No dia em que o Brasil chorou as 200 mil mortes pela Covid-19, surge, enfim, uma luz em meio às trevas que têm marcado a maior crise sanitária do século no país do negacionismo explícito e da banalização de vidas humanas. O Instituto Butantan, de São Paulo, anunciou que a vacina CoronaVac, produzida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac Life Science, demonstrou eficácia de 78% a 100% nos testes clínicos em sua terceira fase.

Nesta sexta (8) será apresentado o pedido de registro emergencial à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O mesmo é esperado para a semana que vem pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a farmacêutica Astrazeneca, que preveem produzir ainda este ano mais de 100 milhões de doses da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford. Até abril, o Butantã deverá entregar 46 milhões de doses da vacina ao Ministério da Saúde, para distribuição de forma igualitária aos estados. Ao todo, deverão ser 100 milhões de doses até o fim do ano.

Em coletiva onde reclamou do trabalho da imprensa, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, disse que a vacinação pode começar já no dia 20 de janeiro. O governador de São Paulo. João Dória, que previa iniciar a vacinação no dia 25, já mandou recado a Pazuello, pedindo prioridade da vacinação para seu estado, que tem o maior número de casos e mortes no país.

Pazuello anunciou que assinou um contrato com o Instituto Butantan para aquisição, até o fim do ano, de 100 milhões de doses da vacina CoronaVac. Ao todo, a perspectiva da pasta é que sejam disponibilizadas em 2021 à população até 354 milhões de doses, a maior parte oriunda da parceria entre Fiocruz, Astrazeneca e Oxford.

A campanha de vacinação pode ser iniciada já no dia 20 de janeiro – na “melhor hipótese”, segundo o ministro, caso os laboratórios consigam autorização em caráter emergencial junto à Anvisa – ou até o início de março, data mais provável. O Butantã entregará até abril 46 milhões de doses ao MS, para distribuição igualitária entre os estados.

Tragédia seria a mesmo de dizimar uma cidade do porte de Angra

“Lamento as mortes, mas a vida continua”, limitou-se a dizer Bolsonaro, questionado sobre as 200 mil vidas perdidas para a Covid-19. Até esta quinta, este número representaria os mortos em pelo menos 550 acidentes com Boeings ou 740 rompimentos de barragens da Vale em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019.

Ou às vítimas de uma suposta bomba nuclear praticamente dizimando a população de Angra dos Reis (RJ), estimada em 207.044 habitantes (dados do IBGE-2020). Mas a situação pode ser pior: estimativas da Fiocruz apontam que o número de vítimas fatais pode já ter ultrapassado 260 mil.

Nenhuma outra doença matou tantos brasileiros em um só ano – ou menos de um, já que a primeira morte por Covid-19 no Brasil foi registrada no final de fevereiro de 2020. E a trágica ciranda das mortes não para. A média móvel de casos está em 36.402 por dia, 10% menor que os 14 dias anteriores, mas existe tendência de alta. Dez estados – incluindo o Rio de Janeiro – apresentam alta na média de casos. São Paulo e outros 11 estados estão estáveis, enquanto apenas três apresentam queda nos números.

Equipe do Butantã comemora eficácia de 78% a 100%

Um vídeo emocionante do Instituto Butantan, anunciando a eficácia da CoronaVac – entre 78% em casos leves e 100% em casos de internação, e a apresentação do registro emergencial da CoronaVac nesta sexta-feira (8/1) à Anvisa, viralizou nas redes sociais. O pedido de aprovação emergencial da vacina foi oficialmente apresentado à Anvisa. A Fiocruz anunciou que fará o mesmo na segunda-feira (11), encaminhando o registro emergencial à agência.

O Governo de São Paulo já tinha anunciado o início da vacinação à população do estado com as doses produzidas no Butantã para o dia 25 de janeiro, com 46 milhões de doses, sendo 6 milhões diretamente da China. Atualmente, 10 milhões de doses ou insumos para a produção pelo Butantã já estão disponíveis. A CoronaVac foi testada em mais de 12,276 profissionais de saúde. Nenhum dos voluntários foi internado nem desenvolveu formas graves da doença.

Em resposta ao ministro, que deu a entender que não haverá prioridade para São Paulo na vacinação, a partir da incorporação das doses produzidas pelo Butantan ao Programa Nacional de Imunizações, o governador João Dória respondeu que o estado é o de maior densidade populacional do país e tem o maior número de casos e óbitos pela Covid-19. Surge, agora, um novo impasse em relação ao destino das doses.

O Estado de São Paulo já tem 1.5015.158 de casos e 47.768 mortes, com tendência de aumento. A média móvel de casos é 15% superior à semana passada. A oferta de leitos de UTI para a Covid-19 foi reduzida, enquanto 1.702 foram internados em apenas 24 horas, o número mais alto desde 27 de agosto.

Ministro se diz mal interpretado pela imprensa

Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello (Imagem: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados)

Na entrevista coletiva no Palácio do Planalto, Pazuello iniciou o discurso agradecendo pela cobertura da crise sanitária, mas em seguida passou a dirigir duras críticas aos profissionais de imprensa, dizendo não entender por que tantas dúvidas em torno da compra da vacina Coronavac. Parecia ter se esquecido que o presidente Jair Bolsonaro o desmentiu após anúncio, em outubro passado, de que a pasta compraria a CoronaVac.

Em tom autoritário – como o de um general de Exército dirigindo-se às suas tropas – Pazuello disse que meios de comunicação não têm atribuição de interpretar os fatos. “Deixem que o povo tire suas próprias conclusões”, recomendou. Na véspera, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) pediu o impeachment do ministro, o que repercutiu na mídia. Ele ainda lamentou as mortes dos 200 mil “brasileiros e brasileiras tiveram seu sonho interrompido por essa doença”, e se disse solidário com as famílias das vítimas.

Veja a entrevista coletiva na íntegra:

Entenda a distribuição das vacinas

O contrato com o Instituto Butantan envolve a compra inicial de 46 milhões de unidades, prevendo a possibilidade de renovação com a aquisição de outras 54 milhões de doses posteriormente, totalizando as 100 milhões de doses previstas até o final do amo. De acordo com a Agência Brasil, esse modelo foi adotado pela pasta pela falta de orçamento para comercializar a integralidade das 100 milhões de doses.

Do total de 324 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 para este ano no Brasil, dois milhões de doses são importadas da Astrazeneca da Índia; 10,4 milhões serão produzidas pela Fiocruz até o mês de julho; 110 milhões fabricadas no Brasil pela Fiocruz a partir de agosto e 42,5 milhões do mecanismo Covax Facility (provavelmente da Astrazeneca).

O ministro afirmou que a aquisição do lote da Coronavac foi possível graças à medida provisória (MP) editada na quarta-feira (6), permitindo Sobre a demora na condução do plano de vacinação em massa, o ministro explicou que dependia da medida provisória (MP) editada nesta quarta (6, permitindo a a contratação de vacinas antes do registro da Anvisa. A MP também libera a compra sem licitação, em regime de urgência.

A MP nos permite fazer contratação de vacinas e outros insumos antes mesmo de estar concluído o registro na Anvisa, coisa que não era permitida. Não podia fazer nenhuma contratação que não houvesse incorporação anterior no SUS [Sistema Único de Saúde] para poder comprar”, declarou o titular do MS.

A Coronavac custará cerca de US$ 10 por dose (R$ 58,20 a valores desta quinta), demandando duas doses para cada pessoa a ser vacinada. Já a da Astrazeneca tem preço de US$ 3,75 por dose. Desta última, o ministro Eduardo Pazuello afirmou que seria aplicada apenas uma dose.

Na primeira hipótese (20 de janeiro), estariam disponíveis oito milhões de doses. A imunização deverá ocorrer com as vacinas que estivessem disponíveis, sejam elas as do Instituto Butantan ou as importadas da Astrazeneca da Índia. O segundo cenário seria entre 20 de janeiro e 10 de fevereiro. Já o terceiro seria entre 10 de fevereiro e início de março. Pazuello comentou que a estimativa é que os dois produtores nacionais, Butantan e FioCruz, cheguem ainda neste ano à capacidade de fabricação de 30 milhões de doses por mês.

Negociações com a Pfizer

O ministro contou que a equipe do órgão continua negociando com a Pfizer, farmacêutica que já teve vacinas compradas por outros países. Contudo, argumentou que a empresa apresentou exigências mal recebidas pelo MS, como a não responsabilização por qualquer efeito colateral, a designação dos Estados Unidos como foro para resolver eventuais ações decorrentes de problemas como este e obrigação de o Brasil fornecer o material para diluir o imunizante.

Não paramos de negociar com a Pfizer. E o que queremos? Que ela nos dê o tratamento compatível com o nosso país, que ela amenize essas cláusulas. Não podemos assinar desta forma. Ela ofereceu 500 mil em janeiro, 500 mil em fevereiro e 2 milhões em março, 2 milhões em abril, 2 milhões em maio e 2 milhões em junho. Pensem se isso resolve o problema do Brasil. Toda a vacina oferecida pela Pfizer no primeiro semestre vacina a metade da população do Rio de Janeiro”, sublinhou o ministro.

Seringas e agulhas

Os representantes do Ministério da Saúde falaram também sobre o fornecimento de seringas. Um pregão foi realizado, tendo concluído com 3% do total previsto. O presidente Bolsonaro afirmou que suspenderia a compra de seringas até que os preços baixassem novamente.

O secretário executivo da pasta, Élcio Franco, disse que há 80 milhões de seringas passíveis de mobilização imediata para o início da vacinação, incluindo as existentes em estados e municípios. Mas várias prefeituras já informaram que se usarem os estoques existentes hoje para a vacina da Covid-19, faltarão seringas e agulhas para outras vacinações.

Ele acrescentou que o Ministério obteve juntamente a fabricantes 30 milhões de seringas por meio do instrumento de requisição administrativa. Outras 40 milhões podem ser adquiridas por meio de uma compra internacional da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), das quais 8 milhões podem chegar entre o fim de janeiro e o início de fevereiro.

Com Agência Brasil

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