A expectativa de vida global subiu de 43 para 78 anos, mas para nações em desenvolvimento como o Brasil, a desigualdade, a falta de planejamento e o preconceito ameaçam a dignidade na velhice. A questão agora não é apenas viver mais, mas sim dar mais vida aos anos, um lema que guia os 50 anos de estudo do médico e gerontólogo Alexandre Kalache.
Perto de completar 80 anos, o ex-diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das maiores referências globais em envelhecimento ativo, e traz uma reflexão contundente em entrevista exclusiva ao PORTAL VIDA E AÇÃO, após participar do painel ‘O Fim do Bônus Demográfico e os Desafios do Mercado da Saúde’, durante a Fisweek 2025.
O ritmo do envelhecimento brasileiro é dramático. Segundo Kalache, o que a França levou 145 anos para fazer (dobrar a proporção de idosos na população, de 10% para 20%), o Brasil fará em apenas 19 anos. Para o especialista, “A revolução da longevidade” – título do novo livro que ele acaba de lançar – já chegou ao Brasil, mas nosso país está envelhecendo rápido, pobre e despreparado.

O alerta cruel: envelhecer antes de enriquecer

Essa velocidade, combinada com a desigualdade social, é o cerne do problema. O gerontólogo é categórico: “A longevidade já existe. Essa revolução da longevidade já ocorreu.

Kalache traça um contraste brutal com nações desenvolvidas: “Nos países mais desenvolvidos, primeiro eles enriqueceram para depois terem envelhecido. Nós estamos envelhecendo em pobreza, em miséria, com desigualdade” .

Enquanto a população envelhece, o país não conseguiu consolidar uma base de políticas públicas e infraestrutura que garantam o bem-estar dos mais velhos, deixando 83% dos idosos dependentes exclusivos de um Sistema Único de Saúde (SUS) ainda em aprimoramento.

Um dos pontos mais críticos levantados pelo gerontólogo é a situação do cuidado no fim da vida. Kalache fez uma declaração impactante durante a Fisweek, e a reforçou na entrevista: o Brasil é o terceiro pior país do mundo para se morrer.

Por que que é um país ruim para morrer? Porque você não tem assistência continuada, você só depende da família, você não tem políticas públicas”.

Segundo ele, o país está formando duas gerações perdidas: jovens que não estudam nem trabalham (nem-nem) e pessoas maduras sem renda nem emprego (sem-sem), deixando 83% dos idosos dependentes exclusivos de um Sistema Único de Saúde (SUS) ainda em aprimoramento.

O estigma do cuidado e a ‘tragédia’ do fim da vida

Um dos pontos mais críticos levantados pelo gerontólogo é a situação do cuidado no fim da vida. Kalache fez uma declaração impactante durante a Fisweek: o Brasil é o terceiro pior país do mundo para se morrer.

Essa dura realidade se deve à falta de:

  • Políticas públicas de continuidade: Iniciativas que não dependam da mudança de governos.

  • Pessoas e profissionais treinados: Um déficit gigantesco de geriatras (precisaríamos de 30 mil, mas temos apenas 2 mil) e cuidadores qualificados.

  • Cultura do cuidado: O Estado joga o fardo para a família – majoritariamente para as mulheres – sem dar o suporte necessário. “Não tem pessoas treinadas para oferecer o cuidado terminal”.

Kalache defendeu o fim do tabu em torno da institucionalização de idosos (popularmente chamadas de ‘asilos’, ‘casas de repouso’ ou, mais recentemente, Instituições de Longa Permanência – ILPIs).

A única forma de lutar contra o estigma é esclarecer para a população: não tenha vergonha. Se você precisa institucionalizar essa pessoa mais idosa, é porque você não está conseguindo,” disse o especialista, reforçando que, muitas vezes, é a melhor resposta para a exaustão física e mental dos cuidadores familiares. Ele cobra maior fiscalização das instituições privadas e a urgente criação de mais lares públicos de qualidade.

Combatendo o idadismo e a falha da comunicação

Kalache é um crítico fervoroso do idadismo (ou etarismo) e de expressões que, segundo ele, tentam negar ou maquiar a velhice, como ‘melhor idade’ ou ‘economia prateada’ (que só atinge 15% da população). Para ele, o preconceito é o maior obstáculo da longevidade inclusiva e é cruel, especialmente quando atinge mulheres, pessoas negras e pobres.

Ele propõe uma mudança de narrativa que comece pela eliminação de preconceitos: “Eliminar o idadismo… se a gente não eliminar esses preconceitos todos e a intersecionalidade, como ele disse, a gente vai dar errado. A gente vai ser um país cada vez menos humanizado”.

Ele propõe uma mudança de narrativa:

  1. Educação desde a infância: O tema do envelhecimento precisa ser inserido na base, combatendo o preconceito na formação das novas gerações.

  2. Preparação profissional: Menos de 0,5% dos estudantes de Medicina escolhe a geriatria, uma escolha que não condiz com a realidade de um país que será majoritariamente idoso.

  3. Comunicação com Gerontologia: A publicidade e o marketing devem abandonar estereótipos, reconhecendo a velhice sob a ótica da “gerontolescência” (entre 55 e 85 anos), uma fase que pode ser de autonomia, prazer e dignidade.

Não há nada mais moderno, hoje, do que envelhecer,” provocou Kalache.

A mensagem aos leitores: comece agora e capriche!

Alexandre Kalache, que está perto dos 80 anos e continua ativo, produtivo e com propósito, deixou um recado direto aos leitores do Portal Vida e Ação: o segredo para envelhecer bem é começar cedo, combinando esforço pessoal e exigência de políticas públicas.

Envelhecimento é gerúndio, nós estamos envelhecendo, e por isso as oportunidades para os mais jovens que almejam ser os idosos de amanhã devem estar garantidas desde a juventude,” afirmou.

No entanto, sua principal mensagem é de ordem humana: “Eu não sou médico para dar recado, eu sou médico para poder sentir o que vocês sentem, eu tenho que ter empatia”. Ele finaliza com um apelo pela prática da empatia e o reconhecimento da nova realidade demográfica:

Eu espero que a empatia que eu proponho ter com você seja a empatia que você tem com as pessoas que estão ao seu redor. E cada vez mais nós vamos ter pessoas idosas, queira ou não, ao nosso redor”.

Para o especialista, o futuro de cada um de nós depende de como tratamos o presente dos mais velhos. O gerontólogo aconselha que, se você quer chegar aos 90 ou 100 anos com qualidade, deve:

  • Começar já: Mude a dieta, pare de fumar, mova-se.

  • Investir em capital social: Vá além das redes sociais. Cultive amigos verdadeiros e o contato olho no olho.

  • Ter um propósito de vida: Saiba o que te faz levantar da cama. A motivação é essencial.

  • Ser mais leve: “De adulto ranzinza ninguém gosta, e velho ranzinza ninguém atura.”

Kalache finalizou com um apelo por empatia, lembrando que a revolução da longevidade significa que, “querendo ou não, estaremos cercados” por pessoas idosas. O futuro de cada um de nós depende de como tratamos o presente dos mais velhos.

Longevidade e bem-estar na Fisweek

A trilha ‘Longevidade e Bem-Estar’ foi uma das mais procuradas, dentre as 15 oferecidas aos participantes da Fisweek em paineis que reuniram mais de 700. Do debate com Kalache, também participaram o médico sanitarista Nilton Jr..  diretor de Programa da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde/ o médico Fernando Uzuelli, head do Grupo Sabin, e Bernardo Tura, chefe de Departamento do INC

O tema também esteve presente nos lounges de diversos expositores, incluindo startups que desenvolvem novos produtos e serviços para atender ao avanço da ‘economia prateada’. Media partner oficial do evento, VIDA E AÇÃO também aproveitou para apresentar em seu estande o projeto ‘Saúde sem Idade – Inspiração para uma Vida Longa e Plena’, que incentiva a longevidade ativa e saudável.

Realizada em parceria com o site Comida na Mesa, a iniciativa já contou com três eventos presenciais, reunindo mais de 300 pessoas este ano na Praia de Copacabana. A próxima edição está prevista para fevereiro de 2026, em data a ser divulgada.

Shares:

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *