Por Sílvia Marcuzzo*

Enquanto as chamas ardem na pele de bichos no Mato Grosso e água, mais uma vez, vai pegando seu lugar no Rio Grande do Sul, a ansiedade climática vai conquistando território nos corações e mentes. Os afetados são principalmente aqueles que vão juntando as peças desse imenso quebra-cabeças sistêmico onde tudo está interligado.

Para segurar a onda desse momento da história, precisamos não só estar atentos, vigilantes, mas sabermos como nos adaptar, como lidar com esse contexto de crise climática que nos invade, sem pedir qualquer tipo de licença. Confesso, que não é ‘morder água’. É complicada essa ginástica emocional de saber usar a razão em situações em que não estamos conseguindo encontrar a luz no fim do túnel.

Creio que a nossa única opção, enquanto respiramos é justamente tentarmos nos fortalecer para encarar essa situação. Ela veio para desembarcar na nossa existência (o que as outras gerações fizeram, deixaram a conta para as próximas pagarem).

Sim, vivi boa parte da minha vida só ouvindo falar que esse dia um dia ia chegar. Pois é. Chegou. E antes do tempo. Não só para mim, mas para boa parte dos cientistas, ambientalistas que acompanham esse assunto.

Como não dá para parar a rotação da Terra e pedir para descer dessa nave, nem tão pouco, ir para algum lugar que não esteja enfrentando algum tipo de anomalia climática – tá certo, que tem lugares bem piores que outros – precisamos encontrar alternativas de sermos relativamente felizes onde estamos.

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‘Escuta que faz Bem’: criando um clima de confiança

E aí, tenho uma boa notícia! Especialmente se você mora em Porto Alegre ou Canoas, duas cidades altamente impactadas pelas águas e pela inoperância dos governos. No dia 24 de junho começou o projeto ‘Escuta que faz bem’, capitaneado pelo POA Inquieta e pelo Domus Centro de Formação em Terapia Familiar. Confira a live que fiz com a Andrea, que é procuradora do município de Porto Alegre aposentada e mediadora e participante do projeto.

A proposta nasceu em meio ao caos vivido pelas enchentes deste ano, baseada na experiência dos “Escuchaderos”, de Medellín. Lá esses espaços são instalados em estações de metro, teleféricos, próximos a prédios de grande circulação, onde a população pode desabafar.

A ideia é oportunizar um clima de confiança com profissionais habilitados para todos que quiserem falar, sem qualquer custo financeiro. Contar o que estão sentindo, como estão atravessando esse momento. Moro em um bairro que foi parcialmente atingido, o Menino Deus, sei bem o quanto esse desastre impactou a vida de muita gente. Isso que aqui o estrago foi menor que em lugares onde as casas inteiras foram arrastadas.

A Adriane Ferrarini, uma das coordenadoras técnicas da iniciativa, me contou que a Panvel não só cedeu o espaço, como bancou a infraestrutura para o projeto e está pagando um valor de hora “solidária” para as pessoas que se dispuseram a trabalhar. Segundo a Adri, que é professora universitária e pesquisa experiências sociológicas da capital de Antióquia, na Colômbia, a primeira etapa do projeto rodou durante a enchente.

Agora, essa fase tem previsão de rolar durante dez semanas. Tudo foi criado com base na nossa realidade, uma metodologia feita especialmente para esse momento, um APP para marcação dos atendimentos e que poderá ser escalado na medida em que for consolidado. Cerca de 100 pessoas estão envolvidas na iniciativa que está em operação em cinco endereços, um em Canoas e quatro em Porto Alegre.

Segundo a articuladora do POA Inquieta, que tive o privilégio de conviver no grupo da missão Medellín, em dezembro de 2021, a ideia do projeto é ser um laboratório cidadão, um protótipo para o desenvolvimento de três eixos: influenciar positivamente na saúde emocional das pessoas, contribuir para melhorar o relacionamento de vínculos e, se for o caso, encaminhar pessoas para outras instâncias, especialmente para oportunidades de trabalho.

Ou seja, tudo isso serve para evidenciar que mais que virar um limão em uma limonada, precisamos saber aproveitar nossas potencialidades, sair da zona de conforto, fugir daquela vibe de vítima e fazer as coisas acontecerem dentro do possível. Parabéns para todas as pessoas que estão tornando esse sonho em realidade.

Minha consideração e respeito ao Cesar Paz, à querida Claudia Giongo, que está a frente da coordenação junto com a Adriane e a psicóloga Francieli Galli. Por essas e por outras que precisamos conjugar o verbo esperançar. Clique aqui para marcar sua conversa em um dos pontos de atendimento.

Sílvia Marcuzzo

Sílvia Marcuzzo é jornalista, artivista, mestranda na Famecos/PUCRS e integrante do Grupo de Pesquisa sobre Comunicação, Crise e Cuidado. Articuladora de coletivos, repórter freelancer e editora de publicações socioambientais. Trabalha com comunicação e meio ambiente desde 1993. É consultora e assessora de organizações que atuam pelo bem da coletividade, por um mundo mais sustentável e com qualidade de vida para todos. Saiba mais em silviamarcuzzo.com.br

Texto publicado originalmente no site Sler.

 

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