Com a intensificação das temperaturas, trabalhadores podem sofrer danos bruscos à saúde. Problemas não apenas com o calor excessivo prejudicam o bem-estar das pessoas que exercem atividades remuneradas que ficam expostas a riscos como cardiovasculares, respiratórios, renais, além de problemas de ordem mental. A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) indica a urgência da preservação do clima com foco em amenizar o agravamento da saúde das pessoas.
De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os impactos no clima provocados pelo aquecimento global agravam a saúde de 70% dos trabalhadores de todo o mundo. Pelo menos 2,41 bilhões de trabalhadores são expostos anualmente ao calor excessivo no trabalho.
Aqui no Brasil, o cenário não poderia ser diferente. Vivemos em um país tropical, onde trabalhadores/as ficam expostos a altas temperaturas e a climas extremos e muito variáveis em um único dia. Ambulantes, agricultores, carteiros, coletores, pintores, atuantes na manutenção da rede elétrica, entregadores, operários da construção civil, entre muitas outras ocupações sentem na pele, literalmente, e no corpo, o impacto das transformações que as mudanças climáticas provocam no nosso dia a dia.
O racismo ambiental é outro tópico que precisa de atenção. Ele se manifesta de forma evidente nos trabalhadores mais expostos a calor extremo, que em sua maioria são homens e mulheres negras e tem um impacto econômico ainda maior nesta população que compõem a maior parte de sua renda em trabalhos informais e precarizados”, explica Brenda Costa, médica de família e comunidade, diretora de comunicação da SBMFC.
Além do risco de estresse térmico, pela alta exposição solar, na maioria das vezes sem proteção, os trabalhadores estão sujeitos a exaustão pelo calor, cãibras térmicas, brotoeja, doenças cardiovasculares, lesão renal aguda, doença renal crônica, lesões físicas, entre outros. Ainda, temos o aumento do número de doenças transmitidas por vetores como dengue, zika, chikungunya, malária e febre amarela, já que a incidência dessas doenças passa a ser maior devido ao aumento das temperaturas do ano todo.
A adoção de vestimenta apropriada e uso de produtos como repelente e filtro solar não são suficientes para a redução desses danos. A oferta, por parte das empresas, de ventilação adequada, estabelecimento de pausas regulares, treinamentos e disponibilizar EPIs e equipamentos de segurança pode amenizar esses riscos. A implementação de políticas públicas de proteção a esses trabalhadores com foco nas mudanças climáticas e preservação do planeta é outra demanda urgente.
Precisamos nos conscientizar sobre a necessidade de preservação do planeta em todas as esferas ou vamos sofrer ainda mais. A água, solo e ar já sofrem com os poluentes lançados diariamente em todo o mundo afetando a nossa saúde. A redução de emissão de gases na atmosfera, assim como a preservação dos lagos, rios e oceanos, são fundamentais para a nossa sobrevivência da atual e futuras gerações”, reforça Brenda que é mestre em Saúde Pública pela ENSP/ FIOCRUZ.
E esse é um papel da sociedade como um todo, incluindo das empresas, mesmo aquelas que não tem equipes atuando externamente. Algumas simples medidas já contribuem para a redução do impacto, como adoção de práticas sustentáveis, a partir da redução do uso do papel ou plástico, reduzindo assim a produção de lixo e caso, seja realmente necessário, implementar programas de reciclagem ou parcerias com organizações que reciclam, além de outros projetos sustentáveis.
Cybelle Pereira Rodrigues, diretora da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, destaca o conceito da saúde única (ou saúde planetária), revelando os impactos ambientais à saúde humana, e enfatiza o papel desses profissionais para contribuir na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Confira o artigo abaixo
Palavra de Especialista
COP30 e a saúde das pessoas: qual a relação para a nossa sobrevivência?
Por Cybelle Pereira Rodrigues*
A Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, que acontece em Belém/PA, traz ao centro do debate global um tema urgente e inadiável: a sobrevivência humana diante da crise climática. Embora muitas vezes discutida sob uma ótica econômica ou ambiental, a mudança do clima é, antes de tudo, uma questão de saúde pública
A relação entre o clima, o ambiente e a saúde das pessoas é profunda e inescapável, e precisa ser amplamente compreendida e considerada nas tomadas de decisão. É nesse cenário que os conceitos de saúde planetária e o papel estratégico da medicina de família e comunidade ganham destaque.
Eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, enchentes e incêndios florestais, não apenas colocam vidas em risco imediato, mas também agravam doenças respiratórias, cardiovasculares, infecciosas e de saúde mental. Além disso, a insegurança alimentar e hídrica gerada pela degradação ambiental compromete a nutrição e o bem-estar de populações inteiras
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as mudanças climáticas poderão causar 250 mil mortes adicionais por ano até 2030. O impacto é ainda maior entre os mais pobres, crianças, idosos e populações vulnerabilizadas, uma evidência de que o colapso ambiental aprofundará as desigualdades em saúde
Nesse contexto, surge o conceito de saúde planetária, que reconhece que a saúde humana depende da integridade dos sistemas naturais. Em outras palavras: não existe saúde humana sem um planeta saudável.
A saúde planetária nos convida a repensar nossos sistemas de produção, consumo e ocupação do território. O modelo atual de desenvolvimento, baseado na exploração ilimitada dos recursos naturais, é insustentável. Precisamos de políticas públicas integradas, que articulem saúde, meio ambiente, educação e justiça social exatamente o tipo de discussão que se espera da COP30
Em meio a esse panorama, a Medicina de Família e Comunidade (MFC) ocupa um papel central. Presente nos territórios, atuando diretamente com as comunidades, o médico de família e comunidade é um elo entre a saúde individual, coletiva e ambiental.
Por estarem em contato direto com a população, os profissionais da MFC podem atuar como agentes de transformação social, promovendo justiça climática e fortalecendo a capacidade adaptativa dos sistemas de saúde diante das mudanças globais.
A realização da COP30 em território amazônico é simbólica e estratégica. A Amazônia é não apenas um bioma, mas um sistema vital para o equilíbrio climático global, além de abrigar comunidades tradicionais e indígenas que há séculos praticam uma relação sustentável com a natureza. Ouvi-las e protegê-las é preservar também a saúde do planeta.
Para garantir um futuro habitável, é preciso cuidar da Terra como cuidamos uns dos outros. E talvez esse seja o maior aprendizado da crise climática: não há saúde individual possível num planeta doente.
*Médica de família e comunidade, diretora da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Mestre em Educação Médica pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Docente do internato em Medicina de Família e Comunidade pela Universidade Federal do Pará.
Sobre a Medicina de Família e Comunidade
A Medicina de Família e Comunidade é uma especialidade médica, assim como a cardiologia, neurologia e ginecologia. O médico/a de família e comunidade (MFC) é o especialista em cuidar das pessoas, da família e da comunidade no contexto da atenção primária à saúde. Ele acompanha as pessoas ao longo da vida, independentemente do gênero, idade ou possível doença, integrando ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde. Esse profissional atua próximo aos pacientes antes mesmo do surgimento de uma doença, realizando diagnósticos precoces e os poupando de intervenções excessivas ou desnecessárias.




