Uma grande onda de demissões em massa tomou o mercado de trabalho de assalto neste primeiro semestre do ano. Líder do setor de comunicação e entretenimento, a Rede Globo patrocinou um gigantesco ‘passaralho’ – demissão em massa, no jargão jornalístico – que atingiu especialmente os profissionais de imprensa. Teve repórter sendo comunicado da dispensa quando estava na rua fazendo matéria! No mínimo, uma total de respeito a um colaborador que dedicou anos de sua vida à emissora.

A situação no Brasil acompanha um movimento mundial que afeta gigantes do mercado. A Alphabet, dona do Google, foi mais uma grande player de tecnologia a anunciar demissões em massa, com o corte de 12 mil funcionários. Microsoft, Amazon e Twitter, entre outras, já haviam feito o mesmo. Estima-se que quase 60 mil pessoas já foram afetadas por esses desligamentos no mundo todo.

Além do impacto na economia e no mercado de trabalho, cada vez mais automatizado, os recentes cortes de funcionários em grandes empresas têm evidenciado um processo de demissão que, em muitos casos, é permeado por tecnologias. E pouco se importa com a situação dos colaboradores que estão sendo desligados.

Trabalhadores têm relatado uma falta de cuidado das companhias no anúncio das demissões, com muitos deles sabendo delas por e-mail, mensagens de whatsapp, por meio de conversas informais com outros funcionários da companhia ou, até mesmo, pelos noticiários. Há muitos relatos de empregadores que retiram o acesso do profissional aos sistemas da empresa sem qualquer aviso prévio!

Demissão humanizada x luto demissional

O processo de desligamento já é, por si só, um momento nada fácil, pois envolve a segurança financeira e o plano de carreira dos profissionais que serão desligados. Além disso, a empresa pode ser impactada negativamente por essa situação, seja pela má reputação que terá com ex-funcionários que foram demitidos ou pela queda de engajamento dos colaboradores que permanecem na empresa.

Neste contexto, especialistas em Recursos Humanos destacam a importância da chamada “demissão humanizada”. Esse tópico surge diante de casos em que empresas demitem seus colaboradores de forma insensível, por qualquer que seja o meio.

A psicanalista Andrea Ladislau – que assina mensalmente uma coluna em nossa seção ‘Palavra de Especialista’ – avalia que “a demissão está psicologicamente associada aos dois maiores medos que o ser humano tem na vida: o medo do fracasso e o medo da rejeição, por isso é um processo delicado e os impactos podem ser maiores do que se imagina”.

Ela alerta para o que chama de ‘luto demissional’. “O sofrimento mental pode aumentar fazendo com que a estabilidade psíquica do sujeito seja afetada, podendo vir a sofrer de depressão, ansiedade, pânico, entre outros transtornos”. (Confira no artigo abaixo).

Empresas devem adotar práticas de demissão mais respeitosas e humanizadas

Quem já sofreu uma demissão sabe que o processo é inerentemente penoso. A ideia de se ver sem uma fonte de renda e a sensação de insuficiência podem ter uma influência negativa muito forte no psicológico do colaborador.

Diante disso, o mercado tem discutido formas de reduzir o potencial traumático dos desligamentos, garantindo ainda que as empresas mantenham sua reputação como marca empregadora.

Para o escritor Uranio Bonoldi, especialista em carreira, negócios e tomada de decisão, quando as empresas tratam os colaboradores como algo descartável, a discussão sobre demissão humanizada se faz necessária.

“Mesmo os casos de desligamentos em massa precisam de atenção e tato no processo. Quanto mais alinhada à verdade forem os motivos alegados das demissões, quanto mais direta e clara for a comunicação, melhor”, pontua.

Para a gestora de carreira, consultora executiva de líderes e equipes Madalena Feliciano (foto) é fundamental que as empresas adotem práticas de demissão mais humanizadas e respeitosas. Ainda que seja necessário tomar essa decisão, é possível promover um processo de desligamento que leve em conta o bem-estar dos colaboradores envolvidos.

Ela explica que a demissão humanizada não é uma estratégia nova. Consiste em ações para tornar a demissão um momento menos traumático e mais digno para o profissional. Entre as estratégias está a ajuda com a recolocação no mercado, o que pode ser feito por meio de parcerias com empresas de recrutamento e seleção, por exemplo.

Comunicação: a chave para desligamentos menos traumáticos

Por mais difícil que seja, é importante que o processo de demissão seja franco e transparente, de acordo com o perfil do trabalhador e da empresa

Para o escritor Uranio Bonoldi, é fundamental que os desligamentos ocorram por meio de uma comunicação clara e transparente, considerando que a pessoa demitida terá que encarar desafios para se recolocar no mercado. Segundo ele, a chamada demissão humanizada só será possível enquanto houver uma comunicação clara e respeitosa da empresa com os profissionais.

“Acredito que a transparência é fundamental quando há demissões. Os líderes devem reportar aos seus colaboradores, de forma franca e honesta, o que está levando àquele desligamento, sem nunca perder a sensibilidade”, diz o especialista.

Autor de “Decisões de alto impacto: como decidir com mais consciência e segurança na carreira e nos negócios”, Bonoldi defende que gestores não podem se eximir da responsabilidade de se comunicar com os colaboradores.

“Marque uma reunião, mesmo que seja online. Converse abertamente, avaliando tanto o desempenho do trabalhador quanto da empresa. Comunique o desligamento sabendo que do outro lado há uma pessoa que precisará arcar com as consequências da demissão”, opina.

Madalena Feliciano avalia que a comunicação dever ser transparente por parte da empresa. É fundamental que os motivos da demissão sejam explicados de forma clara e objetiva, evitando-se qualquer tipo de constrangimento ou humilhação para o profissional.

“Uma prática importante é a promoção de uma comunicação empática e sensível durante o processo de demissão. É preciso que os colaboradores que estão sendo desligados se sintam ouvidos e respeitados em suas emoções e sentimentos, de forma a minimizar o impacto emocional dessa situação”.

Pacote de benefícios, reuniões de despedida e outras ações

Além da comunicação mais assertiva e sensível, a demissão humanizada também pode incluir a oferta de um pacote de benefícios e incentivos para auxiliar o profissional durante o período de transição, como o pagamento de salários e benefícios por um período determinado, a concessão de auxílio para capacitação profissional e a disponibilização de serviços de coaching e mentoria.

Madalena cita ainda que a demissão humanizada também pode incluir a realização de reuniões de despedida, em que o profissional pode expressar seus sentimentos e opiniões em relação à empresa e ao seu trabalho. Essa é uma oportunidade para a empresa receber feedbacks e melhorar seus processos internos.

“É importante destacar que a demissão humanizada não é apenas uma questão ética e moral, mas também pode trazer benefícios para a empresa. Profissionais que se sentem respeitados e valorizados tendem a manter um bom relacionamento com a empresa, mesmo após sua saída, o que pode ser positivo em termos de imagem e reputação”, finaliza Madalena Feliciano.

Sem exageros: empresas chegam a oferecer presentes na demissão

Algumas empresas, na tentativa de humanizar os desligamentos, podem oferecer alguns benefícios para o colaborador, de forma a compensar pela perda do emprego e até auxiliar na recolocação no mercado de trabalho. Outras chegam até mesmo a oferecer cestas com presentes, numa tentativa de tornar a demissão mais calorosa.

“Há casos e casos, cada empresa tem um perfil e para algumas isso pode funcionar. Depende também do colaborador. Alguns podem considerar ofensiva uma cesta na demissão; outros, não. De qualquer forma, o importante é que a empresa conheça o trabalhador, entenda como pode atendê-lo nesse momento delicado, e dentro de suas possibilidades oferecer aquilo que for mais viável”, analisa Bonoldi.

Segundo o escritor, é preciso considerar que, salvo exceções, o desligamento tende mesmo a ser uma etapa triste na vida do profissional, e a demissão humanizada só consegue atenuar os aspectos negativos.

“Afinal, as relações de trabalho são consideravelmente intensas, as pessoas dedicam muitas horas de seu dia para as empresas, e dependem dos empregos para viver de forma digna. É compreensível, portanto, que uma demissão gere insegurança, medo e até certo ressentimento. O que as instituições podem fazer é cumprir com seu papel e tratar os colaboradores sempre com respeito e dignidade, tornando os desligamentos mais justos”, finaliza.

Palavra de Especialista

Demissões em massa despertam reflexões sobre o luto demissional

Por Andrea Ladislau*

Andrea Ladislau, doutora em Psicanálise Contemporânea (Foto: Pedro Costa)

Nos últimos tempos, estamos sendo surpreendidos, quase todos os dias, por muitas demissões em massa, em diversas empresas. Até a Rede Globo, maior emissora de televisão do país, vem realizando diversos desligamentos de profissionais, artistas e jornalistas veteranos, com décadas de casa. Muitos, inclusive, pegos de surpresa com o desligamento inusitado.

Uma situação que, levanta reflexões sobre o futuro e sobre os efeitos do chamado luto demissional. Afinal, independente, das causas relacionadas ao aspecto econômico financeiro na gestão destas empresas, existe o lado emocional de quem precisa encarar a dura realidade do afastamento abrupto. Uma coisa é certa: ser demitido não é fácil, mesmo quando você quer que isso aconteça.

Os motivos podem ser inúmeros: diminuição de custos, falta de desenvolvimento profissional, entre outros. Algumas pessoas se revoltam, buscam culpados e vilões para seu desligamento. Já outras omitem a frustração e dizem que era isso mesmo que queriam que acontecesse.

Porém, a demissão está psicologicamente associada aos dois maiores medos que o ser humano tem na vida: o medo do fracasso e o medo da rejeição, por isso é um processo delicado e os impactos podem ser maiores do que se imagina.

O sofrimento mental pode aumentar fazendo com que a estabilidade psíquica do sujeito seja afetada, podendo vir a sofrer de depressão, ansiedade, pânico, entre outros transtornos. Visto que, ser demitido, em muitos casos, leva o “desligado” para um processo de “cancelamento” que passa por fases similares ao do luto: isolamento, negação, pensamento distante, certa irritação e, por fim, a esperança do recomeço. 

No luto demissional, em certo sentido, num estalar de dedos, o desligado “perde” pessoas queridas do seu convívio diário. Simplesmente fica orfão de centenas de pessoas, de uma só vez. 

Apesar de sabermos que, todos nós ficaremos frustrados em algum momento da vida e que, nem sempre as coisas acontecem conforme gostaríamos, o que impacta emocionalmente, não são os eventos em si, mas a maneira como interpretamos e respondemos a estes eventos. .

Muitos são os efeitos emocionais de ser surpreendido pelo desemprego: raiva e revolta; tristeza e desamparo; frustração; sentimento de culpa, insegurança e medo; sensação de injustiça; negação; vergonha; sensação de estar perdido e confuso; sensação de cancelamento; elevação da ansiedade; medo do futuro; entre outros.

O ideal nestes momentos é, desacelerar a mente, colocar as ideias no lugar para enxergar a situação com clareza e racionalidade. Além disso, é preciso externar o sentimento de alguma forma, sem deixar que eles dominem ou sequestrem a razão.

Sem dúvida, o momento é desafiador, porém, se faz necessário não se deixar levar por questionamentos internos que minem a autoestima. Por mais difícil que seja lidar com esse mix de emoções, é importante manter o autocontrole e reconhecer seu próprio valor.

Enfim, seja qual for o motivo da demissão, ou de que forma ela se deu, é necessário trabalhar o controle das emoções, pois o fato de ficar “remoendo” internamente o ocorrido, pode ser tão ruim (ou até pior) do que expressar.

Lamentar não vai resolver ou apagar o fato em si. Além disso, para lidar com a ansiedade sem fim que, poderá aumentar após o episódio do desligamento, é importante se ocupar com atividades físicas, movimentar o corpo e a mente para liberar hormônios da “felicidade” que ajudarão a ativar uma sensação de tranquilidade com menos ânsia e desespero no decorrer dos dias.

Ou seja, mais importante que focar nos vilões, é compreender o que se está sentindo. Isso ajudará a lidar melhor com a situação e a passar de forma equilibrada pelo desafio do luto demissional.

*Andrea Ladislau é pós-graduada em Psicanálise e doutora em Psicanálise Contemporânea, com especialização em Psicopedagogia. Colabora para a seção ‘Palavra de Especialista’ do Portal ViDA & Ação.

Palavra de Especialista 2

A ‘tempestade perfeita’ para demissões em massa

Por João Victorino* 

Nos últimos meses tem se intensificado a divulgação sobre demissões em massa, principalmente de setores da chamada nova economia, a economia digital (startups e fintechs). Esse fenômeno é digno de atenção. Milhares de postos de trabalho estão sendo eliminados em vários países, e aqui não é diferente. Empresas cortando dez, vinte, trinta e até cinquenta por cento da força de trabalho.

Inclusive muitos desses processos são realizados de maneira pouco respeitosa: demissões por chamadas de vídeo e em grupo se multiplicam. “Se você está nessa reunião, é porque seu contrato de trabalho com nossa empresa está sendo encerrado”.  Caramba, é assim mesmo? 

Na hora da contratação, presentinhos e carinhos devidamente registrados nas redes sociais,  as companhias gostam dessa propaganda disfarçada. Na hora da saída, uma chamada de vídeo!

As equipes merecem mais atenção e respeito. Uma conversa de 15 ou 20 minutos, olho no olho com a pessoa responsável imediata é o mínimo que se espera de uma relação saudável entre empregador e empresa.

Esse é um ponto. A outra questão são os motivos desses grandes cortes. Temos dois principais: o sumiço dos investidores nacionais e internacionais e as taxas de juros nas alturas após a pandemia parecem suficientes para explicar os cortes massivos de postos de trabalho. Mas não totalmente.

Existe muita incompetência nesses processos. Gestores despreparados e inconsequentes, muitas vezes, contratam times em excesso, sem pensar no que vão fazer caso algo não funcione bem. E, como sabemos, muita coisa não funciona.

As ressacas não perdoam, e elas sempre retornam. Não muito tempo atrás você lia sobre CEOs, CFOs e outros diretores estrelados numa postura orgulhosa em entrevistas falando da quantidade de novos contratados e o gigantismo de suas equipes, como se isso fosse prova de sucesso. Numa corrida meio maluca por ver quem contratava mais.

Prova de competência deveria ser não precisar demitir. Manter o time estável, com baixa rotatividade, sim, deveria ser uma métrica de saúde das empresas a ser buscada.

Tem ainda aquele pessoal que está em pleno lay-off e defende que a empresa está indo muito bem, com planos maravilhosos e que o sucesso é o único caminho a ser seguido. Vamos reduzir a conversa fiada. Lay-off nunca é bom. Porém se a empresa está em risco nas operações e precisar reduzir urgentemente despesas para manter e sobrevivência, seu uso pode ser justificado, para garantir a sobrevivência da companhia e dos empregos. 

Também é justificável quando a empresa compra outra companhia e tem sobreposição de áreas e departamentos. A redução no quadro de funcionários é natural. Os empregados já sabem que vai acontecer. O pessoal usa uma expressão para isso: criação de sinergias.

Agora, bater no peito e falar que está tudo ótimo, não dá, né?

*João Victorino é administrador de empresas e especialista em finanças pessoais. Formado em Administração de Empresas pela Universidade e com MBA pela instituição.

Com informações de Assessorias

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