Qual a diferença entre hermafrodita e intersexo? O termo “hermafrodita” já foi, durante muito tempo, utilizado de forma genérica para denominar pessoas intersexo. Esse termo, no entanto, deixou de ser usado por ser considerado limitante e de cunho pejorativo, reforçando estereótipos negativos. O tema voltou a ficar em evidência nos últimos dias por conta da polêmica em torno de lutadoras de boxe nos Jogos Olímpicos Paris 2024 (entenda aqui) e também com um personagem na nova versão da novela Renascer, da TV Globo.

Os órgãos sexuais não estão visualmente definidos ou têm anormalidades, provocando, inicialmente, nos pais uma dúvida sobre o sexo do filho. Trata-se da ambiguidade genital, considerada uma emergência médica e com indicação de cirurgia nas primeiras semanas de vida. O problema, porém, é pouco falado por pacientes e estudado por cientistas. 

A terminologia ‘distúrbio do desenvolvimento sexual’ (DDS), definida em uma declaração de consenso publicada por membros da Lawson Wilkins Society for Pediatric Endocrinology e da European Society for Pediatric Endocrinology, não foi bem aceita fora da comunidade médica. Esse tema sensível para a família do paciente; no entanto,
Esta condição é considerada rara, mas bem mais comum do que pensa. De acordo com o Observatório da Saúde da Criança e do Adolescente, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estima-se que um em cada 4.500 bebês nasçam com genitália ambígua – ou distúrbio do desenvolvimento sexual (DDS) – que pode ser decorrente também de outras complicações.
A revisão aprofundada de um estudo publicado em 2021 na Intramed  afirma que “a genitália ambígua é uma doença rara caracterizada pelo aparecimento da genitália de um recém-nascido diferente da genitália esperada com base no sexo cromossômico. Sua frequência varia de 1 em 1.000 a 1 em 5.000 recém-nascidos”.
A ambiguidade é um sinal clínico das doenças do distúrbio do desenvolvimento sexual que se manifestam de diversos graus. Dentre essas doenças causadoras de ambiguidade genital, está a Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC), considerada a causa mais frequente dessa manifestação em crianças do sexo feminino.
Esse transtorno frequentemente representa um desafio para os médicos e angústia para as famílias dos pacientes, especialmente se o gênero não puder ser facilmente atribuído.  este tópico potencialmente sensível com a família do paciente. Leia mais aqui

Hiperplasia adrenal congênita

Cerca de 80% das mais de 7 mil doenças raras já identificadas no mundo são de origem genética, e metade delas ocorre na infância. Dentre essas, está a hiperplasia adrenal congênita. O manejo desse transtorno requer uma equipe multidisciplinar com uma abordagem de longo prazo em mente; os dados mostram que a insatisfação de gênero e a redesignação de gênero ocorrem com mais frequência em pacientes com história de DDS.
Nas meninas, sua forma clássica é caracterizada pela ambiguidade genital e virilização dos genitais externos. Em ambos os sexos há deficiência da produção do cortisol, hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais, aquelas que ficam em cima dos rins.

O diagnóstico tardio resulta em exposição prolongada aos hormônios masculinos, levando ao avanço da idade óssea, o que pode comprometer o crescimento, e a criança se tornar um adulto com baixa estatura, entrando em puberdade mais cedo que o normal, necessitando de tratamento para o resto da vida”, explica Sonir Antonini, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem-SP).

De acordo com o especialista em endocrinologia pediátrica. o tipo mais grave da HAC-21OHD é a forma perdedora de sal, em que também falta o hormônio aldosterona. Nesse caso, a criança apresenta perda de sal pelo corpo e desidratação grave, e potencialmente fatal, já nas primeiras semanas de vida.

De modo geral, as alterações mais frequentes de HAC-21OHD são a masculinização dos genitais externos femininos, a falta de cortisol, puberdade precoce de origem periférica e perda renal de sal.

Tratar a HAC com perda de sais é mais difícil do que a forma clássica da doença, pois envolve o uso de dois medicamentos mais a reposição de sal. Infelizmente, alguns pacientes podem ter dificuldade de acesso aos melhores medicamentos, e a falta deles resulta na chamada crise de perda de sal, que é grave e se manifesta por insuficiência adrenal, com náuseas, vômitos, desidratação, podendo chegar ao óbito”, pontua o endocrinologista.

teste do pezinho, realizado entre o terceiro e, no máximo, quinto dia após o nascimento da criança, diagnostica precocemente a doença, que afeta tanto a produção de cortisol quanto a aldosterona (hormônios essenciais à vida). Se o diagnóstico for tardio, ou seja, uma vez que não seja feito o teste do pezinho ou se o resultado demorar mais de duas semanas para ficar pronto, a criança pode não sobreviver. Por isso esse teste é tão importante.

De acordo com o Ministério da Saúde, a incidência da HAC na sua forma clássica é descrita na literatura como sendo aproximadamente de 1 a cada 10 ou 20 mil nascimentos, variando conforme a etnia e regiões geográficas. Nas formas graves, perdedoras de sal, o diagnóstico precoce é fundamental. A incidência das formas tardias não está bem estabelecida. No Brasil, a incidência da forma perdedora de sal parece oscilar de 1: 7.500 a 1: 10.000 nascidos vivos.

Sintomas, diagnóstico e tratamento

Os sintomas clínicos de insuficiência adrenal em um recém-nascido podem ser inespecíficos e incluir letargia, vômitos e perda de peso. Os achados laboratoriais incluem hipercalemia, hiponatremia e acidose metabólica. Se os pacientes afetados não forem tratados, eles podem desenvolver sintomas graves, como desidratação, hipotensão, fraqueza, hipoglicemia, estado mental alterado e arritmias secundárias à hipercalemia.

O diagnóstico pré-natal já está disponível para gestações com risco de HSC devido à deficiência de 21β-hidroxilase. O diagnóstico pode ser feito com biópsia de vilo corial ou amniocentese. A administração materna pré-natal de dexametasona tem uma alta taxa de sucesso na prevenção ou minimização da virilização. No entanto, essa prática é controversa porque alguns estudos mostraram que fetos expostos à dexametasona pré-natal podem ter efeitos neurocognitivos adversos, enquanto outros estudos não.

O tratamento da forma virilizante simples da deficiência de 21β-hidroxilase requer reposição de cortisol, mas não requer doses de esteróides de estresse. O tratamento da forma perdedora de sal requer glicocorticóide de manutenção, bem como doses de cortisol sob estresse. Alguns bebês podem precisar de reposição mineralocorticoide e suplementação de sal. Esses requisitos não mudam com o estresse ou o aumento do tamanho corporal.

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