Outubro Rosa é a campanha mais popular do calendário anual da saúde, mas uma iniciativa que antecede a mobilização em torno do câncer de mama também chama a atenção das mulheres. É a campanha Setembro em Flor, que surgiu em 2021 para alertar para os diferentes tipos de câncer ginecológico, que afetam ao menos 32 mil brasileiras anualmente.
Dentre as atividades desta edição, está a projeção da campanha em Brasília e parcerias com hospitais e instituições. O objetivo é conscientizar a população sobre como prevenir tumores do colo do útero, ovário, endométrio e outros que atingem o aparelho reprodutor feminino. Segundo especialistas, o câncer ginecológico apresenta grandes chances de sucesso no tratamento quando detectado logo no início.
Foi o que aconteceu com a atriz Marieta Severo. Aos 76 anos, ela enfrentou o câncer de endométrio e está curada graças ao diagnóstico precoce. “Tive que tirar o útero e os ovários. Descobri bem no início, nem precisei fazer quimioterapia”, contou Marieta, que foi convidada para ser a madrinha da campanha Setembro em Flor, realizada pelo Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA).
O câncer de colo do útero, mais comum dentre os tumores ginecológicos, pode ser evitado com a vacina contra o papilomavírus humano (HPV) e o exame de Papanicolau. Marieta gravou um vídeo chamando a atenção para a importância da vacinação contra o HPV.
“Preciso usar a minha voz ativa para falar de temas fundamentais, como a minha saúde e a do outro. Após os tempos negacionistas que vivemos, pesquisas mostram que os índices de vacinação caíram”, destacou.
Câncer de cólo do útero é o mais comum entre as mulheres
Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam para 704 mil novos casos de câncer por ano no Brasil até 2025. O câncer ginecológico é um dos mais incidentes nas mulheres, somando 32,1 mil novos casos anuais, o que representa 13,2% de todos os casos de câncer diagnosticados nas brasileiras.
Os três órgãos do sistema reprodutor feminino mais acometidos por tumores malignos são colo do útero, ovário e corpo do útero (endométrio). Do total de mulheres do país que recebem, anualmente, o diagnóstico de algum câncer ginecológico, a maioria apresenta tumores de colo do útero: são 17.010 novos casos previstos para 2023.
Em seguida está o corpo do útero (endométrio), com 7.840 casos, seguido por câncer de ovário com 7.310 casos. O câncer de ovário é o tipo de tumor mais mortal e frequentemente descoberto em estágio avançado. Outros dois tipos, câncer de vulva e vagina, também entram nesse grupo, mas para eles não há dados nacionais oficiais de novos casos/ano.
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Baixa adesão à vacina do HPV e exame de Papanicolau
A mobilização para prevenção e diagnóstico são fundamentais. Para evitar o câncer de colo de útero é muito importante o acesso e a adesão das mulheres ao exame de Papanicolau e à vacinação contra o papilomavírus humano (HPV). Na rede pública, a versão quadrivalente da vacina contra o HPV está disponível para meninas (9 a 14 anos) e meninos (11 a 14 anos). A nonavalente chegou às clínicas privadas (cerca de R$ 900) para idades entre 9 e 45 anos.
“Sabemos que a principal causa do câncer de colo do útero pode ser atribuída ao vírus HPV, até hoje amplamente reconhecido como um fator necessário para o desenvolvimento do câncer invasivo”, explica a oncologista clínica e vice-presidente do EVA, Graziela Zibetti Dal Molin.
Tanto o exame quanto a imunização estão disponíveis na rede pública. Mas em razão da baixa adesão às campanhas de vacinação contra HPV e gargalos no acesso ao exame Papanicolau, o Brasil apresenta alta incidência e mortalidade por câncer de colo do útero: 6,5 mil morrem pela doença todos os anos. No mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são mais de 331 mil mulheres mortas em decorrência da doença.
O estudo Evita – do grupo EVA em parceria com o Lacog – explica os motivos da baixa procura pelo exame Papanicolau: falta de vontade em 46,9%, vergonha ou constrangimento em 19,7%, e falta de conhecimento em 19,7%. Além disso, a pesquisa aponta outras questões como disparidades sociais, menor renda, nível educacional e parceiro estável. Dados que reafirmam a importância da conscientização sobre o tratamento precoce.
Vacinação contra o HPV disponível de graça no SUS
O papilomavírus humano (HPV) é um vírus que pode causar câncer do colo de útero e verrugas genitais. Geram lesões benignas, pré-invasivas ou invasivas, como o câncer de colo do útero (responsável por 99,7% dos casos) e outros tipos de câncer de órgãos genitais. Outro dado aponta que 80% da população sexualmente ativa contrai a infecção pelo HPV pelo menos uma vez na vida.
A vacinação contra o HPV é um dos grandes aliados para o controle dessa doença. No Brasil, o Programa Nacional de Imunização (PNI) disponibiliza gratuitamente a vacinação desde 2014, sendo indicada para meninas e meninos de 9 a 14 anos, homens e mulheres até os 45 anos que vivem com HIV/AIDS, transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea e vítimas de violência sexual.
Mesmo que as vacinas sejam as mais estudadas do ponto de vista de eficácia e segurança, a adesão no Brasil é baixa, longe do ideal de 80% de imunização. Em 2020, 55% das meninas brasileiras de 9 a 14 anos tomaram as duas doses da vacina. Entre os meninos de 11 a 14 anos, a taxa dos que completaram o ciclo vacinal foi de apenas 36,4%.
A Sociedade Brasileira de Pediatria, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) também recomendam a vacinação de mulheres de 9 a 45 anos e homens de 9 a 26 anos, o mais precoce possível.
Espera para iniciar o tratamento leva mais de 60 dias
A pesquisa ‘Um retrato do câncer de colo do útero no Brasil’, da Fundação do Câncer, aponta que 65,8% das mulheres com câncer de colo do útero esperam mais de 60 dias para conseguir iniciar o tratamento, sendo, portanto, impactadas pelo não cumprimento da Lei dos 60 dias. Gargalos nas regiões do país apontam diferenças.
Por exemplo, o Norte tem o maior número de casos de câncer de colo de útero, com 76 novos casos a cada 100 mil mulheres. Além disso, a região Norte apresenta ainda o maior número de mortes em decorrência da doença em todas as faixas etárias.
Outro dado da pesquisa é que os maiores percentuais da lesão do HPV que pode virar câncer são em mulheres com nenhuma escolaridade ou com ensino fundamental incompleto, com destaque para o Nordeste (55%).
Além disso, 61,6% das mulheres com o câncer de colo de útero possuem baixo grau de escolaridade (nenhuma instrução ou ensino fundamental incompleto).
Também foi constatado que tanto o câncer em si quanto a lesão precursora da doença acometem mais mulheres negras (pretas e pardas) em quatro das cinco regiões do Brasil, com, respectivamente, 64,3% e 62,7%.
Meta da OMS para reduzir câncer do colo do útero até 2030
O desenvolvimento de programas eficazes de vacinação e triagem contra o HPV tornou o câncer do colo do útero uma doença amplamente evitável. Em 2020, a OMS anunciou uma meta para acelerar a eliminação do câncer do colo do útero como um problema de saúde pública, a fim de reduzir a incidência abaixo do limiar de quatro casos por 100 mil mulheres por ano em todos os países até 2030.
Embora o câncer do colo do útero tenha diminuído em muitas regiões do mundo nas últimas três décadas – particularmente na América Latina, Ásia, Europa Ocidental e América do Norte – os números continuam altos em muitos países de baixa e média renda. Por exemplo, a prevalência da doença no Rio Grande do Sul – a menor do país, é de 7,1, segundo dados do Global Cancer Observatory.
Mas em comparação com a Argélia, país de menor IDH, são 7,9 mortes por de câncer de colo do útero para cada 100 mil mulheres. O maior impacto da falta de acesso se dá no Comores, quarto menor país africano em área territorial, que registra 38,8 casos para cada 100 mil mulheres. Por lá, cerca de 30% delas tornam-se noivas na infância. Em seguida está a Bolívia, que registra 36,6 casos para cada 100 mil bolivianas.
Em outra pesquisa, a vice-presidente do EVA, Graziela Zibetti Dal Molin, está desenvolvendo, junto com o Lacog, o estudo Evita Latam, um retrato epidemiológico de câncer de colo do útero que inclui outros países da América Latina para entender a prevalência de vacinação do HPV, as fases da doença e os tipos de tratamento.
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Os tumores ginecológicos se diferenciam quanto aos fatores de risco, conforme local de origem. Entenda:
Câncer do corpo do útero (ou endométrio)
Se por um lado o câncer de colo do útero, como já descrito, tem o HPV como fator causal, o câncer do corpo do útero (ou endométrio) vem apresentando crescimento de incidência nos últimos anos provavelmente por conta da obesidade. Esse tumor é responsável por 7.840 novos casos e pela morte de mais de 1.800 mulheres/ano no Brasil.
Neste caso, não há um método eficaz para rastreamento. O câncer de endométrio tem como principal fator de risco a obesidade, mas os principais sintomas são sangramento uterino anormal e desconforto pélvico, que podem alertar à mulher para necessidade de procurar por atendimento médico e assim, há mais chances de diagnóstico e tratamento precoces.
Câncer de ovário
O câncer de ovário, com 7.310 novos casos anuais no país, é o terceiro tumor ginecológico mais comum e é o que apresenta a menor taxa de sobrevivência entre os cânceres femininos. “É chamado de tumor silencioso, por não apresentar sintomas específicos e pela ausência de métodos eficazes de rastreamento”, explica o ginecologista oncológico Glauco Baiocchi Neto, presidente do EVA.
Ainda segundo o especialista, alterações genéticas podem estar presentes em 25% das pacientes com câncer de ovário e a história familiar de câncer de mama e ovário devem sempre ser sinais de alerta. “Os testes genéticos tornam-se importantes ferramentas não só para definição de tratamento, mas para aconselhamento genético aos familiares”, acrescenta.
Cânceres de vulva e vagina
Os cânceres de vulva e vagina são tumores mais raros e que também possuem associação com infecção por HPV como fator causal. A vacina contra o HPV e o exame ginecológico de rotina são os pilares para prevenção e diagnóstico desses tumores em fases iniciais.
Apesar dos avanços em prevenção e tratamento, a taxa de mortalidade no Brasil não tem diminuído satisfatoriamente devido a diagnósticos com doença avançada e atraso para início do tratamento, conforme estudo recente de membros do grupo EVA.
Sintomas de tumores ginecológicos
Embora muitos tumores se apresentem de forma assintomática, principalmente nos estágios iniciais, a maioria se desenvolve com os seguintes sintomas:
Sangramento vaginal fora do ciclo menstrual;
Sangramento vaginal na menopausa;
Sangramento vaginal após a relação sexual;
Corrimento vaginal incomum;
Dor pélvica;
Dor abdominal;
Dor nas costas;
Dor durante a relação sexual;
Abdômen inchado;
Necessidade frequente de urinar.
Diagnóstico de câncer ginecológico
Como muitos desses cânceres acabam sendo silenciosos, é válida a atenção e conscientização para um rastreio controlado através de rotina de exames das mulheres. Em caso de suspeita de câncer ginecológico, é necessário realizar uma série de exames minuciosos para definir o histórico correto da paciente e chegar ao diagnóstico preciso, tais como:
Ultrassom;
Radiografia;
Tomografia computadorizada;
Ressonância magnética;
Tomografia por emissão de pósitrons;
Após esses exames é fundamental que seja feita uma biópsia para confirmar o diagnóstico.
Além disso, é essencial avaliar a natureza do tumor. O sistema de estadiamento varia, mas geralmente essas neoplasias são classificadas em quatro níveis diferentes, desde o inicial (Estágio I) até o mais avançado (Estágio IV).
“Nesse sentindo, promover educação e ensino em câncer ginecológico é um dos focos do grupo que busca trabalhar em parceria com outras associações para unir esforços da entidade, dos médicos e das sociedades médicas para evolução do tratamento de câncer ginecológico”, afirma a oncologista clínica e vice-presidente do EVA, Graziela Zibetti Dal Molin.
Mais sobre a Campanha Setembro em Flor
Dentre as atividades da programação do Setembro em Flor deste ano, cujo tema será “Diversidade, inclusão e a busca por equidade na assistência à paciente com câncer ginecológico”, haverá o Fórum de Conscientização do Câncer Ginecológico e a busca por mudanças de políticas públicas. O evento ocorre no dia 12 de setembro, no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, em Brasília. Ao final, o destaque para uma projeção, com cores da campanha.
A campanha que marca o mês de conscientização do câncer ginecológico foi criada em 2021 pela oncologista clínica Andréa Paiva Gadêlha Guimarães, diretora do EVA e coordenadora de Advocacy. A ação surgiu de uma carência de conhecimento da população brasileira sobre os tipos de cânceres que acometem o aparelho reprodutor feminino: câncer de colo de útero, ovário, endométrio, vagina e vulva. Durante as atividades, que ocorrem anualmente em setembro, o foco é conscientizar a população feminina sobre os sintomas e formas de prevenção.
“A maior conquista da campanha foi a criação de um canal para falarmos de câncer ginecológico em todos os seus aspectos. Trouxemos conscientização, alerta sobre sinais e sintomas dos cânceres ginecológicos para diagnóstico precoce, novas formas de diagnóstico e tratamento, utilizando diversos canais de comunicação, como redes socais com divulgação de posts, além da realização de lives com médicos, profissionais e agentes de saúde e parceiros”, reflete Andréa Paiva Gadêlha Guimarães.
Sobre o EVA
Idealizado e organizado inicialmente pela oncologista clínica Angélica Nogueira Rodrigues, no Hospital do Câncer II do Inca, em março de 2010, o Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) é uma associação sem fins lucrativos, composta em sua maioria por médicos, com a missão de combater o câncer ginecológico. A equipe multiprofissional atua com foco na educação, pesquisa e prevenção, assim como promove apoio e acolhimento às pacientes e aos familiares.
A primeira reunião para sua nacionalização ocorreu no Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), em 2013, em Brasília. O nome EVA foi resultado de uma reunião neste evento e foi sugerido pela oncologista clínica Andréa Paiva Gadelha Guimarães, coordenadora da área de apoio ao paciente (advocacy) do grupo e criadora da campanha Setembro em Flor.