O Estado do Maranhão, no Nordeste brasileiro, ficou com R$ 19 milhões dos R$ 21 milhões (o equivalente a 93%) destinados ao programa de reabilitação pós-Covid19 financiado pelo Ministério da Saúde até maio deste ano para atender pacientes com sequelas motoras da doença. Mas dados falsos inseridos no programa para fraudar o Sistema Único de Saúde justificam a ‘prioridade’ ao estado.

Só a pequena cidade de Mata Roma recebeu quase R$ 750 mil. No entanto, para o tratamento eficiente do público-alvo, era necessário muito menos que isso – no máximo R$ 55 mil. O município tem pouco mais de 17 mil habitantes, mas alegou ter feito, entre janeiro e abril deste ano, um total de 34 mil atendimentos de reabilitação, apesar de ter registrado 652 casos da doença.

Se fizer as contas, é como se cada um dos dois únicos fisioterapeutas habilitados a realizar os procedimentos de reabilitação tivessem feito, cada um, 258 atendimentos por dia, considerando sábados, domingos e feriados. A média de atendimentos registrada na cidade chega a ser maior que a da capital, São Luiz, que é de 300 pacientes por mês para uma população de 6,85 milhões de habitantes.

A pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal no Maranhão determinou o bloqueio de R$ 688 mil do Fundo Municipal de Saúde (FMS) do município de Mata Roma (MA), devido a inserção de dados falsos no Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) em relação aos procedimentos de reabilitação de paciente pós-covid, no período de janeiro a maio de 2022.

Segundo a ação cautelar proposta pelo MPF, após as informações inverídicas inseridas no SIA, o Fundo Nacional de Saúde (FNS) repassou o montante de R$ 743.533,20 ao FMS de Mata Roma, objetivando a garantia da assistência aos usuários do SUS com sequelas pós-covid-19.

“O mesmo procedimento de inserção de dados falsos no sistema do SUS identificado pelo MPF e CGU no repasse irregular de emendas parlamentares foi constatado para o programa de tratamento pós-covid pelo próprio Ministério da Saúde. As fraudes são flagrantes, pois existem vários pacientes que foram atendidos simultaneamente em mais de um município e, algumas vezes, inclusive, a ordem sequencial de pacientes nos municípios é idêntica”, disse o procurador da República Juraci Guimarães, responsável pela ação.

A análise da Controladoria Geral da União (CGU) informou que o valor esperado aproximado de produção no município de Mata Roma, em relação ao procedimento de reabilitação de paciente pós-covid, seria de R$ 55 mil, contudo, foram transferidos R$ 743 mil ao município. Por esse motivo, o MPF, a fim de resguardar o patrimônio público, requereu e obteve judicialmente o bloqueio de R$ 688 mil do Fundo Municipal de Saúde de Mata Roma.

Os recursos foram distribuídos de forma fraudulenta a 33 municípios maranhenses. Entre os escândalos na Saúde constatados no Maranhão houve até o caso de um mesmo paciente fazendo o mesmo procedimento em vários municípios. Em Miranda do Norte (MA), o bloqueio foi de quase R$ 8 milhões.

“O MPF instaurou procedimentos para investigar essa fraude em 33 municípios maranhenses, com a finalidade de proteger o erário e responsabilizar criminalmente os autores das inserções falsas e eventual desvio dos recursos públicos irregularmente recebidos”, finalizou o procurador, que atua como coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPF/MA).

A Justiça Federal no Maranhão já determinou a pedido do MPF, até outubro, o bloqueio de R$ 78 milhões das contas dos fundos de saúde de 20 municípios maranhenses. O MPF iniciou em julho a investigação em 46 municípios com indícios de recebimento de maneira fraudulenta de repasses federais via emendas parlamentares. Há casos escabrosos, como das 900 mil consultas fraudadas, em cidade com oito médicos e 29 mil habitantes. A Polícia Federal deflagrou em utubro a Operação Quebra Ossos, que investiga os escândalos no Maranhão e no Piauí.

O escândalo resultou, até o momento, na requisição de instauração de 28 inquéritos policiais. Além disso, 23 ações foram propostas. E entre os 20 municípios que tiveram as contas bloqueadas, estão Miranda do Norte, Afonso Cunha, Bela Vista, São Francisco do Maranhão, Loreto, Governador Luiz Rocha, Santa Filomena do Maranhão, São Bernardo, Igarapé Grande, Bequimão, Turilândia, Lago dos Rodrigues, Joselândia e São Domingos.

Segundo a investigação, o esquema fraudulento se inicia com a inserção de dados falsos apresentada pelos municípios maranhenses nos sistemas de dados do SUS, como Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH). Desse modo, o limite para o recebimento de emendas parlamentares é abruptamente aumentado de maneira fictícia, possibilitando, num segundo momento, que os valores das emendas parlamentares sejam repassados acima do valor devido, para, posteriormente, serem desviados da sua destinação legal.

‘Produção ambulatorial’ cresceu 78% em 5 anos

A investigação contou com a participação da Controladoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas do Maranhão (TCE-MA). Em análise preliminar da CGU, foi constatado que, nos últimos cinco anos, a produção ambulatorial informada pelos municípios maranhenses cresceu 78%, entretanto, não foi acompanhada de aumento na quantidade de instalações e contratação de médicos e demais profissionais de saúde.

Em um dos pedidos, o MPF demonstrou que o município de Miranda do Norte tinha, em 2020, uma produção ambulatorial de média e alta complexidade de R$ 330 mil. No entanto, saltou para R$ 9,3 milhões em 2021, sem qualquer crescimento aparente das instalações e contratação de médicos, possibilitando, assim, o recebimento de emenda parlamentar de R$ 10 milhões em 2022.

O município informou ao Ministério da Saúde que, em 2021, foram realizadas 900 mil consultas de médico em atenção especializada, sendo que o município tem apenas 29 mil habitantes e 8 médicos, que para isso deveriam, cada um, ter realizado 450 consultas por dia. Por esse motivo, em ação cautelar proposta pelo MPF, foram bloqueados judicialmente R$ 9,3 milhões do Fundo Municipal de Saúde (FMS) de Miranda do Norte.

Já o município de Afonso Cunha, cujo bloqueio judicial foi de R$ 6,6 milhões, inseriu informações falsas nos sistemas do SUS nos anos de 2020 e 2021. Informando, por exemplo, que teria realizado 30 mil ultrassonografias de próstata nesse período, o que corresponderia 4 vezes a mais do que a população do município, atualmente com 6.700 habitantes.

O município de São Francisco do Maranhão, com apenas 12 mil habitantes, informou que teria realizado cerca de 300.000 consultas médicas de atenção especializada nos meses de novembro e dezembro de 2021, o que corresponderia, em dois meses, a 25 consultas por habitante. Ação cautelar proposta pelo MPF conseguiu o bloqueio de R$ 1,9 milhões.

Para o MPF, a razão da fraude ocorre pela fragilidade do Ministério da Saúde no controle da efetiva produção ambulatorial informada pelos municípios, principalmente, quando é apresentado no sistema do SUS dados com crescimento abrupto bastante elevado, sem falar na ausência de uma concreta análise da prestação de contas pelos municípios dos recursos enviados pelas emendas parlamentares. Nos últimos 4 anos, apenas os municípios maranhenses receberam R$ 3 Bilhões, aproximadamente, de emendas parlamentares para incremento da saúde.

Segundo o procurador da República Juraci Guimarães, “é insustentável que esses recursos não sejam transferidos e movimentados, exclusivamente, em conta específica, bem como não seja exigido ao município informar nos sistemas do SUS a pessoa que foi atendida pela consulta ou realizado o exame”, finalizou.

(Com informações da Assessoria de Comunicação do MPF no Maranhão)

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