. A Resolução nº 105, de 02 de dezembro de 2022, assegura ao paciente indígena o direito a acompanhantes por eles indicados em tempo integral.

No Hospital Bom Pastor, unidade própria da entidade filantrópica Pró-Saúde localizada em Guajará-Mirim, Rondônia, onde um entre quatro pacientes é indígena, ganham destaque a presença de técnicos em enfermagem indígenas, com fluência no dialeto para facilitar a comunicação, serviço de nutrição voltado aos hábitos alimentares indígenas, e a horta medicinal, para atender a cultura das aldeias com tratamento fitoterápico.

Primeira indígena transplantada no Maranhão

Em São Luís, Naianny Pereira, 15, indígena da etnia Guajajara, da aldeia Bacurizinho em Grajaú, tem ainda mais motivos para sorrir e agradecer no dia marcado para celebrar as conquistas e memória de seu povo. Após quatro anos de hemodiálise, ela passou pela cirurgia de transplante de rim no último 24 de março, trazendo um marco não só para a sua vida como para a do no Hospital Universitário da UFMA (HU-UFMA/Ebserh). Ela é a primeira indígena transplantada no Maranhão.

Com uma boa recuperação, a jovem já está de alta desde o dia 14 de abril e encontra-se na Casa de Saúde Indígena, local que recebe e faz as intermediações entre os indígenas e os serviços do SUS. A mãe da Naianny, Geana Pereira Guajajara, é só gratidão a Deus e à equipe hospitalar pela oportunidade de a filha ter uma nova vida, longe das quatro horas de hemodiálise, durante três dias da semana. “Foi uma grande surpresa para nós, depois de tanto sofrimento. Chorava vendo-a naquela máquina e hoje sou muito feliz por esse milagre”, comemora.

A família precisou se mudar para São Luís para acompanhar o tratamento da Nayanny, já que o deslocamento do município de Grajaú para a capital era praticamente um dia de viagem, 563km de distância. Seguirão na capital por, pelo menos, três meses para os devidos acompanhamentos pós- transplante.

Dialetos dos pacientes e ervas locais para tratar doenças

No Hospital Bom Pastor, em Guajará-Mirim (RO), o atendimento à população indígena incorpora o entendimento e o respeito à cultura indígena na assistência humanizada oferecida para uma população de mais de cinco mil indígenas da região. Na fronteira com a Bolívia, em meio à floresta Amazônica, a unidade atua como referência para 54 aldeias da região, das quais cerca de 90% só são acessíveis por meio fluvial.

Por meio do projeto ‘Semear com Amor’, a unidade hospitalar faz uso farmacêutico de ervas e hortaliças no combate a diversas doenças e sintomas. A horta está atividade há cerca de quatro anos e possui cerca de 35 plantas de espécies diferentes. “São ervas que estão no cotidiano e cultura de nossos pacientes indígenas. Após a colheita, transformamos em chás que podem ajudar em diversos sintomas, como alívio de dores, gripes, problemas no fígado e no intestino e calmantes, além de fortalecermos o vínculo com pacientes e comunidade”, explica o diretor Técnico do hospital, médico Juan Carlos Boado.

A unidade também conta com outras adaptações especialmente para acolhimento dos povos originários, como instalação de redes nas enfermarias, horário livre para visita e a permissão para mais de um acompanhante, quando liberado pelo médico e enfermeiros. “Podemos destacar ainda o ambiente com uma oca indígena, construída para humanizar o atendimento dos pacientes e visitantes, buscando trazer para dentro do hospital um local próximo do vivido nas aldeias”, complementa o diretor Hospitalar, Geraldo Fonseca. “Eles conhecem nosso trabalho, se sentem acolhidos e seguros em nos procurar”, ressalta o gestor.

Um entre quatro pacientes de hospital é indígena

Distante dos centros urbanos, o Hospital Bom Pastor atende uma população de mais de cinco mil indígenas, com realização de consultas, exames, cirurgias, partos e internações. Pneumonia, infecções virais, malária e desnutrição estão entre as principais causas de atendimento.

Em 2022, quase 25% das internações realizadas foram de pacientes indígenas, principalmente para tratamentos clínicos, obstétricos, ginecológicos, pediátricos além de partos. O índice permite traçar as características mais relevantes das necessidades deste público. “Na pediatria, a maioria dos pacientes busca assistência para problemas gastrointestinais, respiratórios, desnutrição e para tratar picadas de animais peçonhentos”, explica o médico Juan.

Já na clínica-geral para adultos, a maioria busca auxílio por problemas respiratórios, como pneumonia e bronquiolite, diarreicos, infecções virais e do trato urinário, além de malária. “Há também muitos casos de desnutrição, principalmente em pacientes idosos. São problemas diretamente relacionados com os hábitos de vida nas aldeias e dentro da floresta”, explica Juan Carlos Boado, diretor Técnico.

A unidade também atua como a única maternidade do município, assim, todas as gestantes são diretamente encaminhadas ao Bom Pastor, inclusive as indígenas. No ano passado, dos 786 partos realizados, 159 foram de pacientes indígenas.

Solidariedade aos povos yanomami

A situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional possibilitou uma parceria da Ebserh, do Ministério da Saúde e da Prefeitura de Boa Vista para oferecer a esse povo uma assistência de saúde digna. A ação tem investimentos de aproximadamente R$ 1 milhão.

Foram deslocados 19 profissionais e equipamentos para a ação humanitária por meio de atendimento via SUS, que iniciou em 10 de abril com atuação dos profissionais no Hospital Municipal da Criança. O grupo é composto por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e administrativos que estão prestando assistência aos pacientes e dando suporte na organização das informações hospitalares, na regulação interna e na gestão de leitos.

Entre os profissionais que se disponibilizaram para participar da ação está o enfermeiro especialista em Saúde Indígena do Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM-UFMT/Ebserh), Alídio Vieira Duarte. Ele relatou que nos nove anos como empregado público da Ebserh, essa foi uma das mais importantes atuações como especialista em saúde indígena.

“Penso que o aprendizado será muito proveitoso para a experiência profissional, troca de saberes e práticas, além de contribuir com a organização e qualificação dos processos assistenciais, gerenciais e cuidado em saúde indígena no contexto etnocultural do processo de cuidar e fazer saúde indígena nos níveis primário, secundário e, principalmente, terciário de atenção à saúde” pontua.

O esforço solidário envolveu ainda o envio de equipamentos médicos, sendo oito camas hospitalares, três carros de emergência hospitalar, uma maca clínica, quatro monitores multiparâmetros e 11 ventiladores pulmonares mecânicos.

Melhorias em hospital para indígenas

Dirigido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), o Hospital Universitário da UFGD promoveu, em comemoração ao Dia dos Povos Indígenas, o 1º Simpósio Reserva & Saúde Indígena, na última sexta-feira (14), com grande presença de público. Considerando que os povos indígenas são prioridade nas políticas institucionais, o HU-UFGD publicou em 2022 o Regimento Interno do Comitê de Saúde Indígena (CSI).

O documento subsidia transformações na assistência em saúde aos povos indígenas e vem implementando o Plano de Metas e Ações para melhoria da qualidade assistencial, coordenado pela enfermeira Luciana Comunian, especialista em saúde indígena. Entre os avanços, ela destaca ainda que o CSI realizou levantamento de colaboradores falantes do idioma guarani para auxiliar nas interlocuções quando necessárias. E afirma que estão buscando instalar placas de identificação em idioma guarani nas dependências de maior circulação do hospital, bem como construir um espaço para atender pacientes indígenas junto aos cuidadores tradicionais.

“É importante pontuar para quem está sendo cuidado ao tratar a pessoa com base em suas preferências, seus valores, suas relações culturais, suas relações sociais e suas relações com a natureza; e segundo, fazer parte do combate em defesa dos povos indígenas, uma luta que é do HU-UFGD, da Universidade e da Ebserh”, destaca o superintendente do HU-UFGD, Hermeto Paschoalick.

Criada em 2011, a a Rede Ebserh atualmente administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), e, principalmente, apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas.

Devido a essa natureza educacional, os hospitais universitários são campos de formação de profissionais de saúde. Com isso, a Rede Ebserh atua de forma complementar ao SUS, não sendo responsável pela totalidade dos atendimentos de saúde do país.

Com Assessorias

 

 

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