É responsabilidade do Estado, da sociedade e da família assegurar uma infância e adolescência dignas, protegidas e livres e qualquer tipo de violência. É o que diz o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que está completando 33 anos nesta quinta-feira (13/7). De lá para cá, foram registrados avanços, mas, na prática, ainda há muito o que fazer para que a Lei nº 8.069, instituída em 13 de julho de 1990, de fato seja cumprida, garantindo proteção integral às crianças e aos adolescentes brasileiros. 

A violência é um eixo que preocupa: cerca de 7 mil crianças e adolescentes são mortos por ano no Brasil, o que dá quase um assassinato por hora. Os casos de estupro contra crianças chegam a 70%, considerando o total de casos, e o país ainda é o quinto país do mundo em números absolutos de casamentos realizados antes dos 18 anos. Somente nos primeiros quatro meses deste ano foram identificadas 17.500 violações sexuais contra crianças e adolescentes registradas no Disque 100. Os números do Ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania indicam um aumento de quase 70% em relação ao ano anterior.

Apesar de uma série de ações para enfrentamento do trabalho infantil, que ajudou a evitar que milhões de crianças estivessem nessa situação, esse grave problema social ainda está longe de ser erradicado, e é agravado pela pobreza que ainda impacta quase metade das crianças até 14 anos. Em 2022, mais de 10 milhões de crianças e adolescentes com idades entre 0 e 14 anos viviam na extrema pobreza, com renda domiciliar mensal per capita de até um quarto de salário-mínimo.

Conselho Tutelar funciona com precariedade

O ECA prevê ainda a priorização da convivência familiar e comunitária, promovendo políticas de acolhimento institucional adequada, e trouxe a implementação de redes de proteção e defesa. Entre elas, está a criação dos Conselhos estaduais e municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares – que, infelizmente, não contam com a estrutura que deveria.

No Conselho Tutelar 03, na zona norte do Rio de Janeiro, que abrange toda a Grande Tijuca (Alto da Boa Vista, Andaraí, Grajaú, Maracanã, Praça da Bandeira, Tijuca e Vila Isabel), há apenas um conselheiro de plantão para atender milhares de famílias, o que faz com que inúmeros casos de violações aos direitos e pedidos de proteção levem meses sem que as famílias encontrem o devido atendimento. Veja a lista completa aqui.

Diego Alves, coordenador de Fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes do Ministério dos Direitos Humanos, reconhece os desafios dos conselhos tutelares e a importância da participação social para tornar o ECA mais efetivo.

“A sociedade precisa entender que escolher o conselho tutelar é a diferença entre a vida e a morte de uma criança e adolescente, principalmente nas periferias. A gente precisa mobilizar a sociedade para a importância de escolher melhor os conselhos tutelares”, declarou, durante evento recente sobre os 33 anos do ECA, promovido pela ChildFund Brasil.

A qualificação da atuação dos conselhos tutelares está entre as questões centrais elencadas no rol de melhorias do ECA, além do fortalecimento das medidas de prevenção de situações de violência e desigualdade social e a priorização da criança e do adolescente no orçamento público dos municípios, Estados e União.

Preocupação com a violência contra crianças e adolescentes

A Childhood Brasil, instituição fundada pela Rainha Silvia da Suécia, que atua com foco na proteção da infância e adolescência contra o abuso e a exploração sexual, avalia que políticas públicas para o enfrentamento e prevenção à violência sexual, física, psicológica e institucional contra crianças e adolescentes foram conquistadas, mas precisam ser fortalecidas e ampliadas.

“É fundamental que o Brasil implemente um programa nacional de prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes, na perspectiva de uma proteção integral, que opere sobre as desigualdades econômicas, as inequidades étnico-raciais e de gênero, e que adote um componente efetivo sobre uma educação para saúde sexual”, avalia Itamar Gonçalves, superintendente de Advocacy da Childhood Brasil.

Na área da saúde, houve melhorias no tratamento às gestantes e na vacinação infantil, além da redução da desnutrição e da mortalidade infantil. A educação foi ampliada e universalizada, mas a evasão e exclusão escolar ainda são significativas, com aumento de 171% durante a pandemia. O direito ao esporte, ao lazer, ao brincar e à cultura também compõem o rol de direitos fundamentais previstos no Estatuto, mas nem sempre acessados.

“O ECA é um marco legal fundamental para os avanços na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil, que passaram a ser consideradas sujeitos de direitos com prioridade absoluta, e merecem uma infância e adolescência protegida com direito e um desenvolvimento saudável”, afirma.

Para comemorar os 33 anos do ECA, a Childhood Brasil produziu um vídeo intitulado “Eu tenho voz”. O vídeo reforça a importância de todas as crianças terem espaço de fala, serem vistas, poderem opinar, e acima de tudo, reforça que todas as infâncias devem ser cuidadas e protegidas. Para assistir o vídeo acesse https://www.instagram.com/p/CupkhFBuEeW/.

Caderno sobre os 33 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

O Childfund Brasil lançou no último dia 5 de julho, o Caderno “33 anos do ECA: uma análise dos avanços, conquistas e desafios para a infância brasileira”. A publicação- que está disponível para download no site da organização – traz análises de especialistas de forma propositiva, pontuando avanços nos direitos da criança e do adolescente e apresentando propostas para a área.

O caderno está dividido em sete capítulos, divididos tematicamente, mas cuja análise é fundamentalmente interconectada: saúde; alimentação; convivência com a família e comunidade; educação; direito à liberdade ao respeito e à dignidade; profissionalização e proteção ao trabalho; direito ao esporte, cultura, lazer e ao brincar.

Os artigos, que são assinados por acadêmicos e especialistas na área da criança e do adolescente, trazem recomendações para a sociedade civil e para o poder público, mostrando que o cenário é complexo, com necessidade de ações coletivas e intersetoriais.

“Essa é uma leitura obrigatória para quem trabalha na área da criança e do adolescente. Traz propostas claras para a gente avançar nas propostas do ECA”, afirmou o diretor de país do Childfund Brasil, Mauricio Cunha. Segundo ele, o documento foi criado para contribuir com parceiros estratégicos da área de direitos humanos da criança e do adolescente, governos e imprensa.

A intenção é que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja cada vez mais efetivado na prática, assegurando direitos conquistados e garantindo a construção de um país cada vez melhor para crianças e adolescentes. Para a ONG, o ECA traz a criança para o centro da agenda pública e a coloca como protagonista e sujeito de direitos, o que é motivo de celebração.

“O estatuto é uma lei diretiva, aponta o caminho que a sociedade quer trilhar. Quando ele diz: ‘Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de violência, exploração, crueldade, negligência e opressão’, talvez esse dia nunca chegue, mas ele aponta o caminho que a gente tem que trilhar”, afirmou.

Cartilhas orientam sobre proteção no ambiente on-line

A maior preocupação da ong é a proteção digital, área prioritária para o Childfund Brasil. Para Mauricio Cunha, uma das formas de violência que desperta cada vez mais preocupação ocorre no ambiente digital e o Estado não está preparado para combatê-la. A organização também disponibilizou em seu site três cartilhas com orientações para proteger crianças e adolescentes no ambiente on-line.

Cunha ainda propôs a criação de comissões parlamentares dedicadas a apoiar esse tema, embasando a elaboração de políticas públicas efetivas e abrangentes que protejam e promovam o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Outros desafios são a piora da saúde mental de adolescentes, a desigualdade social e o desamparo de crianças migrantes.

O evento de lançamento aconteceu no Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados, em Brasília. A apresentação foi seguida por uma mesa de debate sobre o impacto do ECA na garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

O deputado federal Zacharias Calil, coordenador da Frente Parlamentar Mista da Primeira Infância, destacou o valor indiscutível do Estatuto e a necessidade de diálogo entre diferentes atores da área da infância e da adolescência:

“Para avançar na proteção dos direitos da infância, é essencial um diálogo constante e abrangente entre a sociedade civil, o poder público e instituições nacionais e internacionais. Devemos incentivar a implementação de ações que fortaleçam áreas cruciais como educação, saúde, proteção e desenvolvimento integral, garantindo condições dignas para que todas as crianças e adolescentes possam realizar seu potencial máximo”.

Ele também comentou sobre a necessidade de fortalecer o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e o Orçamento da Criança e do Adolescente (OCA). “Reconhecemos nossa responsabilidade como legisladores em estabelecer um diálogo contínuo com a sociedade, buscando soluções conjuntas para atender às necessidades da infância brasileira”, acrescentou.

ECA brasileiro inspirou legislações na América Latina

O ECA foi uma das primeiras legislações do mundo completamente sintonizada com a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) e inspirou a reforma de pelo menos 15 legislações na América Latina. O documento trouxe três princípios da proteção integral:  crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos, pessoas em constante desenvolvimento e prioridades absolutas.

Ao longo de mais de três décadas do estatuto, foram muitos os avanços sociais. O Brasil registrou diminuição do trabalho infantil, da mortalidade infantil e do número de crianças em situação de rua; aumento nos índices de acesso, permanência e aprendizagem da educação fundamental e melhora da convivência familiar e comunitária e estruturação, organização e atuação do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). 

Os maiores desafios são a alta letalidade infantojuvenil, a intersetorialidade na atuação do SGD, a elaboração de uma lei geral e atuação qualificada, estruturada e reconhecida dos Conselhos Tutelares, o aumento da proteção das violências (física, psicológica, sexual e institucional).

“Diante desses desafios, é fundamental continuar lutando pela proteção e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. É necessário um esforço conjunto da sociedade, do governo e das instituições para enfrentar essas questões e garantir um futuro mais justo e seguro para todas as crianças e adolescentes do Brasil. “Por fim, não podemos esquecer de que criança deve ser prioridade absoluta no orçamento público”, ressalta a ONG.

Para CNJ, prevenção é o melhor caminho 

Na avaliação de Ivânia Ghesti, gestora adjunta do Pacto Nacional pela Primeira Infância no Conselho Nacional De Justiça (CNJ), a infância não é uma prioridade para o Estado. Ela também enfatizou a importância de fortalecer as instituições engajadas na proteção dos direitos da criança e o papel do Marco Legal da Primeira Infância na elaboração do ECA.

“O desafio hoje é a clareza de prioridade absoluta porque as coisas que acontecem são assustadoras. Se fosse prioridade absoluta, o país tinha que parar, sempre tem emergências e emergências, e já perdemos uma primeira infância. O segundo é que temos muita dificuldade de trabalhar de forma integrada”.

Para ela, a grande contribuição do Marco Legal da Primeira Infância para o ECA foi a visão de que é preciso começar a agir antes que o problema aconteça de fato. “A criança não tem que ser atendida e nem só protegida, ela tem que ser promovida. Além de proteger a criança de passar fome, ficar fora da escola, ser maltratada, a gente tem que promover que ela tenha uma família com afetividade, com fortalecimento”.

Na avaliação de Ivânia, “a criança deve ter uma educação de qualidade, não só a vaga na creche; uma alimentação saudável, não só qualquer coisa para comer; e tenha direito ao brincar, que não só seja protegida contra o trabalho infantil”.

“Essa é uma nova abordagem: realmente oferecer as condições para o desenvolvimento da criança e não só evitar que ela sofra. Isso amplia a consciência do que significa proteção quando a gente vê a promoção das competências familiares, profissionais, dos estímulos e do momento certo para cada experiência que ela tem”.

Sobre as ONGs

ChildFund Brasil – Fundada em 1966, com sede nacional em Belo Horizonte (MG), a ChildFund Brasil faz parte de uma rede internacional associada ao ChildFund International, presente em 24 países e que gera impacto positivo na vida de 16,2 milhões de crianças e suas famílias. É uma organização que atua na promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, para que  tenham seus direitos respeitados e alcancem o seu potencial. Atualmente, está presente em sete estados brasileiros (Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Piauí e São Paulo).

Para realizar esse trabalho que impacta positivamente na vida de mais de 110 mil pessoas, entre elas cerca de 60 mil crianças e adolescentes, a organização conta com a doação de pessoas físicas, por meio do programa de apadrinhamento de crianças e também de doações de empresas, institutos e fundações que apoiam os projetos desenvolvidos.

A organização foi eleita a melhor ONG de assistência social em 2022, e a melhor para Crianças e Adolescentes do país, por três anos (2018, 2019 e 2021), além de estar presente, também, entre as 100 melhores por seis anos consecutivos pelo Prêmio Melhores ONGs.  www.childfundbrasil.org.br

Childhood Brasil – É uma organização brasileira que faz parte da World Childhood Foundation, instituição internacional criada em 1999 pela Rainha Silvia da Suécia.  A instituição se tornou referência no país pois já desenvolveu e apoiou projetos que vêm transformando a realidade da infância brasileira vulnerável à violência, dando visibilidade e dimensão ao problema, implantando soluções efetivas adotadas por setores empresariais, serviços públicos e educando a sociedade em geral. Para mais informações, acesse o site: www.childhood.org.br.

Com Assessorias

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