O câncer é a segunda doença que mais mata no mundo e no Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atrás apenas das doenças cardiovasculares, como infarto e AVC. São 18 milhões de novos casos de câncer a cada ano em todo o mundo e 43,8 milhões de pessoas vivendo os cinco anos de prevalência da doença. Somente no Brasil, eram estimados 625 mil casos em 2020, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), e mais 1,3 milhão de pessoas curadas na fase de manutenção.
Mas, infelizmente, as chances de cura que, nos últimos anos vinham se mantendo na faixa entre 60% e 70% dos casos, devem diminuir por conta da pandemia da Covid-19. A demora no diagnóstico e início do tratamento do câncer por causa da longa quarentena representa risco de morte para milhares de pessoas. Isso porque alguns tipos de câncer evoluem rapidamente e um prazo de 30 a 90 dias pode ser decisivo para definir a sobrevivência ou não de um paciente.
Para falar sobre os possíveis riscos de uma nova epidemia de câncer, com milhares de vítimas fatais no pós-pandemia da Covid-19, o Portal ViDA & Ação convida para a nona edição do #PapodePandemia deste sábado, dia 1º de agosto, a epidemiologista Liz Almeida, chefe da Coordenação de Vigilância e Prevenção do Inca, e o cirurgião de cabeça e pescoço Leonardo Rangel, pesquisador pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
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Rosayne Macedo, editora-chefe do Portal ViDA & Ação e apresentadora do #PapodePandemia, aborda o medo das pessoas em buscar atendimento e como o diagnóstico e tratamento precoces para o câncer são fundamentais para vencer a doença. “Tudo isso sem falar, infelizmente, na influência nociva das fake news para os cuidados com a saúde, que se intensificaram em tempos de pandemia”, ressalta.
De acordo com o Inca, a melhor forma de evitar a doença é a prevenção. Sem fazer consultas, nem exames de rotina como ultrassonografia, sangue e ressonância magnética, entre outros, não há diagnóstico precoce. Para a Dra. Liz Almeida, o medo de as pessoas se contaminarem com o Sars-Cov-2 num ambiente hospitalar é natural, mas é necessário não adiar a ida aos médicos e a realização de exames somente quando há sintomas ou suspeitas, e, uma vez diagnosticado, não interromper o tratamento.
O número de mortos de pacientes com câncer em casa, sem tratamento, dobrou durante os meses de abril e maio de 2020 em comparação com o mesmo período do ano anterior, no Rio de Janeiro. A pesquisa realizada pela Fiocruz aponta o registro de 280 óbitos em casa nesse período.
O câncer é uma doença devastadora que não espera. Vemos diariamente pessoas morrendo silenciosamente, muitas delas dentro de suas casas, enquanto as vítimas fatais da Covid-19 ganham os noticiários. Por isso a importância de trazermos este tema tão importante e sério em nosso #PapodePandemia neste momento em que vemos a curva da pandemia do novo coronavírus continuando a ascender. Será que os pacientes de câncer podem esperar por um diagnóstico ou pelo tratamento enquanto essa pandemia não passar ou tivermos a vacina?”, questiona Rosayne.
Julho Verde e os riscos para o câncer de cabeça e pescoço
Esta semana, ViDA & Ação trouxe uma série de matérias sobre câncer de cabeça e pescoço, por conta do Julho Verde, mês de conscientização e prevenção da doença. Um dos riscos é com relação ao maior consumo de álcool e tabaco durante a pandemia, que são alguns dos principais fatores de risco para esses tumores.
Médico no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), ligado à Uerj, Leonardo Rangel ressalta a preocupação dos médicos que atuam na “linha de frente” de combate a esta que é, historicamente, uma das maiores epidemias mundiais. “É essencial num momento como esse divulgar como prevenir estes tipos de câncer, ressaltar a importância de realizar exames periódicos, como ultrassonografia, sangue, ressonância magnética, por exemplo, assim como dar continuidade às consultas médicas”, disse.
De acordo com o Instituto Oncoguia, organização de apoio a pessoas com câncer, as mortes causadas pela doença podem crescer 20% até o fim de 2020 e até mesmo os tipos com alto índice de cura terão tratamento mais difícil. Realizada entre os meses de março e abril, a pesquisa revelou que 43% dos 429 pacientes oncológicos entrevistados foram impactados pela pandemia, com procedimentos adiados, cancelados e dificuldades de marcar consulta.
O número de exames oncológicos também sofreu alteração significativa durante a pandemia. Segundo pesquisa da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), eles tiveram queda de aproximadamente 80% entre fevereiro e março. O levantamento mostra ainda que as cirurgias caíram pela metade e as clínicas de diagnóstico por imagem tiveram 70% de redução na realização de exames nesse período.
Muitos profissionais de saúde estão preocupados e temem um aumento do número de pessoas infectadas pelo câncer. Ricardo Cotta, cirurgião oncologista do aparelho digestivo e especialista em cirurgia minimamente invasiva, reforça que um dos principais desafios na era Covid-19 e pós-Covid em relação ao câncer é não deixar que diagnósticos e tratamentos deixem de ser realizados.
O que vimos nos meses que se passaram foram pacientes não acessando os médicos com medo de se contaminar. E por conseguinte, hipóteses diagnósticas e exames complementares não foram solicitados. Soma-se a isso o fato de que doenças oncológicas não deixaram de existir, muito pelo contrário, as doenças evoluíram e se manifestaram da pior forma, gerando mais complicações”, pontua o médico, que atua no Hospital Municipal Miguel Couto e no Hospital Quinta D’Or, no Rio de Janeiro.
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O oncologista Luiz Antonio Negrão Dias, professor do curso de Medicina da Universidade Positivo, chama a atenção para o fato de que 10% de queda na taxa de cura do câncer podem representar 30 mil mortes a mais no Brasil. “O câncer possui no tempo um fator progressivo, uma corrida contra o relógio, principalmente quando é no pâncreas ou pulmão”, afirma.
De acordo com o médico, com a pandemia, o isolamento social e o medo do contágio, a procura de novos pacientes pelas consultas médicas reduziu de 50% a 75% na capital paranaense – e a redução, em maiores ou menores proporções, foi observada em todo o país. Na visão dos médicos oncologistas, isso está fazendo com que muitos pacientes novos não estejam sendo diagnosticados.
Enquanto os pacientes estão isolados, a doença está progredindo com risco de que o diagnóstico possa ser retardado a ponto de determinar a diferença entre cura ou não do câncer. Não temos como prever isso agora e muito vai depender da agilidade de diagnóstico e tratamento após a pandemia”, avalia Negrão Dias, apontando para uma provável sobrecarga de pacientes após o isolamento.
‘Doença pode avançar até situação irreversível’, diz médico
Especialista em cirurgia robótica em pacientes de câncer de próstata, Ramon Andrade de Mello alerta que os pacientes não devem suspender o tratamento sem orientação médica. “O medo do novo coronavírus não pode ser motivo para desistir da consulta médica. O câncer é uma situação de emergência e deve ter a mesma prioridade da Covid-19”, ressalta.
A interrupção dos cuidados pode levar à perda da ‘janela’ de tratamento do paciente e a doença avança até chegar em uma situação irreversível”. explica o médico oncologista, que também é professor de Oncologia Clínica da Unifesp e da Escola de Medicina da Universidade do Algarve (Portugal).
Segundo ele, as orientações são as mesmas para aqueles pacientes que adiam o diagnóstico da doença sem orientação de um especialista. “O diagnóstico precoce do tumor oncológico aumenta as chances de resultados positivos para os pacientes. Em alguns casos, é até possível adiar a cirurgia ou início de uma quimioterapia, mas uma espera de três meses faz uma grande diferença”, adverte.
Situação se repete mundo afora
A situação não ocorre apenas no Brasil. O medo de contaminação e de piores resultados em relação ao tratamento do câncer levou muitos cirurgiões e associações no mundo todo a recomendar a limitação de procedimentos cirúrgicos oncológicos, incluindo as técnicas minimamente invasivas, durante a pandemia.
Em um estudo publicado no British Journal of Surgery, os pesquisadores analisaram as cirurgias digestivas, urológicas e de mama entre 1º de março e 9 de abril de 2020 e compararam com o mesmo período de 2019. A conclusão é que os procedimentos para câncer podem ser realizados com segurança em pacientes sem infecção demonstrável, desde que o hospital tenha menos de 25% dos leitos ocupados por pacientes com Covid-19, crie áreas separadas para estes procedimentos, além de um programa eficiente de teste para Covid-19.
De acordo com um estudo da University College London e do DATA-CAN, o Centro de Pesquisa de Dados de Saúde para o Câncer, quase 18 mil pessoas podem morrer de câncer em 2021 na Inglaterra devido ao impacto da Covid-19. Esse risco também está relacionado ao fato de que a maioria dos pacientes com câncer ou com suspeita de câncer não está acessando os serviços de saúde no Reino Unido.
Com Assessorias