Desde o início da pandemia de Covid-19, níveis elevados e generalizados do uso de antibióticos têm sido relatados. Mesmo sendo uma infecção viral, a Covid-19 tem sido tradada, equivocadamente, com antibióticos. Estudos apontam que 74,6% de antibióticos foram prescritos e 8,6% dos pacientes com o coronavírus tiveram infecção secundária ou coinfecção bacteriana.
A prescrição inadequada e excessiva de antibióticos e o uso indevido desses medicamentos, sobretudo durante a pandemia de Covid-19, são motivos de preocupação sobre o risco de aumento da resistência a antibióticos. Ricardo Ferreira, pediatra e gerente médico da GSK, observa a necessidade de os médicos que tratam pacientes com o coronavírus, levem em consideração o possível desenvolvimento de resistência adquirida ao prescrever antibióticos inadequadamente.
“A Covid-19 é causada por um vírus, o coronavírus (SARS-CoV-2), e não por uma bactéria. As principais organizações de saúde pública, agências reguladoras de medicamentos e sociedades científicas não recomendam o uso de antibióticos como medicamento para tratar a infecção por Covid-19, a menos que haja uma indicação clínica para fazê-lo, como infecções bacterianas”, explica,
Segundo ele, se não há, é um tratamento ineficaz, além do risco de poderem não funcionar devidamente numa eventual infecção bacteriana futura, por a bactéria já ter adquirido resistência àquele medicamento.”
A resistência antimicrobiana é uma das maiores ameaças à saúde pública contemporânea, tanto em países desenvolvidos quanto subdesenvolvidos, e estima-se que cause cerca de 700 mil mortes todos os anos. O fenômeno ocorre quando bactérias, fungos, vírus e parasitas sofrem mutações genéticas e acabam adquirindo resistência a medicamentos aplicados para combatê-los.
Com isso, esses remédios se tornam ineficazes; as infecções, persistentes e até incuráveis; e o tratamento não funciona. A previsão é de que, até 2050, 10 milhões de óbitos anuais serão atribuídos à resistência antimicrobiana, o que significa mais mortes do que o câncer, e o efeito para a economia global será de aproximadamente US$ 100 trilhões.
Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) promove anualmente, entre 18 e 24 de novembro, a Semana Mundial de Conscientização sobre o Uso de Antibióticos. A campanha global visa sensibilizar o público em geral, trabalhadores da saúde e formuladores de políticas para promover melhores práticas, a fim de evitar o surgimento e disseminação da resistência ao medicamento.
Como ocorre a resistência bacteriana?
“É a bactéria que se torna resistente ao antibiótico e não o indivíduo. A resistência microbiana se dá pelo uso excessivo de antibióticos, uma das classes de medicamentos mais prescritas e dispensadas para uso terapêutico e profilático em todo o mundo”, explica Dr Ricardo.
Algumas causas são a intensificação da prescrição desse tipo de medicamento a pacientes, inclusive em situações em que poderia haver um tratamento alternativo, e a facilidade de acesso da população a eles, diante da ausência de medidas de restrição e controle de receituário em alguns países.
Por outro lado, afirma o médico, em países onde o acesso aos serviços de saúde e fornecimento de medicamentos é limitado, a automedicação e o consumo de remédios oriundos do mercado informal, com preservação ou origem suspeita, também é uma ameaça.
“Diante desses cenários, desenha-se uma era pós-antibióticos preocupante, em que infecções comuns e ferimentos leves com tratamentos já dominados pela medicina moderna podem voltar a matar”, ressalta.
O médico destaca cuidados simples, mas importantes, que todos podem tomar para prevenir e que ajudam a evitar que surjam as chamadas ‘superbactérias’:
- Respeitar a dosagem do medicamento recomendado pelo médico;
- Cumprir os dias de uso prescritos – mesmos que os sintomas tenham desaparecido, deve-se completar o ciclo;
- Observar validade e estado de conservação do medicamento;
- Atentar para a qualidade do antibiótico;
- Não compartilhar receitas ou medicamentos.
Impactos do mau uso dos antibióticos
Pneumonia, tuberculose, sepse, amigdalite, infecções urinária, alimentar, respiratória, sexualmente transmissíveis, entre outras: é extensa a lista de doenças tratadas atualmente com antimicrobianos, mas que podem se tornar intratáveis com aumento da resistência dos agentes causadores.
Tais medicamentos significam ainda otimização da recuperação de pacientes que passaram por transplantes de órgãos, quimioterapia e cirurgias como a cesárea – procedimentos que podem voltar a se tornar mais perigosos.13 O grande impacto da resistência bacteriana é colocar as conquistas da medicina moderna em risco, uma vez que o fenômeno é mais rápido do que o desenvolvimento de novos fármacos.
“No escopo da saúde, as principais consequências de bactérias resistentes são o aumento da morbidade e da mortalidade. As internações hospitalares se prolongam, as terapias profiláticas se tornam menos efetivas, e os custos de tratamento se elevam, gerando impacto financeiro considerável aos sistemas de saúde e às pessoas. Veremos algumas doenças com o tratamento dominado pela medicina voltarem a afetar a qualidade de vida das famílias e a fazer vítimas”, pontua Dr. Ricardo.
Cuidados com limpeza em hospitais
Além da prescrição e uso consciente de antibióticos por parte de médicos e cidadãos para evitar a resistência bacteriana, os cuidados de assepsia em hospitais também são importantes, já que são locais propícios para esse tipo de fenômeno, onde de 50% a 60% dos medicamentos utilizados são antibióticos.
O cumprimento de medidas de controle de infecção hospitalar – como a lavagem das mãos, uso de EPIs, e esterilização de instrumentos – ajuda a minimizar a emergência de bactérias resistentes.
Outras indicações da OMS para evitar a resistência a antibióticos são expandir a rede de saneamento básico; consumir apenas água potável; lavar bem os alimentos; vacinar-se; e racionalizar o uso de antimicrobianos no setor agropecuário.
“As indústrias farmacêuticas também precisam contribuir na busca por alternativas aos antimicrobianos já existentes. Temos frentes de pesquisas para desenvolvimento de uma nova geração de antibióticos que possa substituir os que são usados hoje, mas que encontram resistência a algumas bactérias ou outros microrganismos”, finaliza o Dr. Ricardo.