A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania(CCJC) da Câmara dos Deputados colocou na pauta desta terça-feira (19), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 164/12), que que pode acabar com as possibilidades de aborto legal no Brasil. Conhecida como PEC do Estuprador, ela propõe alterar o Artigo 5º da Constituição Federal para inserir a expressão “desde a concepção” na inviolabilidade do direito à vida – ou seja, garantir proteção absoluta ao embrião e ao feto, como se fossem nascidos vivos.

Na prática, ao definir que o direito à vida deve ser garantido também aos fetos, sem exceção, a PEC proíbe o aborto nas três situações atualmente autorizadas pela legislação brasileira: em caso de risco de morte da gestante; quando a gravidez é resultado de um estupro e quando for constatada, por meio de laudo médico, a anencefalia fetal, ou seja, a má-formação do cérebro do feto.

Se aprovada pelo Congresso Nacional, a proposta vai proibir que vítimas de estupro possam abortar e também vai forçar pessoas cuja gravidez representa um risco à sua vida a seguirem com a gestação e parirem, mesmo que isso as leve à morte.  E vai além: pode levar à proibição da fertilização in vitro, já que esse processo leva à perda e ao descarte de embriões já fecundados (“concebidos”) e das pesquisas com células tronco, que usam células embrionárias para tentar curar doenças graves.

 

Ameaça também a pesquisas em células embrionárias para fins terapêuticos

De acordo com dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões, no ano de 2023, foram realizados 56.821 ciclos de fertilização in vitro no Brasil e 115.745 embriões foram congelados. Ao conferir ao óvulo fecundado ou ao embrião o direito absoluto à vida desde a concepção, como pretende a PEC 164/2012, abre-se a possibilidade de proibição futura de técnicas de reprodução assistida e pesquisas em células embrionárias para fins terapêuticos.

Em casos de fertilização in vitro, por exemplo, a técnica utilizada passa pela fertilização fora do corpo e, em seguida, pela implantação no útero. Nesse momento, pode haver perda de embriões, o que incidiria em uma violação à Constituição caso a PEC seja aprovada. Nesse sentido, milhares de famílias que dependem de reprodução assistida para ter filhos teriam seu sonho impedido”, afirma Letícia Vela, advogada do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.

Segundo ela, o mesmo valeria para a utilização de células-tronco embrionárias humanas em pesquisas e terapias, que têm como objetivo, enfrentar e curar patologias que limitam e degradam a vida de grande número de pessoas, como atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, esclerose múltipla, neuropatias e outras doenças do neurônio motor. “Impedir a continuidade de realização de pesquisa em células embrionárias proíbe todo e qualquer avanço da ciência e possibilidade de cura de graves doenças”, complementa.

Protesto da campanha Criança Não é Mãe durante o G20

A ofensiva da extrema-direita no Congresso Nacional acontece poucos meses depois de uma mobilização histórica contra o PL 1904/24, conhecido também como o PL do Estupro, e gerou uma nova reação das organizações da campanha Criança Não é Mãe, criada na ocasião. No último final de semana, elas realizaram uma mobilização com projeções durante os shows do G20 Social, no Rio de Janeiro.

Nesta segunda-feira (18), primeiro dia do G20, um vídeo da campanha foi veiculado em painéis de led na Zona Sul da cidade, em áreas próximas ao encontro. Além disso, o envio de emails a parlamentares da CCJC é realizado pelo site da campanha, mobilizando o apoio da sociedade contra a PEC do Estupradorhttps://criancanaoemae.org.br.

Só uma grande mobilização pode fazer valer os direitos de todas as meninas, mulheres e pessoas que gestam. Precisamos ser muitas e muitos, mais uma vez, lotando a caixa de e-mails dos deputados e deputadas para barrar o PL do Estuprador. Sua pressão é fundamental! Assine o formulário ao lado e envie seu recado: Criança não é mãe!”, afirmam no texto que acompanha a petição.

20 mil crianças se tornam mães e mais de 70% delas são negras

Dados de 2023 revelaram que houve uma média de um estupro a cada seis minutos no país, sendo que as vítimas são majoritariamente mulheres e meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%), estupradas por familiares ou conhecidos (84,7%), dentro de suas próprias residências (61,7%) – a violência é, portanto, majoritariamente intrafamiliar e praticada contra crianças.

Se aprovada, a ordem constitucional deixaria de admitir que, nos casos de gestação decorrente de estupro – praticado majoritariamente contra crianças – o aborto pudesse ser legalmente realizado, obrigando essas pessoas a gestarem e parirem nessas condições”, completa Laura Molinari, da campanha Nem Presa Nem Morta e que também constrói a campanha Criança Não É Mãe.

Eliza Capai, diretora do filme Incompatível com a Vida, observa que a falta de educação sexual e outras circunstâncias, como a violência sexual, levam a gravidezes não desejadas, cujos pais não tem condições – sejam econômicas, mentais ou emocionais – de criar seus filhos.

É muito triste encarar a verdade, mas meninas e mulheres são estupradas, engravidam e precisam de acolhimento. Gestações podem gerar problemas de saúde e colocar a vida materna em risco: como obrigar uma criança a já nascer órfã? Gravidezes desejadas podem gestar fetos que não sobreviverão, e obrigar a continuidade da gestação pode causar sérios danos à saúde mental e física da gestante. Seria muito melhor se estas situações não existissem, mas ignorar esta realidade em função de dogmas descolados da vida real gera apenas uma sociedade muito mais violenta e triste”, comenta.

Confira a nota técnica contrária à PEC: https://criancanaoemae.org.br/ 

Abaixo-assinado mobiliza apoios contra PEC que proíbe o aborto legal

O tema voltou ao debate na semana passada, quando a presidente da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), pautou a votação da PEC para o último dia 12 de novembro, o que gerou a mobilização de diversos movimentos sociais contrários à proposta, que criaram na Change.org o abaixo assinado “Proteja os Direitos das Mulheres, crianças e ciência”.

No texto da petição, elas afirmam que a PEC 164/12 é uma ameaça aos direitos fundamentais e à liberdade individual das pessoas que gestam. “Além de restringir o acesso ao aborto, também compromete pesquisas com células-tronco e fertilizações in vitro”, completam.

Confira o abaixo-assinado: https://www.change.org/DireitosReprodutivos

Agenda Positiva

Congresso Internacional da Saúde das Mulheres e as Mulheres da Saúde

O direito ao aborto legal e ao acolhimento à gestação indesejada na rede de Atenção Primária à Saúde será um dos temas centrais do II Congresso Internacional da Saúde das Mulheres e as Mulheres da Saúde, que acontecerá de 22 a 24 de novembro no Brasil, antecedendo o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (25/11).

Organizado pela  Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e pela Confederación Iberoamericana de Medicina Familiar (CIMF), integrante da Organização Mundial de Médicos de Família (Wonca), o encontro acontecerá na Escola Superior de Ciências da Saúde, em Brasília, tendo o mote “Justiça Reprodutiva e Atenção Primária à Saúde: uma chamada para a ação”. 

O evento também abordará o enfrentamento às violências contra as mulheres; o conceito e a aplicação da Justiça Reprodutiva e as disparidades de gênero no campo da saúde e na sociedade.  Além da troca de experiências e conhecimentos entre participantes de distintos países e do encaminhamento de sugestões para avanços que possibilitem assistência digna globalmente, contará com ampla grade científica.

Saúde da mulher negra em pauta

Por sua relevância político-social e referendado pela participação de professoras, professores e delegações de toda a América Latina, o Congresso é um dos principais fóruns de discussões sobre as carências na assistência em saúde da mulher e as condições de médicas e demais profissionais do setor deste ano. A ideia é ampliar a discussão de pautas prioritárias para a prática da Medicina de Família e Comunidade.

Por isso, serão delineadas ainda ações interseccionais em parceria com outros Grupos de Trabalho da SBMFC, como o de “Saúde da População Negra”, o de “Sexualidade, Gênero, Diversidade e Direitos”, o de “Saúde Indígena” e o de “Saúde Planetária”, colocando em evidência a importância de se discutir racismo e interseccionalidades, além de temas contemporâneos, como a sobrecarga feminina durante a pandemia de Covid.

Conforme Raquel Lara Melo Coutinho, co-coordenadora do GT de Mulheres da SBMFC, haverá debates quanto aos espaços de decisão na medicina e na especialidade, principalmente em face da crescente feminização da área sem contrapartida em representatividade; equidade de gênero em todos os possíveis campos de atuação profissional: academia, gestão, ensino, pesquisa e na vida associativa; entre outros.

Mais informações em www.doity.com.br/ii-congresso-internacional-a-saude-das-mulheres-e-as-mulheres-do-setor-saude

Com Assessorias

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