Ex-senador da República por 24 anos e hoje deputado estadual por São Paulo, Eduardo Suplicy (PT), de 82 anos, foi diagnosticado com Parkinson e revelou que faz uso da cannabis medicinal. A doença está em estágio inicial e tem sintomas leves, como tremores nas mãos na hora de segurar o talher e dores musculares na perna esquerda.  Ele contou que a medicação tem lhe feito muito bem. “A dor na perna sumiu, o tremor, na hora de comer, melhorou, e tenho caminhado com firmeza”, disse.

O anúncio sobre a doença e a terapia que vem sendo adotada foi feito durante audiência pública sobre a regulamentação da cannabis para fins medicinais e terapêuticos. Suplicy é vice-presidente da Frente Parlamentar Cannabis Medicinal e Cânhamo Industrial, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), que defende o acesso justo ao remédio com participação efetiva das associações fornecendo para o SUS (Sistema Único de Saúde).

O petista procurou especialistas após seu médico geriatra, Nelson Carvalhaes, percebeu os primeiros sinais da doença. “Ele detectou, mas não havia nada pormenorizado”, explicou Suplicy. O deputado revelou ainda que, no começo do ano, importou um vidro de Cannabis industrializada para poder iniciar o seu tratamento e, atualmente, toma cinco gotas do medicamento no café da manhã, cinco gotas à tarde e outras cinco no período noturno.

Com a declaração, ele se soma aos milhares de brasileiros acima dos 60 anos que estão recorrendo ao tratamento com cannabis medicinal para enfrentar doenças crônicas, progressivas ou incapacitantes. A doença do ex-senador é a sexta com mais prescrições de cannabis medicinal no país, com 5,2% do total, atrás apenas de dores crônicas, ansiedade, Alzheimer, depressão e TEA (Transtorno do Espectro Autista), segundo um relatório anual divulgado pela Kaya Mind.

Um estudo publicado pelo Journal of Psychopharmacology, da Associação Britânica de Psicofarmacologia, feito por pesquisadores de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostrou a eficácia do canabidiol para melhorar a qualidade de vida e o bem-estar em pacientes diagnosticados com a doença de Parkinson. O trabalho foi desenvolvido durante seis semanas em 21 pessoas, mas sem quadro de demência ou problemas psiquiátricos.

20% dos que procuram tratamento com cannabis são idosos

A Doença de Parkinson é uma doença degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva. É a segunda doença neurodegenerativa mais comum no mundo, ficando atrás apenas do Alzheimer. A doença progride com o tempo e os sintomas vão ficando mais severos. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 1% da população mundial com idade superior a 65 anos tem Parkinson. No Brasil, estima-se que 200 mil pessoas sofram com o problema.

O envelhecimento promove um aumento no risco de desenvolver doenças e, consequentemente, de reduzir a qualidade de vida. Sejam essas doenças de natureza psicológica, cardiovascular, hipertensiva ou degenerativa, estudos científicos realizados nos últimos anos têm comprovado a eficácia do CBD, um composto derivado da planta Cannabis sativa, como um tratamento promissor para diversas patologias comuns entre os idosos.

Levantamento feito pela Remederi mostra que os idosos representam 20% do total de pessoas que entram em contato com a farmacêutica em busca de tratamento e esclarecimento sobre a cannabis medicinal. Na maioria dos casos, eles querem saber como age a substância em doenças neurodegenerativas, especialmente Parkinson e Alzheimer. Os resultados, segundo  os pacientes, são realmente promissores.

Segundo dados da Anvisa, foram 79.995 novos pacientes autorizados a importar o medicamento em 2022, quase o dobro do ano anterior. Vale lembrar que a compra e a utilização desses produtos só podem ser feitas sob prescrição médica e a dosagem e as demais orientações devem ser determinadas pelo médico prescritor.

Poucos ou nenhum efeito colateral, garantem médicos

Especialistas em medicina canabinoide afirmam que a terapia possui também a vantagem de não ocasionar efeitos colaterais aos pacientes, daí a boa aceitação entre os pacientes idosos.

“O canabidiol possui efeitos anti-inflamatórios, antioxidantes e neuroprotetores, além de não apresentar efeitos colaterais, podendo ser utilizado em tratamentos a longo prazo, diferente de outros fármacos usados para pacientes com Parkinson“, salienta Karin Mitiyo Corrêa, neurologista da Clínica Gravital e mestre em Neurociências.

Segundo ela, a cannabis também atua positivamente em outros sintomas da doença. “Costumo prescrever medicamentos à base de cannabis para pacientes com doenças degenerativas, como o Parkinson, devido aos efeitos positivos nos sintomas como dores, depressão e insônia, que são bem comuns em quem tem a doença”, ressalta.

A médica de família Letícia Mayer, especialista em Geriatria, pontua que, como não existem muitas alternativas terapêuticas, a cannabis pode ser uma aliada, já que possui poucos efeitos colaterais.

“Tudo depende das particularidades do paciente e do estágio da doença, para indicar o tratamento mais adequado. Outro ponto positivo é que, com supervisão médica, muitas vezes conseguimos retirar medicamentos que causam mais riscos do que benefícios, como calmantes usados para regular o sono”, destaca a geriatra.

Diferente do THC (tetrahidrocanabinol), outro composto presente na planta, o canabidiol não provoca dependência nem efeitos psicoativos, sendo reconhecido por suas propriedades terapêuticas.

“Outra vantagem do uso do canabidiol é que, por ser uma substância natural, possui pouquíssimos efeitos colaterais no organismo, ao contrário de medicamentos sintéticos”, comenta Alfonso Cardozo Ferretjans, médio e sócio da Anna Medicina Endonacanabinoide, startup que tem o objetivo de desburocratizar o acesso à cannabis medicinal no Brasil.

Uso da cannabis traz alívio a paciente de 86 anos

A questão da melhora nas dores foi o primeiro benefício sentido por Sonô Taira Oliveira, 86, no início do tratamento com cannabis. Sua filha, Liliane Taira Oliveira, afirma que em poucos dias depois de começar ela já estava melhor.

“Ela estava tendo crises de espasmos com dores muito fortes. Não tinha mais remédio que resolvesse e só a cannabis ajudou. Já não conseguia dormir e era muito difícil ver uma velhinha de 86 anos com tanta dor”, conta ela.

Sonô é moradora do Rio de Janeiro e há 10 meses faz tratamento com cannabis com o médico Diego Silvério, da Gravital, por meio de teleconsulta. Liliane afirma que sua mãe voltou a dormir melhor, ter qualidade de vida e parou de tomar remédios para dor. “Ela fala que voltou a dormir bem, os tremores diminuíram, além das dores nas juntas, que em geral melhoraram”, diz.

O tratamento é fortemente recomendado por Liliane, ao afirmar que foi o único, inclusive, que resolveu a dor crônica que sua mãe tinha em decorrência da doença. “Quiséramos ter começado antes, pois quem sabe teria evitado tanto sofrimento e talvez a evolução da doença teria sido mais suave”, finaliza.

Canabidiol ‘imita’ efeito da dopamina no cérebro

Crônico e progressivo, o Parkinson é causado por uma degeneração das células situadas numa região do cérebro chamada “substância negra”. Essas células produzem o neurotransmissor dopamina, que ajuda na comunicação de mensagens entre as células nervosas, sendo responsável pelo controle da atividade motora do corpo (dos músculos), além de influenciar nas emoções, aprendizado, humor e atenção.

A doença causa a diminuição intensa da produção de dopamina e afeta importantes funções do corpo, como o movimento, a memória, a motivação e o humor, muitas vezes causando dor, tremores e até depressão. “A dopamina é um neurotransmissor muito importante para o controle das funções motoras, mentais, regulação do humor, sono, entre outros”, explica a médica Karin Mitiyo Corrêa.

O distúrbio neurológico causa sintomas característicos, especialmente motores, como movimentos não intencionais ou incontroláveis, tremores, lentificação e perda ou dificuldade de equilíbrio, além de diversos sintomas não motores, como alterações mentais e comportamentais, que acabam por comprometer a qualidade de vida dos pacientes.

Apesar de ser incurável, as pesquisas acerca do tratamento do Parkinson têm evoluído bastante nos últimos anos, no sentido de buscar formas de proporcionar maior qualidade de vida aos portadores. Já existem tratamentos que podem controlar os sintomas, como cirurgia e até medicamentos que imitam ou aumentam a dopamina. É o caso do canabidiol (CBD), um dos compostos químicos encontrados na cannabis sativa, planta da qual deriva a maconha para uso recreativo e também medicinal.

“Pesquisas científicas mostram que os canabinóides interagem com os receptores CB1 e CB2 do Sistema Endocanabinoide, modulando a liberação de dopamina no sistema nervoso central. Isso é uma esperança no tratamento da doença. Além disso, há o efeito neuroprotetor dos derivados da cannabis, muito positivo nas doenças neurodegenerativas, e o efeito, também demonstrado em estudos, de melhora de sintomas e qualidade de vida”, explica a médica de família Letícia Mayer.

Essa substância auxilia na realização dos movimentos voluntários do corpo de forma automática, ou seja, sem a necessidade de pensar em cada movimento que os músculos realizam. Quando há a falta dela, o controle motor do indivíduo é perdido, o que ocasiona os sintomas característicos do Parkinson. Nesse cenário, a cannabis medicinal tem protagonizado ótimos resultados e trazido alívio a pacientes e familiares.

“O canabidiol é uma alternativa saudável e natural aos medicamentos tradicionais. É capaz de aumentar a transmissão de dopamina para o cérebro e melhorar a mobilidade, os tremores, a comunicação e o humor dos pacientes, diminuindo, assim, os sintomas debilitantes do Parkinson“, explica Mariana Maciel, médica especialista em medicina canabinoide e CEO da biofarmacêutica Thronus Medical.

Compra e uso somente com prescrição médica

Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação de produtos derivados de cannabis. Mas é importante lembrar: a compra e a utilização desses produtos só podem ser feitas sob prescrição médica. A dosagem e as demais orientações devem ser determinadas pelo médico prescritor, que deve manter um acompanhamento contínuo do uso.

De acordo com Fabrízio Postiglione, CEO da Remederi, farmacêutica brasileira de cannabis medicinal, o Brasil é um dos países que mais produz pesquisas sobre a cannabis.

“Quanto antes os pacientes tiverem acesso ao medicamento, melhor, pois as chances de sucesso aumentam. É um processo de educação social para todos os âmbitos que pode contribuir para mudanças concretas na legislação, favorecendo a produção e comercialização dos medicamentos de maneira acessível para garantir qualidade de vida a milhares de pessoas”, aponta.

Com Assessorias

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