Desde o mês passado, o Brasil já acumula dez mortes confirmadas por ingestão de bebidas contaminadas com metanol, segundo o Ministério da Saúde. Além das sete em São Paulo, Pernambuco teve dois óbitos e o Paraná registrou um. Outros onze casos estão sob investigação nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Paraíba.
Os casos de intoxicação confirmados em todo o país chegam a 53. Vinte e oito mortes suspeitas foram descartadas. Há confirmação de casos de intoxicação no Paraná (6), Pernambuco (3), Rio Grande do Sul (1) e Mato Grosso (1). Outras 59 ocorrências estão sob análise em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Pernambuco, Piauí, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins.
O metanol é uma substância usada na indústria química e absolutamente imprópria para consumo humano, presente em bebidas alcoólicas adulteradas vendidas no mercado ilegal. Em um momento de alerta crescente sobre adulteração de bebidas, a comunidade neurológica brasileira reforça a urgência no diagnóstico e tratamento da intoxicação. Os danos causados pela substância no Sistema Nervoso Central (SNC) são severos e, na maioria das vezes, irreversíveis.
A principal toxicidade não é causada pelo metanol, mas pelo seu metabólito, o ácido fórmico”, explica Ana Carolina Andorinho de Freitas Ferreira, vice-coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Geral, da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
O ácido fórmico ataca o SNC ao inibir uma enzima essencial à respiração aeróbica das mitocôndrias. Essa falha energética resulta em menor produção de ATP, TP, molécula fonte de energia , fundamental para inúmeras funções celulares, especialmente para o SNC.
Diante da impossibilidade da respiração aeróbica, temos como consequência o prejuízo funcional das células e a (energia), à qual o SNC é especialmente frágil, e causa acidose metabólica, que gera a e elevação do lactato, elemento deletério para o SNC.
A intoxicação pelo mentanol pode se perpetuar viciosamente, já que o lactato elevado torna mais fácil a passagem do ácido fórmico para dentro do sistema nervoso, o que fomenta maior toxicidade agrava ainda mais a acidose metabólica.
As áreas mais vulneráveis suscetíveis a danos, como necrose ou hemorragia, são os núcleos da base, em especial o putâmen. A acidose metabólica grave torna essa área ainda mais vulnerável. A toxicidade do metanol também pode causar espasmos arteriais, levando a prejuízo da vascularização e a decorrentes focos de isquemia. O acometimento difuso do suporte energético pode ainda culminar em edema cerebral difuso.
Sintomas neurológicos e cegueira
O nervo óptico é particularmente sensível ao ataque do ácido fórmico por possuir um número menor de mitocôndrias e uma menor reserva energética, ao passo que as células ganglionares da retina demandam alto aporte energético contínuo. Assim, diante das condições anatômicas, a intoxicação por metanol pode predispõe à perda de visão.
Os sintomas neurológicos surgem com o acúmulo de metabólitos, após a fase inicial inespecífica (náuseas, cefaleia):
- Acometimento do SNC: Sonolência, confusão, convulsões e, em casos graves, coma.
- Visão: Turvação, prejuízo do campo visual e cegueira definitiva – sendo o prejuízo visual o achado mais particular e que deve levantar forte suspeita.
O tempo é absolutamente crítico. Quanto mais rápido a metabolização do metanol for abortada, menor será a geração de ácido fórmico, minimizando os danos cerebrais. A suspeita deve ser levantada ao considerar consumo de álcool nas últimas 12 a 24 horas.
Sobreviventes podem desenvolver déficits cognitivos e motores. Há risco de Parkinsonismo em função da necrose do putâmen. A literatura registra que 10% a 30% dos pacientes podem ter sequelas visuais persistentes.
Orientação para emergência
É fundamental que as medidas abortivas (introdução de antídotos) corram em paralelo às medidas de suporte – que incluem garantir adequada via respiratória, via respiratória, estabilidade hemodinâmica e correção de acidose metabólica.
A suspeita rápida é crucial, pois ela direciona as condutas para medidas específicas que contêm a metabolização do metanol. O neurologista desempenha um papel chave na reabilitação cognitiva e motora pós-aguda, introduzindo terapias como fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional para lidar com as sequelas e atenuar sintomas com farmacoterapia.
É fundamental que os profissionais de saúde insiram a hipótese de intoxicação por metanolentre os diagnósticos diferenciais de quadros clínicos agudos mas progressivos de sonolência / confusão mental que apresentem sinais de acidose (como hiperventilação com respiração superficial, náuseas, vômitos) e prejuízo visual. Ao conversar com acompanhantes, é necessário considerar o consumo de álcool nas últimas 12-24h, período que pode ser necessário para o acúmulo de metabólitos tóxicos”, recomenda a neurologista.
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A nova ameaça invisível no copo dos brasileiros: como lidar?
Os registros mais recentes estão concentrados em São Paulo, mas casos também surgiram em outros estados, mostrando que o problema não é local, e sim nacional. Operações policiais já apreenderam centenas de garrafas adulteradas e fecharam fábricas clandestinas, mas especialistas alertam que a dimensão do problema é maior: há suspeitas de importação ilegal de metanol para abastecer esse mercado paralelo, inclusive com envolvimento de organizações criminosas.
O médico de saúde integrativa Francisco Saracuza alerta que a gravidade do problema vai muito além de uma garrafa falsificada. “O metanol, quando ingerido, é metabolizado pelo organismo em compostos altamente tóxicos, como formaldeído e ácido fórmico, que podem destruir o nervo óptico, causar falência renal e provocar a morte em questão de horas”.
Em muitos pacientes, os primeiros sintomas – dor abdominal, náuseas, visão turva, confusão mental – aparecem apenas 12 a 24 horas após o consumo, o que dificulta o diagnóstico rápido e agrava as consequências. Não é raro que a cegueira irreversível seja a sequela de quem sobrevive.
A pergunta que se impõe é simples: por que tantas pessoas seguem expostas? A resposta está no cruzamento de fatores. A busca por bebidas mais baratas, principalmente em ambientes informais, se soma à fragilidade da fiscalização e à dificuldade de rastrear a origem de cada garrafa. Soma-se a isso a prática de falsificar rótulos de marcas conhecidas, que tornam o risco ainda mais invisível para o consumidor comum.
Se a ingestão de bebidas já exige cautela pelos efeitos metabólicos e hormonais, o risco cresce exponencialmente quando falamos de adulteração com metanol. Não se trata apenas de moderação, mas de segurança: desconfiar de rótulos falsificados, preços baixos demais e locais sem credibilidade pode ser a diferença entre um momento de lazer e uma intoxicação com consequências irreversíveis.”, conclui o Dr. Francisco Saracuza.
Com Assessorias