É muito comum ouvirmos que a prevenção ao cuidado com a saúde do coração ou do cérebro está na lista de prioridades, mas o fígado acaba ficando de lado na realização de exames preventivos. E é justamente aí que mora o perigo, pois de cada dez pessoas que fazem uma ultrassonografia, quatro podem estar com danos no órgão, conforme várias estatísticas já publicadas.

A cada dez pessoas com alguma doença no fígado, sete desconhecem que estão com problemas, é o que afirma o estudo da British Liver Trust intitulado The alarming impact of liver disease in the UK.

Outra pesquisa recente, realizada pelo Datafolha, apontou que 63% dos brasileiros associam as enfermidades do fígado somente ao alcoolismo e 47% ao tabagismo, sendo que as principais causas estão relacionadas às hepatites B e C e ao acúmulo de gordura no órgão (esteatose hepática).

O câncer do fígado está na lista da quarta maior causa de morte em todo o mundo, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), e há uma carência de centros especializados em todas as necessidades que envolvem a linha de cuidado específica dessa área, desde o seu diagnóstico precoce e seus diversos tratamentos potencialmente curativos.

Segundo dados do American Cancer Society, a incidência de câncer de fígado triplicou desde 1980, dobrando também as taxas de mortalidade pela doença. Anualmente, cerca de 800 mil pessoas são diagnosticadas com câncer de fígado no mundo.

No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), é estimado para cada ano do triênio 2023-2025 cerca de 10.700 casos, sendo 6.390 em homens e 4.310 em mulheres. Diante deste cenário, a rede Americas, grupo médico-hospitalar do UnitedHealth Group Brasil, idealizou o Instituto do Fígado, que acaba de ser aberto no Rio de Janeiro para garantir assistência integral na área.

O médico Ben-Hur Ferraz Neto informa que o objetivo é garantir o cuidado à saúde do maior órgão maciço do corpo humano, que ele chama de “usina do corpo humano”, bem como tratar de doenças que envolvem as vias biliares e o pâncreas.

“As doenças hepáticas, a exemplo da esteatose, têm uma característica em comum de não apresentarem sintomas nas fases iniciais. Por isso, a importância de checkups sobre a saúde do fígado. O diagnóstico precoce de uma doença hepática permite várias ações, desde a prevenção de complicações até a cura da doença”, esclarece o médico.

Doenças hepáticas podem levar ao câncer de fígado

Pesquisas recentes realizadas na Alemanha – inclusive com participação de brasileiros – e nos Estados Unidos e Noruega apontam os riscos de doenças hepáticas levaram ao câncer de fígado, além de outras doenças graves, como a cirrose hepática, obrigado os pacientes a se submeterem ao delicado processo de transplante do órgão.

Uma delas é a doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD, sigla do inglês), distúrbio hepático metabólico mais prevalente, atingindo uma média de 20% a 30% da população mundial. Se não tratada, a doença pode levar à cirrose hepática e ao câncer de fígado.

Um tipo mais agressivo de NAFLD é a esteato-hepatite não alcoólica (NASH, sigla do inglês). Ela é caracterizada pelo extenso acúmulo de lipídios no fígado, seguido de infiltração do sistema imunológico e fibrose.

A incidência de NAFLD/NASH está aumentando vertiginosamente e a expectativa é de que seja a principal causa de transplante de fígado nos próximos anos. Até o momento, nenhum medicamento foi aprovado para seu tratamento.

Tempo é um fator crítico na doença hepática gordurosa não alcoólica

Pesquisadores do Instituto de Neurobiologia do Centro de Cérebro, Comportamento e Metabolismo (CBBM) em Lübeck, juntamente com um grupo do Hospital Charité Berlin, ambos da Alemanha, demonstraram que as alterações fisiológicas que acompanham o NASH dependem da hora do dia.

Combinando a técnica de sequenciamento de RNA de amostras coletadas a cada 6 horas ao longo de um dia, os autores identificaram diversos novos processos biológicos no NASH como alvos potenciais de abordagens terapêuticas.

Os autores também descobriram que a expressão de várias centenas de genes metabólicos foi adiantada cerca de 3 horas, em comparação com fígados saudáveis, indicando uma mudança significativa nos aspectos rítmicos do fígado que possui NASH.

“Caracterizamos que o NASH afeta o transcriptoma do fígado de forma dependente da hora do dia. O avanço de 3h horas na fase do fígado é muito significante. Esses achados contribuem para um melhor entendimento do NASH que pode abrir caminhos para novas terapias”, afirma o pesquiador Leonardo de Assis, primeiro-autor e pesquisador do grupo liderado pelo professor Henrik Oster no CBBM.

Sendo assim, eles concluem que a consideração da hora do dia resultará em um avanço da fisiopatologia do NASH, a qual pode impactar o tratamento dessa doença e, possivelmente, de outras doenças metabólicas, visto que o relógio circadiano é um sistema temporal presente em todas as células do corpo e controla vários processos biológicos.

Este estudo foi financiado pelo DFG como parte do CRC/TR296 “LocoTact”, que inclui as universidades de Lübeck, Essen e o Hospital Charité. A publicação original do trabalho pode ser acessada neste  link.

Estudo identifica substâncias químicas na bile dos pacientes

Evidências científicas apontam que a maioria das pessoas com colangite esclerosante primária, uma doença hepática crônica rara nos dutos biliares também apresenta algum tipo de doença inflamatória intestinal, como colite ulcerativa ou doença de Crohn, muitas vezes levando a doença hepática em estágio terminal e câncer de fígado.

O transplante de fígado é o único tratamento baseado em evidências para esta avançada doença e não há terapia medicamentosa para melhorar a sobrevida sem transplante. Essa doença hepática provavelmente se desenvolve a partir de fatores genéticos e ambientais. Entender a contribuição das exposições ambientais para essa doença pode levar a descobertas sobre suas causas e fatores de risco.

Diante disso, pesquisadores do Centro de Medicina Individualizada da Mayo Clinic identificaram uma ampla variedade de substâncias químicas presentes no ambiente na bile humana em pacientes. O estudo, publicado na revista Exposome, representa uma nova frente de pesquisa sobre o expossoma, a medida dos fatores ambientais que contribuem para a saúde e o aparecimento de doenças.

“Sabemos que os pacientes com esse distúrbio complexo do duto biliar têm alteração no metaboloma (o conjunto completo de substâncias químicas de pequenas moléculas encontradas em uma amostra biológica), o que pode ser influenciado pelas substâncias químicas presentes no ambiente”, diz Konstantinos N. Lazaridisdiretor executivo da Cátedra Carlson and Nelson do Centro de Medicina Individualizada da Mayo Clinic. 

Segundo o pesquisador, a caracterização expossômica abrangente da bile é um fator crítico, pois a bile entra em contato direto com os dutos biliares doentes. Dr. Lazaridis observa ainda que isso poderia contribuir para uma maior absorção das substâncias químicas presentes no ambiente por pacientes com colangite esclerosante primária que também têm doença inflamatória intestinal.

Entenda o estudo

Para o estudo da Mayo Clinic, os pesquisadores investigaram amostras de bile de pacientes com a doença usando espectrometria de massa de alta resolução e encontraram várias substâncias químicas presentes no ambiente.

Essa nova tecnologia permitiu aos pesquisadores medir e analisar exposições químicas externas e suas respostas biológicas, com cobertura suficiente para estudar as relações entre potenciais causadores de doenças e seus efeitos.

Os pesquisadores avaliaram essas semelhanças e diferenças na bile de pacientes nos Estados Unidos e na Noruega. Eles detectaram 83 substâncias químicas presentes no ambiente em pacientes nos EUA e na Noruega em concentrações estatisticamente semelhantes.

  • Os pacientes dos EUA mostraram maior presença de substâncias químicas presentes no ambiente na bile e aumento das associações entre as substâncias químicas e as vias metabólicas da bile do que na Noruega.
  • Os pesquisadores identificaram os compostos químicos bifenil policlorado (PCB)-118 e PCB-101 de interesse para estudos adicionais, dadas as amplas conexões dessas substâncias com as vias metabólicas nos pacientes norte-americanos e noruegueses.
  • Estas são substâncias orgânicas altamente estáveis que foram amplamente utilizadas em plastificantes, tintas e equipamentos elétricos até serem banidos pela Convenção de Estocolmo sobre poluentes orgânicos persistentes.
  • As vias de degradação de glicano foram associadas a uma ou várias substâncias químicas presentes no ambiente em ambas as amostras de pacientes. Os glicanos são cruciais para regular o intestino e podem estar associados à causa da doença.

As descobertas das ligações químicas e metabolômicas derivadas na bile servem como ponto de partida. Elas são essenciais para entender as alterações bioquímicas que ocorrem com a exposição a substâncias químicas presentes no ambiente, pois podem refletir a causa e a progressão da colangite esclerosante primária, podendo também podem levar a novos tratamentos”, diz o Dr. Lazaridis.

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Hepatites B e C podem causar câncer de fígado

As hepatites virais, principalmente as causadas pelos tipos B e C, que afetam 354 milhões de pessoas, conforme estima a Organização Mundial da Saúde (OMS), podem resultar em câncer de fígado. Elas também podem levar à cirrose hepática, que ocorre quando o tecido hepático normal é substituído pelo cicatricial não funcional, danificando o órgão.

A hepatite viral causada pelos vírus B e C pode ser transmitida entre pessoas através de relações sexuais sem preservativo, transfusões de sangue, compartilhamento de agulhas contaminadas ou de objetos de higiene pessoal (como lâminas de barbear, depilar, alicates de unha, entre outros) ou durante o parto”, explica Artur Rodrigues Ferreira, oncologista do Grupo Oncoclínicas.

Como forma de prevenção, a vacina contra hepatite B é oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, apesar de não existir uma vacina para a infecção pelo vírus C, os novos tratamentos, também oferecidos de forma gratuita na rede pública, possuem chance de cura em cerca de 90% dos casos.

O médico responde algumas dúvidas sobre o tema:

Hepatites B ou C sempre irão resultar em câncer de fígado?

Felizmente, não, diz Arthur Ferreira. As hepatites B e C, apesar de serem um fator de risco, não necessariamente determinarão o desenvolvimento da neoplasia, ou seja, apenas uma parcela dos pacientes irá evoluir para o câncer de fato. “No entanto, adotar medidas de prevenção ao vírus é essencial para frear as estatísticas da doença“, pontua o especialista.

Sintomas e sinais do câncer de fígado

De acordo com o oncologista, grande parte dos pacientes não irá apresentar sintomas nos estágios iniciais do câncer primário de fígado. No entanto, caso se manifestem, é importante ficar de olho em alguns sinais do corpo, como emagrecimento sem causa identificável, perda do apetite, dor na parte superior do abdômen, náusea e vômito, coloração amarelada da pele ou dos olhos, entre outros sintomas.

Diagnóstico do câncer de fígado

Nem sempre é fácil diagnosticar o câncer de fígado precocemente, uma vez que é uma doença silenciosa. “Geralmente, não são solicitados exames de rastreamento para o carcinoma hepatocelular na população em geral. Mas, eles podem e devem ser recomendados em casos específicos, como nos pacientes com cirrose hepática, ou ainda infecção crônica por hepatite B”, diz o especialista.

Opções de tratamento do carcinoma hepatocelular

“Dentre as abordagens de tratamento, podem ser realizados a remoção cirúrgica, transplante hepático, ablações e embolizações hepáticas, radioembolização, imunoterapia, terapias-alvo e, menos frequentemente, a quimioterapia. Mas, apenas após discussão multidisciplinar, a melhor modalidade de tratamento deverá ser indicada”, finaliza.

Outros fatores que podem desencadear o câncer de fígado

Além da hepatite B e C, outros fatores que podem desencadear o câncer de fígado são:

Cirrose (inflamação crônica no fígado);

Doenças hepáticas hereditárias, como hemocromatose (acúmulo de ferro no organismo) e doença de Wilson (acúmulo de cobre no organismo);

Diabetes;

Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), que causa acúmulo de gordura no fígado;

Exposição a aflatoxinas (venenos produzidos por fungos que crescem em determinados alimentos quando não são armazenados corretamente e ficam expostos à umidade, como alguns tipos de grãos e castanhas);

Consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

Tipos de câncer de fígado

Dentre os tipos de câncer de fígado, o carcinoma hepatocelular, que se inicia nos hepatócitos (células localizadas no fígado) é o mais comum. “Vale lembrar ainda que ele é o mais frequente nos pacientes com doenças hepáticas crônicas, como a cirrose, podendo ser proveniente do consumo excessivo do álcool ou de uma hepatite B ou C, por exemplo”, comenta o oncologista.

Outros tipos da doença podem incluir:

  • Colangiocarcinoma – proveniente dos ductos biliares do fígado;

  • Hepatoblastoma – neoplasia rara que atinge recém-nascidos e crianças, ocorrendo predominantemente abaixo dos três anos, sendo raro após o quinto ano de idade; e

  • Angiossarcoma – câncer igualmente raro que se origina nos vasos sanguíneos do fígado.

Com Assessorias

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