Enquanto um médico exerce o que pode ser a parte mais difícil de sua profissão, notificar familiares de sua perda, um fio de esperança é tecido para outra família. Quando existe a possibilidade e permissão dos familiares, a equipe atua rapidamente para que órgãos e tecidos de um paciente possam virar o marco de uma nova vida para outro. É em busca de maior conscientização e aceitação dos familiares que o Brasil comemora, em 27 de setembro, o Dia Nacional de Incentivo à Doação de Órgãos.

Entre a retirada e o transplante de um órgão existem uma série de etapas. Para que isso seja possível, é necessário que o órgão corresponda a uma série de exigências até chegar ao novo corpo. Essas etapas vão desde as mais simples, como a verificação do tipo sanguíneo, até uma série de análises realizadas pelo médico patologista. Este profissional é o responsável por verificar se o órgão está em pleno funcionamento para desenvolver sua função em um novo organismo.

“Para que um órgão seja aceito em um corpo diferente, precisamos levar em conta não só a classificação sanguínea, mas o tamanho e a capacidade de desenvolver suas funções, pois em casos de mortes por infecção, por exemplo, o transplante pode ser descartado”, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), Clóvis Klock.

A equipe médica, além desses especialistas, também é responsável por encontrar um destino com critérios de proximidade, considerando o tempo útil do órgão fora do corpo, gravidade do paciente e o tempo na lista de espera.

“Quando há um alerta de possibilidade de doação, tudo tem que acontecer com muita rapidez, partindo da conversa com os familiares, passando pela busca por um paciente compatível. Todo o processo deve acontecer respeitando o tempo limite de sobrevida de um órgão, que pode variar. Um coração pode ficar parado por até 4 horas, já um fígado resiste até 12 horas fora de um corpo e um rim aguenta 36 horas sem circulação sanguínea”, comenta o Dr. Klock.

O transplante além da sala de cirurgia

O processo de transplantar um órgão vai muito além de garantir que ele chegue em boas condições e que seja realizada com sucesso a cirurgia. Para que se possa afirmar com certeza que tudo deu certo, é preciso um processo de meses de acompanhamento. Isso porque é necessária uma atuação constante da equipe médica para garantir que o organismo se acostume e comece a funcionar adequadamente e sem risco de rejeições.

“Não é porque um coração começou a bater em um novo peito que o serviço está completo, o paciente ainda passará por muitos exames, biópsias e medicamentos para evitar a rejeição. O que nós médicos patologistas fazemos é avaliar a qualidade do funcionamento do novo órgão e o quanto ele está adaptado ao corpo e vice-versa”, finaliza o presidente da SBP.

Apesar de o Ministério da Saúde comemorar a conquista de mais doadores efetivos que o planejado para este ano (veja aqui), a SBP alerta que ainda é preciso elevar os números.
“Embora o processo para a doação no Brasil tenha apresentado evoluções importantes como sua desburocratização, o último levantamento da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), via Registro Brasileiro de Transplante (RBT), aponta que a quantidade de procedimentos no Brasil apresentou números bem próximos no primeiro semestre de 2018 quando comparado ao mesmo período de 2017, um crescimento de apenas 1,7%”, informa a SBP.
De acordo com a entidade, na comparação com anos anteriores (2017/2016) o aumento foi de 3,5%, números que já eram insuficientes para reduzir a fila de pacientes na espera. Mais de 15 mil pessoas passaram a aguardar por algum tipo de transplante no primeiro semestre desse ano, o que culminou em uma lista de espera com 32 mil pessoas ao final de junho deste ano.

Riscos para o doador

Igor Vieira, médico cirurgião geral com especialidade no aparelho digestivo da Aliança Instituto de Oncologia, explica que há dois tipos de doador: o vivo, que pode doar pulmão, rim, parte do fígado e medula óssea; e o cadáver, que doa as duas córneas, os dois pulmões, o coração o fígado, os dois rins, o pâncreas, o intestino e a até a pele. De acordo com ele, em média 35 mil pessoas estão na lista de espera para transplante, por falha de algum desses órgãos.

O médico aponta que é de extrema importância comunicar os familiares, sobre o desejo de doar órgãos, ainda em vida. “Não precisa assinar papel nenhum, nem colocar na identidade. Mas a família tem que saber, pois ela é que toma a decisão de doar os órgãos quando o paciente tem morte cerebral”, comenta.

Vieira aponta que a taxa de rejeição de doação no Brasil é de cerca de 40% dos pacientes com morte cerebral. A nível mundial, esse índice cai para 25%. Segundo o médico o maior problema é a falta de informação sobre a morte cerebral.

Ele relata que muitas famílias não acreditam que o paciente faleceu, pois os órgãos continuam funcionando, mas não há nenhuma atividade cerebral. A falta de informação também é um grande obstáculo para a doação de órgãos.

“Os familiares têm medo de não poder enterrar o ente querido ou ainda de não poder fazer funeral com caixão aberto. Além de não concordarem com o diagnóstico de morte cerebral, que ocorre quando não há mais nenhum tipo de atividade cerebral, mas os outros órgãos funcionam normalmente por um tempo”, destaca.

Em casos de doação em vida, o especialista garante que as complicações são raras, pois muitos exames são pedidos. “Quem faz esse tipo de transplante seleciona os doadores com muita cautela”, assegura Vieira.

Dados dos Transplantes

Coração
189 transplantes;
1,8 por milhão de pessoas.

Fígado
1087 transplantes;
85 doadores vivos;
10,5 por milhão de pessoas.

Pâncreas
15 transplantes;
0,2 por milhão de pessoas.

Pâncreas/rim
43 transplantes;
0,4 por milhão de pessoas.

Pulmão
65 transplantes;
0 doador vivo;
0,6 por milhão de pessoas.

Rim
2.858 transplantes;
472 doadores vivos;
27,5 por milhão de pessoas.

Córnea
7.369 transplantes;
71,3 por milhão de pessoas

Fonte: SBP, com Redação

Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!
Shares:

Related Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *