O relatório, lançado em maio, analisa o impacto do controle territorial armado (notadamente por facções e milícias) sobre escolas das redes municipais e estadual, na cidade do Rio de Janeiro e mais 19 municípios da Região Metropolitana, com foco na exposição de crianças, adolescentes e a comunidade escolar à violência crônica e aguda. O levamento reuniu também pesquisadores do Instituto Fogo Cruzado (IFC), o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF) e o Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social (Ceres-Iesp).
A partir do cruzamento de dados sobre o mapa de áreas dominadas por grupos armados e a localização das escolas públicas, foi possível concluir que boa parte dos estudantes estava inserida, em maior ou menor grau, em contextos de violência armada – com 48% dos estudantes de 19 municípios do Grande Rio e 55% dos estudantes da capital sendo afetados pela violência armada.
Escolas da zona sul são menos impactadas
Uma mesma escola teve 18 episódios de violência armada em um ano
Eventos de violência armada aguda – tiroteios em situações ou não de operações/ações policiais – nas imediações de escolas foram contabilizados mais de 4.400 vezes somente em 2022. A Zona Norte do Rio concentra o maior número de ocorrências: em um ano, escolas da região foram afetadas por tiroteios 1.714 vezes.
O número da Baixada Fluminense também é preocupante: 1.110. Já a Zona Sul é a que possui menos escolas em áreas dominadas por grupos armados e é também a que teve menos escolas afetadas (29) por tiroteios (86 vezes) em 2022.
Essa desigualdade imposta aos estudantes de acordo com a região onde moram é observada em outros dados do relatório: enquanto 29 escolas da Zona Sul da capital, ou 30% do total, registraram ao menos um episódio de violência armada aguda na sua vizinhança, o número chega a 510 na Zona Norte (ou 65% das escolas).
Ainda assim, mesmo dentro da região mais rica da cidade, há desigualdades: enquanto 54% das escolas em áreas sob controle territorial na Zona Sul estiveram expostas pelo menos uma vez a tiroteios, nas áreas não controladas da região esse percentual é de 15%.
É preocupante também a frequência com que algumas escolas estão expostas a episódios de violência armada. Em 2022, uma mesma escola de São Gonçalo registrou 18 episódios de violência armada aguda — na média, um tiroteio a cada duas semanas — liderando o ranking de unidades mais afetadas.
O relatório conclui também que as áreas de violência armada aguda envolvendo o Estado, por meio da polícia, são áreas com alta incidência de tiroteios. Embora áreas controladas tenham menos escolas se comparadas com as áreas não controladas (1.839 e 1.933, respectivamente) em 2022, o número de tiroteios em ações policiais foi três vezes maior em áreas controladas do que em áreas não controladas.
Pesquisadores alertam sobre desigualdades sociais
Para a chefe do escritório do Unicef no Rio de Janeiro, Flavia Antunes, os dados são alarmantes e têm contornos ainda mais preocupantes quando comparado o impacto da violência armada entre estudantes das diferentes regiões do Grande Rio.
Essa situação reforça as desigualdades já conhecidas, mas também a necessidade de promover maior integração entre as políticas de segurança pública e educação para lidarmos com os efeitos do controle territorial armado no acesso à educação. Com isso, queremos garantir que nenhuma criança ou adolescente, seja qual for a escola em que estude, esteja sujeita à violência armada”.
A diretora do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto, explica como os dados que revelam a desigualdade do impacto da violência armada são importantes para a formulação de políticas públicas:
Vivemos em um estado que registra níveis inaceitáveis de confrontos. Mas eles não acontecem da mesma maneira e com a mesma intensidade em todos os locais. Hoje podemos identificar padrões da violência armada que podem ajudar a priorizar áreas de intervenção do poder público e que demonstram como a participação da polícia nos confrontos pode ser decisiva em alguns locais. Informações como essas são instrumentos poderosos para agir hoje e reduzir as desigualdades de amanhã. Negá-las é negar o direito igual à educação de todas as nossas crianças e adolescentes”.
Estudo medirá efeitos sobre aprendizado e abandono escolar
O relatório de caracterização dos territórios onde se encontram as escolas é o primeiro de uma série de dois estudos. No segundo, serão avaliados os efeitos da influência da violência armada sobre aprendizado e taxa de abandono escolar, em uma tentativa de medir especificamente o impacto da violência armada na educação pública do Rio de Janeiro e mais 19 municípios da Região Metropolitana, para além dos aspectos socioeconômicos já conhecidos da literatura sobre desigualdades educacionais.
O coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), Daniel Hirata, destaca a importância de compreender e enfrentar as distintas manifestações da violência armada no Rio de Janeiro:
As duas dimensões da violência armada do Rio de Janeiro, a crônica e a aguda, precisam ser enfrentadas com urgência. O primeiro passo este relatório já oferece, ou seja, uma caracterização precisa dessas dimensões da violência armada e o apontamento de soluções específicas para cada uma delas. Mas é necessário seguirmos para o segundo passo, da atuação concreta na proteção de crianças e adolescentes”.
Recomendações da pesquisa para prevenir a violência armada
O relatório apresenta algumas recomendações aos atores públicos com foco na prevenção da violência armada contra crianças e adolescentes, em especial em relação ao impacto dos confrontos armados na educação. Elas incluem:
- Enfrentar e reduzir o controle territorial armado e seus efeitos sobre crianças, adolescentes e a comunidade escolar;
- Integrar políticas de segurança e educação e erradicar os impactos negativos de operações policiais no entorno de escolas;
- Fortalecer uma educação que protege contra as violências;
- Desenhar e implementar um modelo protetivo de segurança pública para a infância e adolescência, e enfrentar com inteligência e investigação os grupos armados no Rio de Janeiro;
- Implementar a Lei Ágatha Felix e priorizar o esclarecimento de homicídios especialmente de crianças e adolescentes;
- Implementar e ampliar protocolos de resiliência em serviços e comunidades;
- Desenhar e implementar um modelo de reparação de serviços e da comunidade.
O impacto da Operação Contenção na vida das crianças das comunidades
- As escolas atingidas ficavam nos Complexos da Penha e do Alemão, áreas de conflito da operação.
- Pelo menos 55 escolas e 4 universidades ainda estavam sem aulas no dia seguinte ao início da operação.
- As aulas foram posteriormente retomadas após a diminuição dos confrontos.
- Esses fechamentos frequentes de escolas devido à violência armada são um problema recorrente no Rio de Janeiro, com estudos mostrando que operações policiais já afetaram 74% das escolas da cidade em momentos anteriores.
- A Operação Contenção, realizada nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, resultou na apreensão de 10 menores.
- Outros 113 presos também foram contabilizados, além da apreensão de 118 armas — entre elas 91 fuzis.
- A operação teve como foco o combate ao crime organizado e a facções criminosas, mas a questão dos impactos da violência nas crianças das comunidades tenha sido levantada por ONGs e autoridades.
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“Alice: amor, perda e renascimento” dialoga diretamente com a realidade da violência que marca as comunidades cariocas
Em meio ao impacto da recente megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, que resultou mais de 120 mortes, segundo dados divulgados pelo Governo do Rio de Janeiro, a narrativa ganha ainda mais relevância ao propor um olhar humano sobre histórias que raramente ganham espaço no noticiário tradicional. “Alice: amor, perda e renascimento”, novo livro da escritora Isa Colli, surge como uma obra literária que dialoga diretamente com a realidade da violência que marca as comunidades do Rio de Janeiro.
Em meio ao impacto da recente megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, que resultou mais de 120 mortes, segundo dados divulgados pelo Governo do Rio de Janeiro, a narrativa ganha ainda mais relevância ao propor um olhar humano sobre histórias que raramente ganham espaço no noticiário tradicional.
A autora apresenta uma obra densa, sensível e realista, construída a partir de sua vivência em projetos sociais na Região Metropolitana do Rio, onde testemunhou abandono, corrupção, preconceito, falta de acesso à educação, violência estrutural e a ausência persistente do Estado.
A personagem central, Alice, é uma jovem negra, moradora da Comunidade do Sapo, que enfrenta diariamente dilemas para garantir a própria sobrevivência e a dos irmãos. Sua trajetória reflete a luta de milhares de brasileiros que convivem com a vulnerabilidade e com a necessidade constante de fazer escolhas que definem destinos.
Ao entrelaçar ficção e realidade, Isa Colli constrói uma obra que não romantiza a dor, mas evidencia a força, a resiliência e a capacidade de renascimento de jovens que crescem cercados por conflitos sociais e territoriais. O livro busca provocar reflexão sobre a forma como o país lida com suas periferias e como essas histórias, muitas vezes invisibilizadas, fazem parte da formação cultural e humana do Brasil.
A narrativa de Alice não é sobre conformismo, mas sobre resistência. É sobre sobreviver diante da ausência de tudo, inclusive de direitos básicos”, destaca a autora.
Ao lançar um olhar crítico e ao mesmo tempo afetivo sobre o cotidiano das comunidades, “Alice: amor, perda e renascimento” contribui para ampliar o debate público sobre violência urbana, desigualdade e representatividade.
Com Assessorias





