Considerada uma esperança no tratamento do pequeno Murilo, o Mumu, de 4 anos, diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne (DMD), uma doença genética rara que afeta os meninos, Elevidys é uma terapia genética aprovada há um ano nos Estados Unidos. Já chamado de medicamento mais caro do mundo, custa R$ 17,2 milhões e ainda não chegou ao Brasil. Elevidys aguarda liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que avalia a eficácia da medicação, usada ainda em nível experimental. 

Se depender de pressão, o processo pode acelerar. Formado em sua maioria por pais e mães de crianças com Duchenne, um grupo de ativistas pressiona a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)  para que aprove o uso de Elevidys (SRP-9001), da Sarepta Therapeutics/Roche) no Brasil. Uma petição publicada na plataforma Change.org já reúne mais de 47 mil apoios – confira o abaixo-assinado. 

O SRP-9001 foi aprovado em junho de 2023 na Food and Drug Administration (FDA), a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, e mostrou melhorias significativas em pacientes com DMD em vários estudos. Segundo os organizadores da ação, a rápida aprovação do SRP-9001 no Brasil pode dar a muitos pacientes a mesma oportunidade de melhorar a qualidade de vida. De acordo com o movimento, “o SRP-9001 oferece um caminho promissor para combater a doença”.

Acreditamos que essa aprovação é necessária com urgência no Brasil porque cada dia conta para os pacientes e o tratamento mais rápido possível pode significar uma melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes com DMD”, afirmam os organizadores do abaixo-assinado.

Veja neste vídeo como a terapia é eficaz para o tratamento de crianças.

Prazo dado pela Anvisa terminou em junho

Em audiência pública realizada em abril deste ano na Comissão de Saúde da Câmara Federal sobre o registro do Elevidys, o representante da Anvisa, João Batista da Silva Júnior, explicou que a agência recebeu o pedido de registo da medicação em outubro do ano passado. Os documentos relativos à fase de testes clínicos chegaram em março deste ano.

Segundo o especialista, no dia 26 do mesmo mês a agência já havia terminado a análise documental. Até junho o órgão espera discutir os resultados clínicos com especialistas e visitar a fábrica nos Estados Unidos. Só então deve sair uma decisão sobre o registro. A partir daí, afirmou, a liberação vai depender do laboratório que produz o remédio.

Nós vamos ter em junho, parece, o panorama de todas as agências – Brasil, Estados Unidos e Europa – [pra saber] se realmente esse produto é eficaz e, se for, em qual medida ele é eficaz, para que a gente possa ter um acompanhamento claro, o médico saber os impactos que pode ter aquele produto, pelo menos do ponto de vista dos dados até agora”, disse João Batista da Silva Júnior,

Na mesma audiência, o  representante da Anvisa explicou que, por se tratar de uma tecnologia muito nova, a análise das terapias gênicas deve ser extremamente cuidadosa. Então, se a agência liberar o Elevidys e uma pessoa for tratada com ele, e logo em seguida outro laboratório desenvolver um medicamento genético mais eficaz, esse mesmo paciente não poderá receber a nova droga, porque ocorre uma resposta imunológica tão forte que poderia matar o paciente.

Laboratório ainda precisa comprovar que medicação é eficaz a longo prazo

O representante da Anvisa explicou também que o Elevidys, se aprovado no Brasil, precisará ser acompanhado por um longo período.

“Esse produto, quando for registrado, vai ser sob condições de monitoramento por 15 anos. A terapia gênica envolve um vírus adeno-associado, a gente tem que acompanhar, porque podem ter eventos adversos tardios – por exemplo, a formação de tumores”, explicou.

O vírus vai entrar na célula e colocar o gene, mas pode interferir no genoma. Isso não foi observado ainda, tem relatos de caso de malignidade secundária em animais, não tem ainda em humanos, mas nós temos que observar.”

Ainda conforme Silva Júnior, os Estados Unidos aprovaram o Elevidys de forma provisória, assim que os estudos indicaram que seria uma terapia eficaz. O laboratório ainda precisa comprovar que ele realmente funciona e é seguro para que se confirme o registro. Essa etapa por lá também deve ocorrer em junho, disse o representante da Anvisa.

Terapia genética foi aprovada há apenas um ano pelo FDA

Atualmente não há cura para a DMD, e as terapias existentes visam principalmente aliviar os sintomas da doença. A terapia genética surge, então, como uma nova esperança, mas ainda é uma medicação em fase experimental no mundo todo.

No dia 22 de junho de 2023, a Sarepta Therapeutics anunciou a aprovação pelo FDA (Federal Drug Administration – órgão governamental dos EUA que faz o controle de medicamentos) do primeiro medicamento do mundo utilizando terapia genética para pacientes com Distrofia Muscular de Duchenne.

O tratamento com microdistrofina Elevidys foi aprovado para pacientes pediátricos ambulatoriais de 4 a 5 anos com uma mutação confirmada no gene DMD. O medicamento consiste em uma terapia de transferência de genes de dose única para infusão intravenosa projetada para abordar a causa subjacente da DMD, por meio da produção direcionada de microdistrofina no músculo esquelético.

De acordo com a fabricante, o tratamento é inovador, pois além de abordar a causa genética raiz de Duchenne, foi desenvolvido para atender todas as mutações no gene da distrofina, com exceção em pacientes com qualquer deleção no exon 8 e/ou exon 9 no gene DMD, que são contraindicados para o tratamento.

A distrofina é responsável por ligar as proteínas do interior da célula muscular a outras proteínas do exterior, garantindo a estabilidade da fibra muscular e a transmissão da força de contração para todo o músculo. O portador de Duchenne não produz essa proteína, por isso, ao longo do tempo, a ausência da distrofina afeta a mobilidade motora e o funcionamento dos demais músculos do corpo.

A Sarepta esclareceu em seu comunicado que espera que a aprovação continuada aconteça após a apresentação dos resultados do estudo global de Fase 3 Eembark, estimado para o final de 2023.  Pacientes e médicos podem acessar mais informações em www.SareptAssist.com.

Médica a mãe de paciente comemora aprovação do medicamento

Mais de 80 pacientes tratados em três estudos contribuíram para o perfil de segurança do tratamento. Testes com crianças de 4 e 5 anos nos Estados Unidos mostraram que o Elevidys traz melhora significativa dos sintomas e “representa uma promessa de estabilizar o curso progressivo da doença de Duchenne”, segundo o médico Luís Fernando Grossklauss, responsável pela unidade neuromuscular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O que o tratamento irá fazer é justamente entregar um gene que codifica uma forma abreviada de distrofina para células musculares conhecidas como microdistrofina, permitindo que o corpo passe a produzir uma quantidade desta proteína capaz de limitar o avanço da doença”, explica a neurologista e neuromuscular infantil, Clara Gontijo.

A comunidade de Duchenne em todo o mundo comemora a aprovação, que deve ser um divisor de águas para o tratamento de Duchenne, trazendo esperança para milhares de famílias em todo o mundo, já que a doença não tem cura e os pacientes têm em uma expectativa de vida média de 20 a 30 anos.

A aprovação desse remédio traz esperança para toda uma comunidade que não tinha nenhuma opção. Agora temos um possível tratamento para nossos filhos. Claro que ainda estamos restritos para poucas crianças (4-5 anos), mas a esperança de que isso seja ampliado para mais idades é real e essa aprovação muda a história para nossa comunidade”, comemora Natália Negrini, mãe do Valentin de 5 anos, diagnosticado com Duchenne.

Primeiro caso na Justiça foi do menino Enrico

'Salve Enrico': Família faz campanha para conseguir tratamento de criança com distrofia muscular rara em Varginha, MG — Foto: Reprodução EPTV
‘Salve Enrico’: Família faz campanha para conseguir tratamento de criança com distrofia muscular rara em Varginha (MG) (Foto: Reprodução EPTV)

A primeira decisão referente ao fornecimento de ‘Elevidys’ no Brasil foi obtida pela família de Enrico, um menino de 5 anos, morador de Varginha (MG). Após determinação da Justiça em abril deste ano, o medicamento deve ser fornecido pela União para o tratamento da Distrofia Muscular de Duschenne.

Essa primeira vitória abre jurisprudência na Justiça para que outros pacientes diagnosticados no Brasil, como o Mumu, também consigam a medicação. Por ser um medicamento que ainda não tem registro da Anvisa, a família conseguiu todas as autorizações para a entrada e a aplicação do medicamento no Brasil.

Um a cada 6 mil bebês podem desenvolver a doença

Audiência Pública - Autorização pela ANVISA do medicamento Elevidys no tratamento da doença Distrofia Muscular de Duchenne. Médico Neurologista - UNIFESP, Luiz Fernando Grossklauss.
O médico Luís Fernando Grossklauss diz que os sintomas da distrofia muscular de Duchenne começam por volta dos 3 anos de idade (Foto: Agência Câmara)

Em audiência na Câmara Federal , em abril, o médico Luís Fernando Grossklauss, da Unifesp, explicou que o paciente com Duchenne não produz uma substância responsável pela recuperação dos músculos depois de uma contração. Com isso, a musculatura da pessoa acometida sofre atrofia, o que afeta inclusive órgãos vitais, como o coração.

Segundo o médico, não se sabe ao certo a prevalência da doença no Brasil, mas a estimativa é que a cada 6.000 ou 6.500 nascimentos uma pessoa terá o problema genético. A fabricante da medicação diz que a doença degenerativa acomete 1 a cada 3.500 nascidos vivos do sexo masculino no mundo. Os sintomas, conforme Luís Fernando Grossklauss, começam a aparecer por volta dos três anos e progridem rapidamente.

O Duchenne começa com 3 ou 4 anos de idade, aí vai progredindo essa fraqueza muscular. Por volta de 10 ou 11 anos de idade, eles param de andar, vão para a cadeira de rodas, começa a deterioração cardíaca e respiratória e, a partir daí, a criança vai necessitando de mais remédios cardiológicos e mais tempo de uso de bipap [respirador mecânico]. Hoje, normalmente o óbito corre por volta de 30, 40 anos de idade”, explicou.

Sem os tratamentos adequados, o paciente vive em torno de 20 anos. Segundo o especialista da Unifesp, hoje, as pessoas com atrofia muscular de Duchenne são tratadas basicamente com corticoides e fisioterapia, tanto motora quanto respiratória. Mas o uso constante de corticoides traz efeitos colaterais graves, como osteoporose, aumento de colesterol e de triglicérides e catarata. E esse tratamento não interrompe o desenvolvimento da doença.

Como são aprovadas as novas medicações no Brasil

A previsão é que a ainda este ano a Anvisa retorne – em média, os processos de avaliação de novas tecnologias têm levado seis meses na Conitec.O processo é o seguinte. Depois de aprovado na Anvisa, o que pode levar em média seis meses, a medicação tem que ser submetida à Conitec – Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias, que decide pela sua incorporação ou não no SUS.

Só depois de aprovação na Conitec é que é criado o Protocolo de Diretrizes Técnicas (PCDT), com orientações sobre o uso da medicação e, então, passa pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), que define o preço a ser ofertado no mercado.

Este órgão é composto por representantes dos Ministérios da Saúde, Economia, Justiça e Casa Civil, sendo que a Anvisa exerce o papel de Secretaria-Executiva da Câmara. Em geral, as medicações compradas pelo SUS são.

No caso dos chamados ‘medicamentos órfãos’, como o Elevidys, o governo assina um acordo de compartilhamento de risco e paga somente se a medicação, efetivamente, apresentar resultados. O valor das medicações em geral sai pela metade do preço quando a compra  é feita pelo SUS.

Mas por que os medicamentos para as duas doenças genéticas raras custam tão caro? E por que somente devem ver fornecidos pelo SUS?

Planos de saúde também são obrigados a fornecer medicamentos de alto custo

É importante lembrar que, uma vez incorporado ao Sistema Único de Saúde, em geral, um medicamento de alto custo também deve ser incluído no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), obrigando também os planos de saúde a fornecer a medicação a usuários que necessitam, por prescrição médica.

Em recente depoimento à CPI dos Planos de Saúde da Alerj, Marcos Novais, diretor executivo da Abramge (Associação Brasileira dos Planos de Saúde). alegou que a obrigatoriedade de oferecer medicamentos de alto custo, como Zolgensma e Elevidys, acabam impondo dificuldades financeiras a muitas operadoras.

Segundo ele, muitas empresas do setor sequer conseguem faturar mais de R$ 7 milhões por mês – valor que não paga nem a metade do Elevidys, por exemplo. No entanto, não foi informado quantos casos e quais os custos efetivos os planos estão tendo com essas medicações.

Com Agência Câmara e assessorias

Shares:

Posts Relacionados

1 Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *