Negro, gay e bolsista. Pedro Henrique, de 14 anos. cometeu suicídio em agosto de 2024 após sofrer bullying no Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Bolsista de um programa de inclusão, o adolescente  relatou agressões verbais e físicas e não ter recebido quaisquer apoio da escola e do corpo docente. A investigação foi reclassificada de “suicídio consumado” para “induzimento ao suicídio”, conforme o artigo 122 do Código Penal, que trata da interferência de terceiros no ato.

No Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial (3 de julho) especialistas chamam atenção para uma estatística que impressiona e preocupa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são registrados 14 mil casos de suicídio por ano no Brasil – quase 40 por dia. Isso sem contar com a subnotificação, o que pode elevar o número. O problema tem cor: brasileiros negros do sexo masculino com idade entre 10 e 29 anos têm uma probabilidade 45% maior de cometer suicídio, segundo pesquisa do Ministério da Saúde.

A explicação está relacionada ao sofrimento psíquico provocado pelo racismo estrutural, como avalia Daniela Tafner, doutora em Enfermagem, especialista na questão racial e professora convidada no Instituto de Pesquisa Afro-Latino-Americana (Alari) da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Falamos da maior fatia da população: no Censo de 2022, quase 56% dos brasileiros se declaram pretos ou pardos. Segundo, o racismo estrutural é algo que você não vê, mas está em tudo. Desde não termos pessoas negras ocupando cargos de chefia nas empresas até o fato de 75% das mortes em operações policiais serem de jovens negros. Uma discriminação enraizada”, aponta a enfermeira.

Segundo ela, crianças negras são vítimas indefesas da desigualdade racial. “Nas historinhas infantis ou na TV, ao não ver heróis com a mesma cor de pele, começam a perceber que estão prestes a entrar em um mundo sem lugar para elas. O resultado pode vir sob a forma de baixa autoestima. Mesmo sutis, situações de discriminação na infância tendem a gerar transtornos psicológicos no futuro, como desesperança, tristeza, depressão e ansiedade”.

Ainda de acordo com a especialista, a família, a escola e a comunidade não estão preparadas para cuidar do problema. Na área da saúde, onde ela atua há duas décadas, não há capacitação sequer para abordar pacientes negros e ouvir seus relatos.

Ainda sobrevêm mitos como “negro é forte” ou “mulher negra é resistente à dor”. Para piorar, profissionais de saúde mental muitas vezes não reconhecem suas próprias atitudes racistas, o que agrava o sofrimento de quem procura ajuda”, afirma Daniela. “Se cada um de nós parar para pensar na relação entre a desigualdade racial e a saúde mental, já teremos um mínimo avanço. É um desafio de todos nós para evoluirmos como civilização”, completa.

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Brasil tem o desafio de cumprir até 2030 o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 18 sobre Igualdade Étnico-Racial 

Dados de uma pesquisa realizada em 2023 pelo Ipec, Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto SETA revelam que o ambiente escolar foi o local apontado por 64% dos brasileiros entre 16 e 24 anos como o lugar onde mais sofrem racismo. Por isso, o diálogo entre família e escola é fundamental. Essas interações podem proporcionar experiências diversas e enriquecedoras para as crianças, permitindo que as diferenças sejam valorizadas como potências, e não vistas como dificuldade.

Ao longo dos anos, o Estado também vem buscando assegurar que as práticas educativas sejam cada vez mais inclusivas. A Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira na educação básica; a Lei 11.645/2008, que alterou a principal lei da educação; e a Lei de Diretrizes e Base da Educação Brasileira, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura dos povos afro-brasileiro e indígenas, representam marcos importantes que incidem diretamente na atuação da escola frente a luta e enfrentamento ao racismo no país.

Com o compromisso de dar um passo crucial para o Brasil avançar em direção a uma sociedade mais justa e igualitária, desde 2023 o governo brasileiro instituiu a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS). A iniciativa está empenhada em alcançar metas e indicadores para monitorar e implementar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 18 sobre Igualdade Étnico-Racial até 2030. No final de 2024, o governo federal anunciou o ODS 18 durante a abertura da Assembleia Geral da ONU.

O ODS 18 é uma iniciativa de suma importância para o enfrentamento do racismo no país e para a promoção de uma sociedade mais justa e igualitária, no que tange a busca por meios concretos para diminuir as desigualdades sociais. O enfrentamento ao racismo é de responsabilidade de todos: estados, empresas e cidadãos, sejam eles brancos, indígenas, pardos e pretos”, afirma a coordenadora da Qualidade Social da Educação do Marista Brasil, Raimunda Caldas.

Segundo ela, as escolas têm um papel fundamental para o Brasil atingir a meta de número 8b do ODS 18, que aponta que as escolas devem assegurar a inclusão obrigatória de ações de educação antirracista e sobre as culturas e histórias dos povos indígenas e afrodescendentes nos currículos.

Para auxiliar na valorização das culturas dos povos indígenas e negros e no enfrentamento ao racismo, educadores trazem dicas para tratar do tema com crianças, adolescentes e jovens.

1.Explique que o racismo é estrutural

O racismo permanece enraizado em nossa sociedade, influenciando a linguagem, o imaginário, a literatura e até mesmo as conversas cotidianas. Nesse contexto, é fundamental que crianças, adolescentes e jovens aprendam a respeitar e a valorizar a diversidade da nossa sociedade, principalmente em relação às questões raciais.

Ninguém nasce odiando a outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem ou ainda pela sua religião. Assim como as pessoas aprendem a odiar, elas também podem ser ensinadas a amar. É preciso amar a todos igualmente”, explica José Aderlan Brandão Nascimento, coordenador de Identidade, Missão e Vocação da União Marista do Brasil.

Os pais ou responsáveis legais precisam contar a seus filhos e filhas histórias de um país formado não apenas por brancos, mas também por negros e indígenas. É necessário promover diálogos sobre questões como a escravização dos povos africanos e indígenas no passado.

2. Valorização das diferenças

A cultura brasileira é múltipla, diversa, foi formada por pessoas africanas, indígenas, europeias e asiáticas. É preciso contar sobre a formação do país e como cada etnia contribuiu para a formação de uma cultura diversa.

Raimunda explica que é possível mostrar essa pluralidade de diferentes maneiras, como por exemplo: ir e levar seus filhos e filhas para conhecerem um museu das culturas indígenas e da cultura afro-brasileira na sua cidade. E, na ocasião, não perder a oportunidade de refletir sobre como ainda é preciso valorizar e reconhecer essas culturas, que estão presentes nas músicas, na culinária e principalmente na língua brasileira.

3. Reconhecer a dívida histórica

Além da sociedade e das instituições, o Estado tem um papel crucial na redução das desigualdades raciais que, infelizmente, ainda crescem no nosso país. O pedido de desculpas pela escravidão e seus efeitos, feito pelo Brasil para a população negra em 2024, representa um passo simbólico importante. No entanto, como ressalta Raimunda, esse gesto precisa se traduzir na implementação efetiva de políticas públicas que enfrentem as desigualdades sociais entre brancos, negros e indígenas.

4. Leituras e releituras do mundo

É importante ensinar crianças, adolescentes e jovens a observar a sociedade com um olhar crítico e questionador. Durante um passeio pela cidade, por exemplo, convide-os a refletir sobre os monumentos e os nomes de ruas e praças. Questione quem são os herois do Brasil ali retratados – quantos são brancos, negros, indígenas, mulheres, homens e europeus? Que valores ou narrativas essas figuras estão simbolizando?

Leiam juntos notícias e livros, assistam filmes e séries e façam perguntas que incentivem a reflexão: quem está sendo representado? Quem tem maior representação: brancos, indígenas, amarelos, negros? Incentive a leitura de obras com diversidade e representatividade, fale de discriminação e sempre se posicione contra o racismo. Além disso, a literatura é uma ferramenta essencial para abordar as diferenças e fortalecer uma visão de mundo inclusiva e multicultural, como exemplo da obra “O Pequeno Príncipe Preto”, de Rodrigo França.

Niterói prepara Manual de Boas Práticas Antirracistas

A Prefeitura de Niterói, por meio da Subsecretaria de Promoção da Igualdade Racial, deve lançar em breve o “Manual de Boas Práticas Antirracistas“, construído de forma coletiva com representantes da sociedade civil, movimentos sociais, lideranças, especialistas e pesquisadores.  Quando concluída, a publicação será lançada como uma referência para a gestão pública municipal e para a sociedade, consolidando o compromisso com um município mais justo, inclusivo e antirracista.

Voltado para instituições públicas, privadas e à sociedade em geral, o documento vai além do combate ao racismo individual. Ele propõe um enfrentamento ao racismo estrutural e institucional, ainda presente na realidade de milhares de pessoas. Também aborda temas essenciais como racismo ambiental, religioso, digital, recreativo, no mercado de trabalho, na educação, no esporte, entre outros aspectos cotidianos, porém pouco discutidos.

Segundo o subsecretário Oto Bahia, o objetivo do material é promover conscientização e mudança de atitudes, contribuindo para um ambiente mais seguro, respeitoso e acolhedor para todas as pessoas, independentemente de cor ou origem.

Este manual nasce do diálogo permanente. Foram ouvidas mais de 500 pessoas durante três encontros de escuta sensível às vozes da população negra e de grupos historicamente marginalizados. A luta contra a discriminação racial é uma responsabilidade coletiva. Cada um de nós tem um papel a desempenhar nessa jornada. Para avançarmos, é fundamental caminharmos juntos”, afirmou o subsecretário.

Para Oto Bahia, a implementação de um manual antirracista representa mais do que combater o preconceito. “É um movimento ativo de transformação, que exige revisão de atitudes, políticas e práticas que, muitas vezes, reforçam estereótipos.”

Com Assessorias

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