Uma polêmica nas redes sociais indica que mulheres teriam sofrido um efeito colateral inesperado por uso de canetas emagrecedoras. Mulheres usuárias de medicamentos análogos de GLP-1 (como Ozempic e Mounjaro) estão usando suas redes sociais para propagar um efeito positivo do remédio que vai além do emagrecimento: a gravidez.

No Facebook, surgem até grupos como “I got pregnant on Ozempic” (Fiquei grávida com Ozempic), com mais de 500 membros vem reunindo histórias curiosas de quem afirma ter engravidado, mesmo fazendo uso de anticoncepcional, durante o uso das populares canetas injetáveis, medicamentos desenvolvidos originalmente para o tratamento do diabetes tipo 2 e cuja adoção para controle de peso vem se mostrando eficaz.

Além disso, há inúmeros relatos em perfis no Tik Tok que relatam essa associação. Uma usuária (@Dkalsolive), que tem 36 mil seguidores, diz ter ficado grávida com a ajuda do Ozempic. Ela havia notado em outro vídeo que já havia sofrido dois abortos espontâneos e um natimorto.

Os relatos foram apelidados pela imprensa norte-americana de “Baby Boom Ozempic”, em analogia aos crescentes relatos que fazem a relação entre os medicamentos e a melhora da fertilidade.

Mas até que ponto essas drogas podem de fato estar ligadas à gravidez inesperada?

Para o especialista em fertilidade Edson Borges, diretor médico do FertGroup, o efeito, que vem sendo chamado de “bebê Ozempic”, pode estar ligado ao fato de as medicações agirem não apenas na perda de peso, como potencialmente na correção de eventuais desequilíbrios hormonais e metabólicos que estavam prejudicando a fertilidade.

Em geral, essas drogas agem simulando a ação do GLP-1, hormônio produzido no intestino que regula a glicemia, diminui a fome e aumenta a saciedade. Sabidamente, a obesidade e o diabetes são considerados doenças crônicas que afetam a fertilidade. Portanto, quando essas condições de saúde são tratadas adequadamente, as chances de engravidar aumentam”, explica o médico.

Em linha com essa visão, um fator que pode estar ligado à ocorrência de gravidez entre mulheres que realizam tratamento para emagrecer está na associação entre síndrome dos ovários policísticos, falta de ovulação e obesidade. Em muitos dos relatos, há mulheres que contam terem enfrentado problemas de infertilidade anteriores ao remédio para redução do peso. “O emagrecimento resultante do uso desses remédios melhora índices metabólicos, contribui para o equilíbrio hormonal e favorece os ciclos ovulatórios, levando a maiores chances de gravidez”, diz o Dr. Edson.

Os relatos levantam ainda dúvidas relativas à uma possível interferência das drogas GLP-1 na absorção de contraceptivos orais, um suposto fator capaz de levar à falha no controle de natalidade em algumas situações reportadas. “Ainda assim, é preciso lembrar que análises específicas de cada caso e novas pesquisas precisam ser realizadas para geração de dados suficientes na avaliação dessa suposta correlação das ‘canetas emagrecedoras’ com o aumento no risco de gestação indesejada por aquelas mulheres que fazem uso de medicações contraceptivas”, enfatiza.

Da mesma forma, considerando que os estudos clínicos iniciais com Ozempic e drogas semelhantes não foram realizados em mulheres que querem engravidar ou que engravidam enquanto fazem uso deste tipo de medicamento, não é possível afirmar os tipos de efeitos adversos, como problemas à formação do bebê ou aumento no risco de aborto espontâneo, podem ser ocasionados.

A orientação geral para as mulheres é que sempre busquem aconselhamento médico especializado antes de fazer uso de medicações com semaglutida, tanto para obesidade quanto para diabetes tipo 2. Os riscos e benefícios devem ser avaliados de acordo com cada caso. Especificamente para casos a mulheres em processo de emagrecimento que desejem engravidar ou, por ventura, descubram uma gestação, a recomendação é suspender o uso de canetas injetáveis”, finaliza o Dr. Edson Borges.

‘Ozempic Baby Boom’

Mulheres relatam melhora da fertilidade e gravidez após medicamento. Tem relação?

Ainda não há estudos avaliando a relação entre medicamentos análogos de GLP-1 e fertilidade. Mas já é bem estabelecido que ocorre melhora da ovulação com a redução da resistência à insulina e a redução do peso, duas coisas promovidas por medicamentos como Ozempic

Pouco se sabe sobre os efeitos do Ozempic e de medicamentos semelhantes em mulheres que desejam engravidar ou que engravidam enquanto tomam os medicamentos, porque foram especificamente excluídas dos primeiros ensaios clínicos do medicamento. No entanto, já é bem estabelecido pela ciência que há melhora da ovulação com a redução da resistência à insulina e do peso, dois benefícios promovidos por esse tipo de medicamento”, pontua Fernando Prado, especialista em Reprodução Humana, Membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e diretor clínico da Neo Vita.

No entanto, existem diversos marcadores relacionados à fertilidade de um casal, que quando quer engravidar precisa ser acompanhado por uma equipe especializada e multidisciplinar. Não faz sentido usar um medicamento para emagrecer, sem orientação médica, com o objetivo de engravidar”, afirma o especialista. Segundo ele, esses medicamentos podem estimular uma perda significativa de peso, reduzindo o apetite e retardando o processo digestivo. Por enquanto, o que temos são relatos na internet e não se sabe quão difundido é esse fenômeno”, diz o Dr. Fernando.

Mas o que pode ter acontecido?

Com relação à gravidez com o uso desses medicamentos, existem algumas possíveis explicações. “A perda de peso pode afetar a ovulação e a fertilidade. Da mesma maneira, com o equilíbrio dos hormônios e a melhora da resistência à insulina, o acesso hormonal volta a funcionar e isso pode ajudar com que as mulheres comecem a ovular novamente – e dependendo do grau de resistência à insulina e obesidade, elas podem não estar ovulando há anos”, diz o Dr. Fernando.

As clínicas de fertilidade costumam contar com colaboração de equipe multidisciplicar, incluindo nutricionistas e médicos, pois sabem da relação entre a perda de peso e a melhora da fertilidade.

No geral, perder apenas 5 a 10% do peso corporal pode ajudá-las a engravidar, quando é esse o motivo da infertilidade. A gordura é hormonalmente ativa. Sabemos que tem efeitos sobre o estrogênio e terá impacto na ovulação e possivelmente no desenvolvimento dos óvulos”, diz o médico.

Há uma suspeita, também, de que os medicamentos interfiram nos contraceptivos orais em alguns pacientes. “Pode ser que os medicamentos GLP-1 também afetem a absorção de contraceptivos orais”, diz o médico.

Engravidei. E agora?

A maior preocupação entre as mulheres que engravidam usando GLP-1 é se o medicamento representa risco para o feto. Embora algumas mulheres tenham postado histórias tranquilizadoras de partos de bebês saudáveis, os médicos dizem que é melhor interromper o uso do medicamento imediatamente se você engravidar.

O próprio laboratório já comentou que não há dados suficientes disponíveis para saber se o medicamento representa risco de defeitos congênitos, aborto espontâneo ou outros eventos adversos relacionados à gravidez”.

Com base em estudos de reprodução animal para Wegovy, a empresa disse que ‘pode haver riscos potenciais para o feto devido à exposição à semaglutida durante a gravidez’”. Dessa forma, a empresa recomenda interromper o Wegovy (uma espécie de Ozempic “turbo”) pelo menos dois meses antes de uma gravidez planejada.

De acordo com as informações de prescrição do Ozempic, ratas grávidas que receberam Ozempic apresentaram anormalidades estruturais fetais, problemas de crescimento fetal e mortalidade embrionária. Em coelhos e macacos, ocorreram perdas precoces de gravidez ou anomalias estruturais, bem como acentuada perda de peso corporal materno.

No entanto, isso não quer dizer que esse tipo de medicamento não pode ser indicado. “Quando há obesidade e/ou os níveis de açúcar no sangue são altos, esse tipo de medicamento pode funcionar como uma estratégia inicial para perda de peso e melhora dos índices metabólicos. Isso pode ser feito em conjunto com o endocrinologista, principalmente em mulheres  em sobrepeso com menos de 35 anos, realmente com o objetivo de emagrecimento e normalização dos índices metabólicos, para então interrompermos esse tratamento e iniciarmos o planejamento de gravidez, seja ela natural ou com ajuda de técnicas de reprodução assistida”, diz o médico.

Por fim, devemos considerar que controlar o diabetes é importante para uma gravidez saudável. Os pacientes que tomam Ozempic para diabetes devem discutir os riscos e benefícios com seu médico”, finaliza.

Com Assessorias

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