Repercutiram em todo o Brasil as imagens da agressão sofrida por um professor de 53 anos dentro de uma escola no Distrito Federal pelo pai de uma aluna. O motivo? O professor chamou a atenção da estudante por usar celular em sala de aula – uma prática que, inclusive, está proibida no Brasil desde o começo do ano.

O caso trouxe novamente à tona a violência no ambiente escolar, muitas vezes praticada até mesmo por familiares de estudantes contra professores, como foi o caso. Mas também retoma um debate que foi bastante acentuado em todo o Brasil nos últimos tempos: os danos causados pelo uso indiscriminado de dispositivos eletrônicos dentro das escolas.

O acusado, de 41 anos, foi contido pela própria filha com um ‘mata-leão’, golpe capaz de imobilizar o agressor. E responderá por lesão corporal, injúria e desacato, mas, apesar do flagrante, não chegou a ser  preso. Já o professor, que não quer ser identificado, disse estar “sem condições psicológicas” de retornar à sala de aula.

Vou ficar afastado por um tempo. Esta semana vou a uma consulta médica, pois estou abalado com tudo que está acontecendo e não tenho condições psicológicas de voltar ao trabalho imediatamente”, declarou.

Escolas registram melhora no desempenho e queda no cyberbullying

Proibição fortalece papel da escola como espaço de convivência e desenvolvimento integral, segundo avaliação de psicóloga e dados preliminares

Casos como o ocorrido na escola do DF tendem a se tornar mais raros. Aprovada em janeiro deste ano, a Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de celulares e dispositivos portáteis em escolas de educação básica em todo o Brasil, já tem os seus primeiros resultados observados por instituições de ensino, especialistas e famílias. Uma pesquisa divulgada  nesta segunda-feira (21) mostra que o uso da internet nas escolas caiu entre crianças e adolescentes dos 9 aos 17 anos -, reflexo, entre outros fatores, da proibição do celular no ambiente escolar.

Outros relatórios e levantamentos preliminares indicam avanços no desempenho acadêmico, maior socialização entre os alunos e uma redução significativa nos casos de cyberbullying. Em São Paulo, escolas estaduais registraram aumento médio de até 20% nas notas dos alunos no segundo bimestre, em comparação ao mesmo período de 2024, segundo levantamento divulgado pela DW. No Rio de Janeiro, estudantes do 9º ano tiveram 53% mais chance de atingir o nível adequado em matemática, enquanto no 8º ano o avanço foi de 32%.

Além da melhora no rendimento, a proibição também parece ter ampliado a interação entre os alunos nos intervalos. Um levantamento do IBGE com 210 estudantes do Distrito Federal revelou que 66% perceberam aumento na comunicação entre colegas desde a entrada em vigor da nova legislação. Entre alunos de escolas privadas, a pesquisa identificou ainda um ganho na concentração em sala de aula.

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Redução de 28% nos casos de cyberbullying

Para a psicóloga Andrea Beltran, especialista em psicologia analítica junguiana, os resultados refletem uma mudança de ambiente nas escolas. “Sou totalmente a favor da retirada dos celulares das salas de aula. Essa medida contribui diretamente para a redução do cyberbullying e para a retomada da convivência social entre os alunos, algo essencial para o desenvolvimento emocional e psicológico”, afirma.

Dados do Relatório de Tendências de Comportamento Digital 2025 reforçam a percepção da especialista. O documento aponta uma redução de 28% nos casos de cyberbullying nas escolas que passaram a aplicar as restrições previstas na lei.

É um dado relevante, que mostra o impacto direto da regulação no ambiente escolar. Ao eliminar o principal canal das agressões virtuais durante o período letivo, estamos promovendo segurança emocional para os estudantes”, diz a Dra. Andrea.

A psicóloga destaca ainda que o retorno das interações presenciais tem papel decisivo na formação de crianças e adolescentes. “Professores e gestores relatam que os intervalos e os corredores voltaram a ser espaços de brincadeiras e trocas. Esse tipo de convivência fortalece habilidades sociais fundamentais e estimula o senso de pertencimento, muitas vezes fragilizado pelo uso excessivo das telas”, analisa.

Sem celular, mais foco: o impacto da lei nas escolas

Colégio no Rio mostra como a medida transformou o convívio e fortaleceu o desempenho dos alunos

No calor dos corredores da unidade da Barra da Tijuca – inaugurada em fevereiro de 2025 – um silêncio que não incomoda se reflete no clima de sala de aula e nos resultados. Muito antes da sanção da lei nacional que restringe o uso de celulares em escolas, o PB Colégio e Curso já tinha essa disciplina como regra em todas as suas unidades, tanto no Rio como em Niterói. Hoje, com a consolidação da norma, a instituição celebra não só pioneirismo, mas também benefícios concretos: mais foco, melhor desempenho acadêmico e alunos que redescobrem o valor da convivência fora das telas.

Em entrevista recente, o secretário municipal de educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha, destacou que “acredita que, além de aprender Português e Matemática, que é fundamental, a escola também é um local de interação social, onde a criança tem que aprender a cair, levantar, correr, ser criança, perder e ganhar. Essa convivência é um aspecto essencial”. No PB, essa lógica já era uma prática consolidada antes mesmo de virar lei.

Um desafio transformado em conquista

Na Barra, a lei coincidiu com a inauguração da nova unidade, o que trouxe um desafio extra. Segundo o diretor Jonas Stanley, foi preciso firmeza e diálogo para conquistar a confiança de alunos e famílias.

Foi um ano de estreia em todos os sentidos: a unidade era nova, os alunos estavam chegando e, ao mesmo tempo, a lei começava a valer. Muitos estudantes, principalmente os da 1ª Série do Ensino Médio, sentiram o impacto de não poder usar o celular. E não foram só eles, muitos pais ficaram inseguros, temendo não conseguir falar diretamente com os filhos durante o dia”, lembra Stanley.

A solução veio com proximidade e comunicação constante:

Conversamos muito com os responsáveis para mostrar que havia outros canais de contato e que a prioridade era devolver o foco em sala de aula. Aos poucos, com os resultados aparecendo, a segurança das famílias também veio. Hoje, os pais são os primeiros a defender a medida.”

Para além da sala: manejo social e convivência

Segundo Stanley, o veto ao celular não beneficia apenas o aprendizado, mas também a vida em comunidade:
“Encontrar os amigos, jogar, conversar olho no olho… tudo isso voltou a ganhar espaço. A escola também é lugar de interação social, e vimos esse lado florescer mais ainda com o celular fora de cena.”

Ele reforça que, tanto na vida social quanto na profissional, saber dialogar, ouvir e conviver é essencial, e que o celular muitas vezes rouba essa capacidade. “Os jovens passaram a se relacionar mais, a desenvolver habilidades de comunicação e a construir vínculos que a tela antes bloqueava. Esse manejo social é um ganho que levamos para a vida inteira.”

Foco que gera resultados

A adaptação rendeu frutos rapidamente: turmas mais concentradas, recreios mais cheios de interações reais e um desempenho acadêmico que segue consolidando a marca do PB. Com altas taxas de aprovação em vestibulares, conquistas em olimpíadas e destaque em rankings de desempenho, a rede reafirma que a disciplina também é ferramenta de liberdade.

Foi desafiador no começo, mas hoje vemos que valeu a pena. O celular deixou de ser protagonista e o estudante voltou a ocupar esse papel. Mais do que notas, conquistamos jovens mais atentos, mais sociáveis e mais preparados para os desafios do futuro”, conclui Stanley.

O que muda sem celular, segundo o PB

Mais atenção em sala – alunos acompanham melhor as aulas e reduzem distrações
Recreios mais vivos – jogos, conversas e amizades retomam espaço
Habilidades sociais – jovens desenvolvem manejo social, diálogo e empatia
Resultados acadêmicos – aprovações expressivas e conquistas em olimpíadas

Famílias também devem limitar uso de tecnologia em casa

Apesar dos avanços, a psicóloga Andrea Beltran afirma que o debate não deve se encerrar nos portões da escola. “É fundamental que as famílias também se envolvam e estabeleçam limites ao uso da tecnologia em casa. Muitos pais retiram os celulares dos filhos na escola, mas permitem o uso irrestrito no ambiente doméstico. Essa contradição compromete os resultados e expõe as crianças aos mesmos riscos”, avalia.

Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2025, 95% das crianças e adolescentes acessam a internet diariamente no país, e 70% iniciam esse hábito antes dos 10 anos. Para a psicóloga, esse comportamento demanda vigilância e orientação. “O uso precoce e desregulado das redes sociais pode afetar diretamente a autoestima, a concentração e a saúde mental dos jovens. A escola dá o primeiro passo, mas é em casa que essa educação precisa continuar.”

A especialista também aponta o consumo rápido de conteúdo como um fator preocupante. “A predominância de plataformas como TikTok e Instagram está moldando um padrão mental que prejudica a capacidade de leitura, interpretação e diálogo. É preciso reverter esse processo com estímulo à leitura, à escuta e ao pensamento crítico”, defende.

Outra questão apontada pela Dra. Andrea é a dificuldade crescente das crianças em lidar com o ócio. “Muitas não sabem mais o que fazer com o tempo livre. Estão sempre em busca de estímulos digitais. Recuperar o tédio criativo, o brincar espontâneo, é uma das tarefas mais urgentes que temos hoje na formação infantojuvenil”, observa.

Ela defende que as escolas invistam em ações de orientação às famílias. “Rodas de conversa, palestras e grupos informativos são estratégias eficazes para ampliar a conscientização. Já participei de iniciativas assim e vejo como fazem diferença. Os pais precisam entender os riscos reais do uso excessivo das telas”, afirma.

A Dra. Andrea Beltran propõe a criação de disciplinas voltadas à cidadania digital. “Temas como ética online, segurança na internet e comportamento nas redes devem fazer parte do currículo escolar. As crianças precisam ser preparadas para atuar com responsabilidade no mundo digital, e isso só é possível com educação continuada e diálogo aberto”, conclui a psicóloga.

Com Assessorias

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