Antes considerado um problema exclusivo de adultos, hoje a depressão afeta cada vez mais os adolescentes. Porém, nem sempre os pais e educadores estão preparados para diferenciar os sintomas da depressão da popularmente chamada “aborrescência”. Estima-se que a depressão atinge de 3,3 a 12,4% dos adolescentes, sendo mais comum em meninas que em meninos.

A série de sucesso ’13 Reasons Why’, criada pela Netflix e que trata sobre o suicídio entre jovens, e o desafio da Baleia Azul, que viralizou na internet em 2017, causaram alvoroço entre crianças e adolescentes de todo o mundo. Os últimos meses evidenciaram um quadro ainda pouco discutido, mas que merece extrema atenção da sociedade: a depressão na adolescência e o aumento das taxas de suicídio entre pessoas dessa faixa etária.

Segundo Ghina Machado, psicóloga e neuropsicóloga, cofundadora da Clínica Estar a adolescência é marcada por profundas transformações físicas e emocionais. “O corpo muda drasticamente, assim como os níveis hormonais. O adolescente precisa lidar com a perda de sua identidade infantil e, ao mesmo tempo, com a reorganização do seu mundo. Sem dúvida, essa é a tarefa mais difícil desta fase do ciclo vital”.

O porquê de tanta tristeza

A depressão tem causas biológicas, genéticas, psicológicas e sociais. O histórico de depressão na família (pais depressivos) aumenta o risco de desenvolver o problema na infância ou na adolescência em pelo menos três vezes. Outro fator que tem chamado a atenção dos estudiosos é a qualidade do vínculo parental no início da vida.

“A qualidade dos relacionamentos nas fases iniciais da vida pode influenciar o desenvolvimento ou não da depressão mais tarde. Segundo Ghina, quanto melhor for o vínculo emocional entre a criança, a mãe ou cuidadores, melhor será o desenvolvimento da sua capacidade de lidar com as emoções quando chegar à adolescência ou à vida adulta”, diz a psicóloga.

Há outros fatores de risco para a depressão na adolescência, como violência doméstica, histórico de abuso infantil, bullying, perdas (morte de um dos pais, irmãos ou avós), divórcio dos pais, não aceitação da autoimagem, etc.

A depressão ainda pode ter doenças associadas (comorbidades), como transtorno da ansiedade, transtorno de conduta, transtorno desafiador opositivo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtornos relacionados ao uso de drogas e os transtornos alimentares, como bulimia e anorexia nervosa”, explica Ghina.

Sintomas da depressão são diferentes na adolescência
Embora alguns sintomas sejam bem parecidos com os da depressão em adultos, na adolescência há características bem típicas e diferenciadas. “Todo mundo acredita que a tristeza é o sintoma mais básico da depressão. Entretanto, nos adolescentes são mais frequentes a irritação e a instabilidade emocional, podendo inclusive ocorrer crises de raiva frequentemente”, comenta Ghina.

Como diferenciar a depressão da angústia comum
O que diferencia as características da adolescência da depressão nessa fase é a duração dos sintomas. É possível suspeitar de um quadro depressivo quando o adolescente apresenta na maior parte do dia ou pelo menos por duas semanas, pelo menos cinco dos sintomas descritos abaixo:

  • Tristeza
  • Perda do interesse por atividades que gostava (apatia)
  • Diminuição do apetite
  • Perda ou ganho de peso significativo
  • Agitação
  • Apatia
  • Redução da capacidade de concentração
  • Excesso de sono ou insônia
  • Cansaço
  • Sentimento de culpa
  • Pensamentos suicidas ou tentativas de suicídio

O que fazer para ajudar
Quando a criança entra na adolescência, aos 12 anos, ela precisa mais do que nunca da atenção dos pais. O diálogo deve ser a base do relacionamento entre pais e filhos, pois ele permite entender as angústias, as dificuldades e os sentimentos vivenciados pelo adolescente. “O ideal é procurar a ajuda de um psicólogo com experiência em atender adolescentes. O tratamento é fundamental já que existe o risco da depressão se estender para a vida adulta. Um estudo feito nos Estados Unidos, por exemplo, mostrou que 25% dos adultos com depressão relataram o primeiro episódio depressivo antes dos 18 anos de idade”, conclui Ghina.

Atenção aos sinais de alerta

O psicólogo Alexandre Braga, que atende pelo Zenklub – plataforma de vídeo-consultas com psicólogos, revela alguns sinais que podem ser identificados pelas pessoas próximas, especialmente, pais e professores, já que a maioria dos casos é com os jovens com faixa etária entre 15 a 29 anos de idade. Em 2014 foram registrados 2.898 casos de suicídio, dado divulgado pelo Mapa da Violência 2017, estudo publicado anualmente a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.

Isolamento – Apesar de ser um comportamento tipicamente adolescente, é bom ficar atento. Não poder conviver com o outro revela dificuldades em estar consigo mesmo.

Dificuldade de expressar agressividade – Pessoas que não reagem a diversas situações que deveriam provocar raiva ou mesmo tristeza podem ter dificuldades em externalizar os problemas, o que os torna muito mais difíceis de elaborar.

Excessiva adaptação – Pessoas que supostamente se adaptam facilmente a qualquer lugar, situação e pessoas podem ter dificuldades em tomar contato com o próprio desejo. Normalmente estas pessoas estão fechadas em seus próprios mundos e sentem muita dificuldade de entenderem o que querem e quem são.

Bullying – Quem é vítima de bullying e tem alguma fragilidade psíquica pode não suportar o isolamento, o medo, a raiva, entre outros sentimentos. Seria ainda mais complexo quando se trata de uma pessoa que não compreende que é vítima e passa a fantasiar que ela é que seria inadequada e que não vê esperança quanto à própria vida.

Pouca autoridade dos pais – Os jovens precisam de limites e sentem-se abandonados inconscientemente quando os pais não exercem sua autoridade. O limite é uma forma de contenção e carinho, um contorno necessário para quem ainda está se desenvolvendo rumo à vida adulta.

Campanha Adolescentes em Risco

Foi em meio à  turbulência causada pelo jogo Baleia Azul e pela série 13 Reasons Why que a startup brasileira Vittude –  criada para conectar psicólogos e pacientes em busca de sessões de terapia – teve dias tão intensos desde maio passado. O excesso de visitantes causou a queda de seu servidor por diversas vezes. A startup mantém em seu site um chat, que funciona normalmente em horários comerciais, mas que foi utilizado para rastrear as razões das visitas inesperadas, especialmente em dias e horários incomuns: finais de semana, entre 22h e 1h da madrugada.

Preocupada, a equipe iniciou interação com estes usuários, quando percebeu que se tratavam em sua maioria de adolescentes. Boa parte deles apresentava sinais de ansiedade e depressão severas. Eram relatos de automutilação, tentativas de suicídio, agressão, violência e abuso. Alguns revelaram ter pouco diálogo com os pais, além de serem repreendidos quando falavam sobre o assunto em casa. Também disseram não ter condições para pagar por consultas com um psicólogo.

Foi em meio ao turbilhão de polêmicas e poucas soluções, que a Vittude fez algo diferente. A empresa criou a campanha “Adolescentes em Risco”, onde pedia a ajuda de psicólogos de todo país, para que pudessem atender esses jovens de forma gratuita. A iniciativa viralizou, obteve mais de 1,6 milhão de visualizações no Facebook e reuniu cerca de 2500 psicólogos voluntários. A startup também recebeu apoio de instituições de ensino, clínicas escolas e outros profissionais da área de saúde.

Ajuda só com consentimento dos pais

Mesmo a consulta sendo gratuita, muitos jovens evitaram o diálogo com seus pais e não puderam ser atendidos. “A autorização dos pais para um processo de psicoterapia é fundamental, uma vez que o Conselho Federal de Psicologia proíbe que pessoas menores de 18 anos sejam atendidas sem o consentimento dos pais ou tutores”, explica Tatiana. A Vittude também organizou um e-book com todos os locais de atendimento voluntário e social na cidade de São Paulo, bem como algumas informações sobre procedimentos de emergência.

“Tudo o que aconteceu em dois meses serviu para nos conscientizar do nosso papel perante a sociedade. Estamos repensando algumas estratégias e decidimos manter o atendimento gratuito por tempo indeterminado para todas as pessoas que precisam de atendimento psicológico e não possuem condições de pagar pela consulta”, finaliza a CEO da Vittude.

A startup seguirá realizando atendimento voluntário por tempo indeterminado. Psicólogos que desejam ser voluntários podem se cadastrar no site: https://www.vittude.com/. Jovens e pais que precisam de algum apoio psicológico devem entrar em contato através do chat mantido na plataforma ou enviar e-mail para contato@vittude.com. A equipe de atendimento fará uma primeira avaliação da gravidade do caso para direcioná-los adequadamente. 

Fontes: Clínica Estar, Zenklub e Vittude, com Redação

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