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Do luto à luta: vítimas da Covid-19 se unem para responsabilizar culpados

O advogado Gustavo Bernardes ainda se recupera após 40 dias hospitalizado em 2020, sendo 10 deles intubado, e enfrenta sequelas da Covid. Já a assistente social Paola Falceta perdeu a mãe, Italira Falceta da Silva, de 81 anos, contaminada pelo vírus em um hospital de Porto Alegre, após uma cirurgia vascular. Ela também enfrentou em casa o período de isolamento após apresentar sintomas e testar positivo.

Os amigos gaúchos decidiram se unir em um grupo no WhatsApp, com cerca de 100 pessoas que compartilham a dor da perda de um ente querido para a Covid, com a proposta de debater formas de buscar compensação ou oferecer um apoio coletivo. O grupo decidiu lançar a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico), para prestar assessoria psicológica, social, previdenciária e jurídica às mais de 22 mil famílias que perderam entes queridos e aos cerca de 890 mil infectados pelo coronavírus no Rio Grande do Sul.

“Os médicos me informaram que não havia estrutura para atender minha mãe, que foi submetida quase a uma eutanásia. Só estavam dando morfina para ela no final”, conta Paola ao El País. “Transformei meu luto em força para impedir que outras pessoas passem por isso”, diz.

Instituída oficialmente no dia 8 de abril, em assembleia virtual, a entidade em uma semana de trabalho sem muita divulgação já foi contatada por mais de 70 pessoas. Agora se estrutura para iniciar uma mobilização de cunho nacional, em busca da proteção dos direitos de doentes e familiares de vítimas fatais e sobreviventes da doença.

Entidade propõe apoio psicológico e garantia de direitos

Entre as ideias da dupla, que já conta com outros voluntários atuantes no projeto, está o ajuizamento de ações coletivas para garantir os direitos à atendimento de saúde, psicológico, acesso à emprego e à alimentação das vítimas da Covid, que não recebem nenhum tipo de apoio. A promoção de debates com especialistas e informações sobre sequelas físicas, psicológicas e cognitivas da doença também estão nas metas do coletivo, que defende ainda apoio às vítimas em luto, ao SUS e à vacinação maciça.

Paola reclama da falta de ações nesse sentido por parte de governos e entidades como o Ministério Público Federal e Estadual e outros órgãos fiscalizatórios, a sociedade deve se unir aos movimentos já atuantes, capazes de fazerem um elo com Estado e demais agentes públicos. “Estamos recebendo muitos contatos, mas precisamos ampliar esse alcance e fomentar políticas públicas voltadas aos sobreviventes da Covid e aos familiares de vítimas que não resistiram”, aponta ela, ao Jornal do Comercio.

Presidente da Avico, Bernardes reforça a importância do engajamento da sociedade civil ao projeto. “A Avico vem justamente cobrir um espaço que foi deixado vazio, que é o da sociedade civil, no debate da pandemia. Temos empresários falando, a ciência, autoridades, mas não temos as vítimas da Covid falando, e queremos ocupar esse espaço e ter voz. Enquanto sociedade somos os mais afetados pela Covid, uma doença traiçoeira e que atinge várias dimensões da nossa vida”, afirma ao jornal.

Iniciativa inspirada na Lombardia quer mostrar o lado das vítimas

A ideia de criar a associação surgiu a partir do compartilhamento de experiências pessoais distintas no enfrentamento da pandemia, mas é inspirada também em uma iniciativa semelhante surgida na Lombardia, na Itália, que chegou a ser epicentro da doença na Europa, logo no começo da pandemia. Segundo Paola, no Brasil há apenas uma organização semelhante, fundada no ano passado, na cidade de Dourados (MS).

Eu já vinha de um processo de inconformidade com tudo o que temos passado com a pandemia, mas, uma semana após a perda da minha mãe, tive a ideia de organizar algum tipo de movimento e ver como poderia, como cidadã, ajudar outras vítimas. Em uma conversa com o Gustavo, que é meu amigo de longa data e ativista social, decidimos criar a Associação”, conta Paola, vice-presidente da Avico.

O presidente da entidade completa ainda que o trabalho pretende mostrar o outro lado da doença, que é o das vítimas, e auxiliá-las no enfrentamento da pandemia. “Precisamos nos organizar como sociedade civil para falar a nossa versão dos fatos. Então, a Avico vem para ajudar essas pessoas que estão sofrendo tanto, perdendo parentes e empregos, e colaborar para o enfrentamento comunitário da pandemia”, completa Bernardes.

Não temos como excluir a dor das pessoas, mas podemos mobilizar politicamente a sociedade e dar voz às vítimas. Minha mãe ficou um ano isolada em casa e se contaminou no momento em que precisou de um atendimento hospitalar. Se não fosse a Covid, ainda estaria conosco”, desabafa a assistente social.

Para entrar em contato com a Avico acesse a página da entidade no Facebook (@AVICOBRASIL) ou envie email para avicobrasil@gmail.com.

Fonte: Jornal do Comércio e El País, com Redação

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