O debate sobre a deslegitimação da voz feminina ganhou novos contornos e tornou-se o epicentro de uma das maiores trends recentes. O embate entre o apresentador e filósofo Francisco Bosco e a atriz Alice Carvalho – do premiado filme ‘O Agente Secreto’ – expôs o abismo entre o intelectualismo acadêmico e a urgência da sobrevivência feminina

O caso, que dominou as redes sociais, revela como até mesmo discursos tidos como progressistas podem tropeçar em estruturas patriarcais. Não se trata apenas uma divergência de opiniões, mas a fragilidade das “alianças” masculinas quando confrontadas pela realidade crua do machismo estrutural.

Ao reagir de forma defensiva e rotular a atriz como “agressiva” diante de críticas, Bosco acionou um gatilho comum na luta feminista: o silenciamento de mulheres que questionam o poder. O episódio serviu para mostrar que o machismo não se manifesta apenas em atos extremos como o de Castilho, mas também em comportamentos cotidianos que tentam colocar a mulher em um lugar de submissão intelectual.

O estopim: quando o machismo vira “questão de opinião”

Tudo começou com uma entrevista de Bosco à revista Veja São Paulo. Nela, o apresentador do “Papo de Segunda” afirmou existir uma confusão perigosa entre a crítica ao machismo como sistema e o que ele chamou de uma “suposta crítica aos homens“. Para Alice Carvalho, a fala soou como uma tentativa de blindar o indivíduo masculino das responsabilidades de um sistema que ele mesmo alimenta.

A resposta de Alice, direta e contundente, gerou uma reação inesperada de Bosco. Em vídeo, o intelectual classificou a atriz como “agressiva” e “arrogante”. A escolha das palavras não foi por acaso: rotular mulheres críticas como descontroladas é uma estratégia histórica de silenciamento, algo que ressoa com o termo “doida demais”, usado no passado para deslegitimar vozes femininas.

“Esquerdomacho” e o “delito de opinião”

A polêmica ganhou profundidade no debate promovido por Milly Lacombe e Alicia Klein no canal Jogou Onde. As jornalistas destacaram como o comportamento de Bosco ilustra a figura do “esquerdomacho“: o homem que domina a teoria feminista, mas falha miseravelmente na prática ao ser confrontado por uma mulher.

Ao se colocar como vítima de um “delito de opinião”, Bosco foi criticado por inverter a lógica da opressão. Enquanto mulheres enfrentam uma epidemia de feminicídio e violência física, o intelectual se defende de uma suposta “agressividade” verbal. Como pontuou Milly Lacombe, “passar do limite é uma mulher ser estuprada a cada 5 minutos; o resto é só a gente lutando para viver”.

O perigo da “lavagem de imagem” e o lugar de fala

Um dos pontos mais sensíveis levantados na discussão é a reorganização do sistema patriarcal para proteger seus pares. Segundo a análise do vídeo:

  • Autoproteção masculina: Bosco estaria cercado por grupos de homens brancos que validam sua intelectualidade e minimizam suas falas problemáticas.

  • Uso de mulheres como escudo: A tendência de outras mulheres saírem em defesa do agressor simbólico (“ele é um cara legal, eu conheço”) para invalidar a crítica sistêmica feita por Alice Carvalho.

O debate reforça que o “lugar de fala” não é sobre silenciar homens, mas sobre exigir que eles ouçam quem vive a realidade da violência antes de tentarem pautar como o feminismo deve agir. A crítica de Alice Carvalho não foi aos homens “ontologicamente”, mas à reprodução de uma estrutura que, no fim do dia, mata mulheres.

Mas o que é ser um ‘esquerdomacho’?

O termo esquerdomacho é uma gíria política e social usada para descrever homens que se identificam com ideais progressistas e de esquerda, mas que, na vida privada ou no cotidiano, reproduzem comportamentos machistas. 
Em 2025, o termo continua em alta, frequentemente associado ao conceito de “homem performático”, que utiliza uma estética e um discurso de “desconstrução” para ganhar validação social ou facilitar conquistas afetivas. 
A crítica ao “esquerdomacho” destaca a tensão entre a teoria política e a prática pessoal. O termo serve como um alerta para o feminismo performático, onde o apoio às causas sociais é mais uma estratégia de imagem do que uma mudança real de comportamento. Em plataformas como TikTok e Instagram, o arquétipo é alvo constante de sátiras e memes que expõem essa hipocrisia. 

Características comuns do ‘esquerdomacho’

  • Falso aliado: Defende publicamente a luta de classes e o feminismo, mas mantém atitudes de superioridade intelectual (mansplaining) ou negligência emocional com mulheres.
  • Estética específica: Frequentemente associado ao uso de roupas de linho, sandálias, acessórios artesanais e “eco bags”, buscando projetar uma imagem inofensiva e sensível.
  • Responsabilidade afetiva seletiva: Pode usar termos terapêuticos e discursos sobre sentimentos para manipular situações emocionais a seu favor.
  • Contradição ideológica: Embora critique opressões estruturais, falha em reconhecer seus próprios privilégios de gênero no dia a dia. 

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O veredito das redes: não há mais espaço para neutralidade

A polêmica Bosco x Alice Carvalho serve como um divisor de águas. Ela mostra que o feminismo atual não aceita mais concessões de aliados que, ao primeiro sinal de crítica, recorrem ao repertório clássico da misoginia.

Entre termos acadêmicos sofisticados e a realidade das ruas, o Brasil escolheu ouvir quem está na linha de frente da sobrevivência. A pergunta que fica para os “aliados” é: vocês estão dispostos a ouvir ou apenas a ensinar sobre uma dor que não sentem?

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