Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que a a ingestão de álcool puro ao ano por pessoa no Brasil chegou a 8,9 litros em 2016, superando a média mundial de 6,4 litros. Os dados do Ministério da Saúde apontam que a ingestão  abusiva atinge 27,1% dos homens contra e 19,1% das mulheres no país.

Outro estudo demonstra que a relação com o álcool começa cedo, geralmente por incentivo de parentes e amigos. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2015, 73% dos escolares na faixa etária de 16 a 17 anos já experimentaram uma dose de bebida alcoólica e cerca de 37% deles sofreram algum episódio de embriaguez na vida.

No período do  carnaval nem é preciso dizer que a população bebe ainda mais. Muitos brasileiros encaram a bebedeira como uma extensão do Carnaval e acreditam que nesses quatro dias de folia tudo é permitido. Esse comportamento, principalmente entre os jovens, confere erroneamente às bebidas alcoólicas o título de protagonista da festa nos bailes em salões e nas passarelas do samba espalhadas pelas ruas Brasil adentro. Essa prática é bem comum porque o álcool e outras substâncias ajudam o público a ficar mais desinibido para aproveitar ao máximo os dias de folia.

Na opinião da psiquiatra Alessandra Diehl, especialista em dependência química, sem dúvida, o álcool é realmente o grande vilão do Carnaval. “Como a folia dura quatro dias, as pessoas tendem a beber – sem intervalos – durante todo esse período. A sociedade, em geral, costuma encarar o uso de substâncias tóxicas ao organismo como algo recreativo, principalmente em ambientes de festa”, diz.

Ela acredita que nesse momento, mesmos aqueles que não têm costume de beber, acabam fazendo por influência dos amigos, principalmente. “Ocorre um tipo de pressão social para o consumo de álcool e outras drogas durante o Carnaval. Além disso, a falsa sensação de prazer e relaxamento, proporcionada pelos “porres”, é mais um fator que leva a pessoa a querer aumentar o consumo, o que acaba tendo efeitos negativos para si e para os outros”, argumenta a psiquiatra.

Alessandra explica que o uso abusivo de bebidas no Carnaval é perigoso porque, geralmente, o indivíduo experimenta sensações prazerosas. E o que era para ser mais uma brincadeira festiva no feriado pode virar rotina: as pessoas ficam mais propensas a repetir esse hábito e a buscar por mais prazer. “As consequências são inúmeras e uma delas é o encurtamento do caminho para a dependência do álcool e outras drogas. Sob o efeito da bebida, o nível de julgamento é alterado e as pessoas se sentem seguras para consumir outras substâncias. Como todos sabem, a bebida alcoólica é a porta de entrada para as drogas ilícitas como a maconha e cocaína, por exemplo”, avisa a psiquiatra.

Bebidas com alto teor alcoólico e corantes causam mais danos

As misturas prontas de bebidas com alto teor alcoólico e corantes se tornam as preferidas dos foliões por apresentarem praticidade e um melhor custo benefício. Mas a equação, que pode parecer positiva para a diversão e ao bolso, tem efeito contrário no corpo. De acordo com a cardiologista infantil e médica do esporte do Hospital Edmundo Vasconcelos, Silvana Vertematti, essas opções intensificam os efeitos negativos no organismo.

“Tudo que tem um teor mais alto de álcool e corante, nesta época de calor e carnaval, torna-se muito prejudicial por aumentar as chances de desidratação e desgaste muscular. Além de existir a chance de sobrecarga hepática, renal e do sistema imunológico, associado a alergias por conta do corante”, reforça a médica.

Outra consequência do consumo dessas bebidas é a alteração do funcionamento do sistema nervoso central, como lembra a especialista. “O neurônio, célula do sistema nervoso, precisa de hidratação para seu bom funcionamento, e com o consumo excessivo dessas misturas há uma predisposição à desidratação. Esse cenário, associado aos efeitos do álcool, pode piorar ainda mais os impactos no organismo conhecidos popularmente como ressaca”.

Para evitar todos esses transtornos, é preciso ter cautela no consumo de álcool e ficar atento à hidratação. A médica ressalta a importância de intercalar a mesma quantidade de bebida alcoólica consumida com a de água ou líquidos como sucos e substâncias hidratantes. Aliado a isso, uma dieta saudável para garantir a energia necessária nos dias de festa.

Bebida falsificada pode causar dano à visão

Outro problema é a comercialização por destilarias clandestinas de bebidas com mais metanol do que o permitido pela legislação. Segundo o  oftalmologista Leôncio Queiroz Neto do Instituto Penido Burnier dependendo da concentração, esta substância causar neurite óptica, uma lesão no nervo óptico que pode levar à perda definitiva da visão. O especialista ressalta que o máximo de metanol permitido nos destilados pela legislação é 0,25ml/100 ml de álcool anidro, limite que geralmente é desrespeitado no uísque, vodka e até na  cachaça falsificada.

 Queiroz Neto afirma que quando o metanol é metabolizado produz substâncias que provocam neurite óptica, uma desmineralização do  nervo óptico  que tem como sintomas dor de cabeça, náuseas, vômitos , queda na visão de contraste e até cegueira. Simultaneamente causa  danos nos rins. fígado, coração, pâncreas e até alterações na camada externa do cérebro que caracterizam a esclerose múltipla. A intensidade dessas reações,  observa, depende da quantidade ingerida e mesmo que a intoxicação passe  despercebida deixa sequelas que  podem dar sinais depois de algum tempo.

O diagnóstico da neurite óptica  é feito com ressonância nuclear magnética dos nervos ópticos . “Para minimizar as sequelas de uma possível esclerose múltipla, o paciente é encaminhado a um neurologista”, afirma. Estudos mostram que mulheres afetadas pela neurite óptica têm o dobro de chance de ter esclerose múltipla quando comparadas à população masculina.

O especialista afirma que o tratamento depende da avaliação de cada caso, mas geralmente são aplicadas injeções de corticóide para reduzir a inflamação do nervo óptico. A recuperação pode demorar semanas ou meses e ocorrer queda da visão de contraste e de cores, mesmo nos casos em que a exposição ao metanol é pequena. Nas exposições mais intensas as lesões no nervo óptico causam perda irreversível da visão.

Prevenção – Antes de comprar qualquer bebida no carnaval, as dicas do oftalmologista  para prevenir complicações são: Evitar o consumo de doses caso não possa checar o rótulo; checar o lacre da garrafa e verificar no rótulo da garrafa o registro do Ministério da Agricultura.

Movimento debate conceito da “dose certa”

Esclarecer mitos e fake news sobre bebidas alcoólicas será uma das principais missões #DosesCertas. Lançado em São Paulo, o movimento visa criar uma corrente de esclarecimento, por meio de estudos e pesquisas, sobre o que é moderação, e debater o conceito de ‘dose padrão’ como ferramenta para combater o consumo prejudicial, com base em preceitos científicos.

A adoção de dose padrão de álcool e parâmetros de consumo para homens e mulheres é comum na América do Norte e na Europa, e já existe em mais de 20 países como uma ferramenta para orientar a moderação do consumo de bebidas alcóolicas. No México, por exemplo, uma dose padrão é 13g de álcool, que corresponde a 355 ml para cerveja, 120 ml para vinho e 45 ml para destilados. E o padrão para um consumo moderado para homens é de três doses de álcool por dia e para mulheres é de duas doses, entre outras orientações.

José Silvino Filho, presidente do Núcleo pela Responsabilidade no Comércio e Consumo de Bebidas Alcoólicas no Brasil, entidade organizadora do movimento, aponta que hoje, existem assimetrias, desde o âmbito cultural até o tributário, que levam o consumidor a acreditar que está bebendo mais ou menos quando toma determinado tipo de bebida. “Precisamos esclarecer que o que importa é a quantidade absoluta de álcool ingerida e não o tipo da bebida já que álcool é álcool, independentemente do tipo de bebida.”, afirma Silvino.

Helio Mattar, diretor presidente do Instituto Akatu, irá articular um dialogo de transição com os diversos atores da sociedade a fim de construir, em conjunto, um processo para se estabelecer, divulgar e utilizar, na sociedade brasileira, uma dose padrão de álcool única para  todas as bebidas alcoólicas.

“O estabelecimento de uma dose padrão que permita ao consumidor compreender seu próprio consumo é importante para a auto regulação do consumidor quanto ao que ele está bebendo, para que políticas públicas possam ser adotadas com base nessa dose padrão, permitindo que programas de conscientização quanto ao consumo não nocivo de bebidas alcoólicas possam fluir na sociedade, dentro de um mesmo parâmetro e independentemente de qual o tipo de bebida”, comenta explicando a importância desse parâmetro.

A proposta é que esse diálogo contribua para que o movimento #DosesCertas transforme a dose padrão em senso comum para a orientação da moderação e combate ao consumo prejudicial de bebidas alcoólicas.

Marjana Martinic, bióloga formada na Universidade Harvard, com Ph.D. em neurociência pela Northwestern University e membro do National Heart Lung and Blood Institute explica que, para serem eficientes, as políticas públicas têm de focar no consumo prejudicial (jovens e quem bebe abusivamente). “Os consumidores que fazem uso prejudicial do álcool respondem menos às políticas fiscais. No geral, precisamos de um ambiente regulatório apropriado, focado nos riscos, apoiado pelo conceito da dose padrão e que não seja excessivamente punitivo”.

Case de sucesso no México

No evento de apresentação do movimento #DosesCertas, também foi lançado no Brasil o livro “Dose padrão no México: uma ferramenta para a prevenção do consumo nocivo do álcool”. A Diretora de Serviços Comunitários da Fundação de Investigações Sociais – a FISAC, do México, e coautora da publicação, Jessica Paredes Durán, esteve no País para compartilhar sua experiência em relação à prevenção do consumo inadequado de bebidas alcoólicas.

Muitas instituições nacionais e internacionais usam a dose padrão para emitir diretrizes do que é um consumo moderado. A dose padrão varia entre países e depende, em grande parte, dos costumes locais e maneiras de consumir as bebidas”, explica. “Por esse motivo, o debate e envolvimento de toda a sociedade é fundamental”, completa.

A obra está disponível para o download gratuito no site do Núcleo (www.nucleobrasilbebidas.com.br). Uma ação do Núcleo pela Responsabilidade no Comércio e Consumo de Bebidas Alcóolicas no Brasil, com o apoio do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), o Movimento #DosesCertas está presente nas as redes sociais Facebook @dosescertas, Twitter @dosescertas e Instagram @dosescertas, e no site oficial www.dosescertas.com.br.

Lança-perfume e ecstasy também fazem parte da folia

Quando falamos em Carnaval, outra droga vem em nossa mente é o lança-perfume. Inalável, leva em sua composição cloreto de etila, clorofórmio e alguma essência aromática. O efeito, como o entorpecimento, é parecido com o do álcool. “O lança causa ainda euforia e confusão mental. Era usado livremente no carnaval de todo o país nos anos 20. A substância era borrifada à esmo para os foliões, “perfumando-os” e fornecendo sensações agradáveis”, informa Alessandra.

Ela alerta que o que muitos foliões não sabem é que essa droga é absorvida pela mucosa pulmonar e seus componentes são transportados, via corrente sanguínea, aos rins, fígado e sistema nervoso. O lança ainda libera adrenalina no organismo, acelera a frequência cardíaca, proporcionando sensação de euforia e desinibição ao mesmo tempo. Promove ainda perturbações auditivas e visuais, perda de autocontrole e visão confusa.

“Outro perigo do lança-perfume é que seus efeitos são rápidos e, por essa razão, os usuários tendem a inalá-lo diversas vezes, potencializando a ação de seus compostos sobre o organismo. Desse modo, o uso abusivo pode desencadear em quadros mais sérios, como falta de ar, desmaios, alucinações, convulsões, paradas cardíacas e até morte. Além disso, por alterar a consciência do indivíduo, permite com que este esteja mais vulnerável a acidentes, assim como acontece com o excesso do álcool”, enfatiza Alessandra Diehl.

Apesar de proibido, o comércio ilegal do lança-perfume e de outras drogas ilícitas corre livremente nos blocos carnavalescos espalhados pelo Brasil. O ecstasy, por exemplo, é mais um “hit” do Carnaval.

Essa é uma droga sintética, fabricada em laboratório, a partir de componentes não naturais. O nome técnico do ecstasy é MDMA (metilenodioximetanfetamina). Essa substância também é conhecida como “droga do amor”, porque aumenta a percepção de cores e sons, e também amplifica as sensações táteis durante o sexo. “Trocando em miúdos, sua ação estimulante aumenta a temperatura corporal e a sensibilidade ao toque. No entanto, seu uso combinado ao álcool, algo que é bem comum nos blocos de Carnaval, é um tiro no escuro para usuários e médicos: não se sabe a composição exata da droga, o que complica atendimento em prontos-socorros”, afirma Alessandra Diehl.

Políticas de prevenção

Na visão da especialista, a falta de políticas de prevenção é um dos principais fatores que contribuem para o consumo abusivo de álcool e outras drogas no Brasil, em especial durante a época de Carnaval. A comercialização desse tipo de bebida é feita sem um controle rígido em diversos estabelecimentos, como padarias e lojas de conveniência, e por vendedores ambulantes.

A redução de danos também pode começar em casa e na escola, por meio da educação. A informação é uma ferramenta eficaz para a prevenção. Todos esses assuntos devem ser pauta de conversas constante, no ambiente familiar, escolar e até na publicidade, que deveria ser feita pelas autoridades competentes na área da saúde, segundo Alessandra Diehl. “É preciso bater na tecla, de forma incansável, para mostrar para nossa população que o consumo de drogas pode ser fatal. Vale a pena arriscar a vida em troca de minutos de euforia e ilusão? Cuidar de si e cuidar dos outros é uma máxima para todos que desejam aproveitar o Carnaval de forma saudável, sem riscos de complicações”, finaliza a psiquiatra.

Se beber, vá de metrô

O MetrôRio, empresa do grupo Invepar, e a Secretaria de Estado de Saúde, por meio da Subsecretaria de Prevenção à Dependência Química, promovem, no dia 20 de fevereiro, uma ação para estimular o uso do transporte público e alertar sobre os riscos de dirigir após o consumo de bebida alcoólica durante o carnaval. A campanha, batizada de “Se for beber, vá de MetrôRio”, acontece na estação Carioca, das 8h às 16h.

Durante todo o evento, psicólogos e assistentes sociais estarão na estação para informar e orientar os foliões sobre os riscos de misturar bebida e direção, além de incentivar as boas práticas no transporte público durante o carnaval. As equipes de saúde também irão distribuir material educativo com o tema da campanha

A ação contará também com a veiculação nas plataformas de uma gravação do intérprete da GRES Acadêmicos do Salgueiro, Quinho. No aviso sonoro, o cantor fala o seu conhecido bordão dos desfiles das escolas de samba: “Ai, que lindo, que lindo!”, seguindo com as orientações para que os foliões priorizem o uso do transporte público em caso de ingestão de bebidas alcoólicas.

“Pronto para tirar nota 10 com a Unidos do Vagão? Seja gentil, beba com moderação, tome água entre uma bebida e outra e aproveite para embarcar com segurança na operação 24h do MetrôRio no carnaval 2020. Apoio: Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro” 

A iniciativa é uma parceria com a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e faz parte das ações educativas promovidas pela concessionária para coibir comportamentos que podem afetar a rotina de todos os passageiros.

Com Assessorias

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