Curitiba, capital do Paraná, enfrenta este ano um surto de hepatite A que intriga os especialistas e coloca a população em estado de alerta. Já em abril a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) alertava para um crescimento atípico no número de casos. De acordo com um boletim epidemiológico da SMS, mais de 360 casos foram registrados entre janeiro e julho de 2024, representando um aumento de 7.220% em comparação com os cinco casos diagnosticados no mesmo período do ano passado.

Como as hepatites podem causar sintomas agudos e, em casos crônicos, levar a complicações graves, a capital paranaense também registrou cinco mortes relacionadas à doença e um caso em que o paciente necessitou de um transplante de fígado. Algo extremamente incomum na cidade, que não tinha mortes por hepatite A desde 2012 e nem tantos casos – não passava de uma média de 12 casos por ano.

Conforme dados da SMS, a última vez que a capital teve um pico de casos de hepatite A foi em 2018, com 28 pacientes diagnosticados. Mas nenhum deles foi grave ou morreu, já que a doença sempre foi amena. O comum também sempre foi menos de 10 casos por ano. Em 2022, foram quatro casos registros no ano todo. Em 2020, por exemplo, Curitiba teve apenas dois diagnósticos.

Em 2023, foram cinco casos de janeiro a junho. Já na metade do ano passado, os números começaram a crescer e 2023 somou 20 pacientes. No primeiro trimestre de 2024, Curitiba saltou para 76 casos confirmados ou em investigação, além da ocorrência de três mortes.   A maioria das confirmações atingiu homens (76%) e 54 mulheres (24%) positivaram para a Hepatite A

Se antes a doença acometia crianças com sintomas leves. Agora, os casos estão ocorrendo em adultos, com quadros agravados: 60% dos infectados foram internados e 3,2% foram precisaram de cuidados intensivos em UTI.  Muitos destes pacientes têm sido atendidos pelo Centro de Cirurgia, Gastroenterologia e Hepatologia (Cighep), que fica no Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba.

Paciente de 44 anos suspeitava de dengue ou gripe

Curitibanos, o consultor imobiliário Eric Schneider Zanfelice, 44 anos, e a orientadora educacional Rosane Vargas, 43, ainda se recuperam dahepatite A.  Ambos relatam a demora no diagnóstico, que só conseguiram após insistir e buscar outros médicos.

Eric conta que começou a sentir-se mal após uma viagem no feriado de Corpus Christi, em maio.  Pensou que estava com dengue, pois apresentava mal-estar, indisposição e calafrios, mesmo sem ter febre. Mas os exames de dengue e influenza deram negativo.

Logo surgiu amarelamento do corpo, urina escura (amarelo forte, quase laranja), enjoo com vários cheiros (comida e produtos de limpeza) e cansaço extremo.  Após quase três semanas e quatro médicos diferentes, ele foi finalmente diagnosticado com hepatite A no Cighep, onde ficou internado por três dias.

Os sintomas se manifestam entre 15 a 50 dias após infecção pelo vírus. Foi antes da minha viagem, não sei como peguei hepatite”, relata Eric, que só depois de 40 dias muito debilitado voltou às atividades do dia a dia, ainda com restrições.

Diferente de Eric, Rosane teve como primeiro sintoma a febre. Por duas vezes tomou paracetamol, ficou melhor e voltou à vida normal. Até que a urina dela começou a ficar escura. Como não costuma tomar água, ignorou. Mas aí veio muita dor abdominal, nas costas e indisposição. Seu marido pensou que era dengue. E numa primeira consulta, o diagnóstico foi infecção urinária.

Rosane não acreditou no diagnóstico e procurou outro hospital. Descobriu a hepatite A e ficou uma semana internada com muita dor abdominal, ânsia e o corpo amarelado. Os sintomas da orientadora educacional começaram dia 6 de maio e ela não sabe onde pegou a doença, já que em sua casa e na escola onde trabalha, ninguém teve hepatite A.

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Mudança de perfil: agora adultos são os mais atingidos

A médica hepatologista Cláudia Pontes Ivantes, do Cighep, conta a preocupação dos especialistas, tendo em vista que muitos destes pacientes com hepatite A têm evoluído para forma grave da doença, com necessidade de internamento e até alguns casos de óbito.

Estamos percebendo um grande aumento nos casos, mas o que preocupa mesmo é a gravidade deles”, relata. Ela explica que a hepatite A, antigamente, se manifestava em geral nas crianças , de forma leve. E em 99,9% dos casos o paciente ficava curado.

Agora, o perfil mudou.Hoje, a faixa etária mais prevalente é do adulto jovem, com alguns casos evoluindo para forma grave e até óbito. A maioria é de homens entre 20 e 39 anos. Um destes casos, um homem de 46 anos precisou de transplante hepático. Apesar da gravidade da situação, ele se recuperou.

Agravamento do quadro pode levar a transplante hepático

O que preocupa as autoridades é o agravamento dos casos. Até então, pacientes com Hepatite A tinham apenas quadros leves e todos evoluíam para cura. E havia pessoas que sequer sabiam que tinham sido infectadas, pois ficavam assintomáticas ou tinham sintomas confundidos com outras viroses, ou com uma indigestão alimentar. Mas os sintomas da doença mudaram de perfil em Curitiba, desde o fim do ano passado. Está levando pacientes a casos graves e ao óbito.

Na grande maioria dos óbitos, as vítimas saíram do internamento e retornaram dias depois com o quadro muito agravado. A maioria tinha comorbidades e/ou vício etílico. Por isto e pelo surto caracterizado na cidade, o Cighep alerta que, aos primeiros sintomas, o paciente deve procurar ajuda médica e manter corretamente a medicação e internamento, caso seja esta a indicação médica. Os casos agudos da doença podem trazer danos irreversíveis ao fígado.

Sintomas confundidos com gripe, dengue ou indigestão alimentar

Além de diarreia, mal-estar, náuseas, vômitos, febre e cansaço, que são comuns a diversas viroses gastrointestinais, quem está com hepatite A também pode apresentar febre, olhos e pele amarelados (icterícia) e urina escura. Embora seja raro, pode evoluir para um quadro grave, necessitando até de transplante hepático ou levando a óbito.

É importante alertar sobre os sintomas, facilmente confundidos com gripe, dengue e outras doenças. O atraso no diagnóstico tem levado pacientes a sofrer com sintomas, sem saber o que de fato os acometem. Enquanto alguns pacientes são assintomáticos ou possuem sintomas brandos, outros evoluem para casos graves. E em quadros crônicos, o diagnóstico tardio pode evoluir para uma fibrose hepática”, afirma Dra Juliana.

A também médica hepatologista do Cighep, Daphne Morsoletto, explica que os sintomas aparecem cerca de 15 a 50 dias após a infecção. “É importante ficar atento para sintomas como diarreia, mal-estar, náuseas, vômitos, febre, olhos amarelados e urina escura. Diante destes quadros é fundamental buscar atendimento”, reforça Daphne.

Motivo do surto agudo de hepatite A ainda é um grande mistério

Transmitida via fecal-oral, a hepatite A pode ser contraída através de água e alimentos contaminados, ou seja, pelo consumo de frutas e verduras cruas que não foram devidamente lavadas e desinfetadas e pela falta de lavagem cuidadosa das mãos após ir ao banheiro e antes de comer.

A doença também é transmitida por água contaminada, principalmente em locais onde não há condições suficientes de saneamento. Isso porque o vírus está presente nas fezes dos indivíduos e pode permanecer vivo no meio ambiente por período prolongado e até cinco meses sendo eliminado pelo corpo humano. O vírus também é transmitido pelos alimentos contaminados,

“Para pessoas infectadas é recomendável o uso de banheiros separados e utensílios próprios para evitar a disseminação”, explica a a médica gastroenterologista Juliana Ayres de Alencar Arrais Guerra, do Cighep.

Mas por Curitiba ser uma cidade com altíssimo índice de saneamento (100% da população urbana é abastecida com água tratada e quase 98% têm acesso à rede coletora de esgoto, sendo que 100% do esgoto coletado é tratado) e pelas pessoas terem bom nível de conscientização da higienização dos alimentos, o motivo do surto agudo de hepatite A ainda é um grande mistério.

Sabe-se, no entanto, que nos adultos, a transmissão também pode ocorrer pela relação sexual anal desprotegida, principalmente quando há a prática de sexo oral. Conforme a médica hepatologista Cláudia Pontes Ivantes, do Cighep,  a SMS está investigando o assunto e ainda não conseguiu desvendar a disseminação, que está ocorrendo principalmente nas regiões central e norte da cidade e em pessoas sem ligação umas com as outras.

Veja as orientações para evitar a hepatite A

  • Lavar as mãos muito bem após ir ao banheiro e antes de comer
  • Só consuma água tratada, clorada e/ou fervida
  • Lave muito bem frutas, verduras e legumes
  • Antes de consumir, deixe os alimentos crus de molho por meia hora numa solução de uma xícara de vinagre (250 ml) para cada litro de água
  • Cozinhar bem os alimentos, em especial mariscos, peixes e outros frutos do mar
  • Lave bem pratos, copos e talheres
  • Não tomar banho ou brincar perto de valões, riachos, chafarizes, enchentes ou próximo de onde haja esgoto
  • Mantenha relações sexuais protegidas, com preservativo
  • Como há surto de hepatite A, evite o sexo oral. Ou então, higienize a genitália, períneo e região anal antes e após o sexo

Vacina reduz os sintomas e evita óbito

Além de uma boa higiene pessoal e com os alimentos, a vacinação é a forma mais eficaz de se prevenir.  A vacina contra Hepatite A faz parte do calendário infantil de imunização pelo SUS. Porém ela é aplicada somente em crianças até 5 anos incompletos, ou em crianças e adultos com algumas comorbidades ou portadores de outras doenças hepáticas. Para todo o restante do público, a vacina está disponível na rede privada de imunização.

A hepatologista Claudia Ivantes alerta que, diante do surto em Curitibaa melhor forma de se prevenir é tomando a vacina. Caso o paciente seja contaminado pelo vírus, a vacina ajudará a amenizar os sintomas e pode evitar o óbito. Em Curitiba, por causa do surtoa prefeitura abriu a vacinação para trabalhadores do sistema de educação. No sistema privado, a vacina está disponível para todos.

No SUS, alerta a gastroenterologista do Cighep, a vacina só está disponível para crianças até quatro anos e para alguns grupos de pessoas com algumas doenças ou transplantados (veja a lista abaixo). A vacina contra o vírus da hepatite A pode ser aplicada a crianças e adultos na rede privada.

A vacinação é bastante efetiva. Fica o alerta às pessoas que nunca tiveram hepatite, ou que não saibam se já tiveram ou não (alguns ficam assintomáticos), que busquem a vacina”, pede Cláudia Ivantes.

Além das crianças menores de quatro anos, têm direito à vacina da hepatite A pelo SUS pessoas com:

  • Hepatopatia crônica de qualquer etiologia, inclusive portadores do vírus da hepatite C e B.
  • Pessoas vivendo com HIV/aids.
  • Imunossupressao terapêutica ou por doenças imunossupressoras
  • Coagulopatias, doenças de depósito, fibrose cística, trissomias, hemoglobinopatias.
  • Candidatos a transplante de órgão sólido, cadastrados em programas de transplantes.
  • Transplantados de órgão sólido (TOS).
  • Transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH).
  • Asplenia anatômica ou funcional de doenças relacionadas.

Hepatite no Brasil: a maioria dos casos  é do tipo C

Diante do cenário em Curitiba, especialistas do Cighep alertam para as formas de prevenção, contágio, diagnóstico e tratamento da doença, além de esclarecer sobre outros tipos de hepatites virais neste Julho Amarelo, mês mundialmente dedicado à conscientização sobre essas doenças, que são consideradas um grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo.

28 de julho é o Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais. São infecções silenciosas que afetam o fígado e representam um sério problema de saúde pública. No mundo, as mortes causadas pela doença estão aumentando e já são a segunda principal causa infecciosa de óbito, com 3,5 mil pessoas falecendo por dia e 1,3 milhão por ano, conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil teve pouco mais de 28.500 novos diagnósticos de hepatites virais em 2023. E entre 2000 a 2022, foram 750.651 novos casos. Desse total, o maior percentual é de hepatite C (39,8%), seguido de hepatite B (36,9%) e hepatite A (22,5%). Porém estima-se que mais de 1,5 milhão de brasileiros convivam com hepatites sem saber, pela falta de diagnóstico correto. Em relação aos óbitos, foram 85.486 entre 2000 e 2021.

Conforme  as hepatites virais são infecções que causam inflamação do fígado. As mais comuns são as hepatites A, B e C. Além destas, existem as hepatites D e E, que ocorrem em situações específicas.

Confira o ranking de casos de hepatite no Brasil em 2023 por tipo da doença:

  1. Hepatite C – 16.173
  2. Hepatite B – 10.091
  3. Hepatite A – 2.080
  4. Hepatite D – 109
  5. Hepatite E – 59

Outros tipos de hepatite

Há cinco tipos de hepatites virais, que podem ser adquiridas de formas diferentes. Além da hepatite A, entenda cada uma e veja como prevenir

Hepatite B

A hepatite B é principalmente transmitida por via sexual, contato com sangue contaminado e de mãe para filho durante a gestação e o parto. Nos casos agudos, os sintomas incluem mal-estar, náuseas, vômitos, inapetência e icterícia. A maioria dos casos agudos resolve-se sozinho dentro de seis meses, mas o vírus pode causar hepatite aguda fulminante.

Em casos crônicos, os pacientes geralmente são assintomáticos e diagnosticados em exames de rotina. Hepatite B tem tratamento medicamentoso, porém, na sua forma crônica, as chances de cura são mínimas. Há somente vacina, disponível para todas as idades, oferecida gratuitamente pelo SUS.

Hepatite C

Transmitida principalmente por contato com sangue contaminado (transfusão de sangue, tatuagem, uso drogas injetáveis, alicate de cutícula, etc.). A maioria dos infectados cronifica e permanece assintomática, sendo diagnosticada em exames de rotina. A doença tem medicamentos que proporcionam alta taxa de cura. Não há vacina para Hepatite C.

Hepatite D

A hepatite D só ocorre em pacientes com hepatite B e não tem cura. As vias de transmissão são as mesmas e a maioria dos casos são assintomáticos. E quando apresentam sintomas, são inespecíficos, como mal estar, náusea, vômito, icterícia, etc. “A prevenção é feita pela vacinação contra a hepatite B,” enfatiza a Dra. Juliana.

Hepatite E

A hepatite E é uma causa frequente de hepatite viral no mundo, mas no Brasil, os casos são raros. Transmitida via fecal-oral, geralmente apresenta um quadro agudo e autolimitado, com sintomas semelhantes aos da hepatite A e permanece entre duas a seis semanas. Em gestantes, especialmente no segundo e terceiro trimestres, pode evoluir para um quadro grave e fulminante. Pacientes imunossuprimidos (transplantados, em quimioterapia, portador de HIV, etc.) podem desenvolver hepatite E crônica. Não existe vacina contra hepatite E. A prevenção pode ser feita por meio de melhora do saneamento básico e medidas de higiene.

A prevenção das hepatites inclui vacinação (para hepatites A e B), uso de preservativos, não compartilhar objetos pessoais que possam ter contato com sangue e garantir boas práticas de higiene. Entre elas, a de lavar as mãos muito bem depois de ir ao banheiro, cozinhar bem os alimentos e higienizar bem os alimentos crus.

Fonte: Cighep

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