Desde 9 de março, Dia Mundial do Rim, a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) está em campanha para reivindicar mais Saúde Renal a Todos, sobretudo pela ampliação do acesso a um exame simples de sangue para medir a creatinina. Por ser filtrada pelos rins, quando encontrada em excesso no organismo, essa substância indica como está o funcionamento dos rins. Quanto mais creatinina no sangue, mais afetado estão os rins.
Um grande problema é que muitas vezes esse exame não é solicitado e as pessoas apenas descobrem problemas renais em fases muito avançadas das lesões. A doença renal crônica costuma ser silenciosa e somente provoca sintomas em estágios mais graves. Infartos e acidentes vasculares cerebrais são doenças que levam ao óbito e muitas vezes são provocadas por rins que já vinham em falência.
A doença renal crônica (DRC) é uma das principais causas de morte no Brasil, com 40 mil novos doentes ao ano. Estima-se que no Brasil mais de 140 mil pacientes renais estão fazendo terapia renal substitutiva (TRS). Ou seja, quando os rins atingem 85% de comprometimento, os pacientes precisam realizar diálise – uma terapia que faz a filtragem do sangue por meio de uma máquina – ao menos três vezes por semana até que a pessoa possa fazer um transplante renal. Mas muitos não conseguem e permanecem em diálise por anos.
Em apoio à campanha da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), que representa cerca de 840 clínicas de diálise que realizam os serviços de nefrologia para os sistemas privado de saúde e público, pelo SUS, reforça que os doentes renais no Brasil, especialmente os atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ainda necessitam de um olhar mais cuidadoso.
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“O Dia Mundial do Rim precisa ser celebrado para conscientizar o poder público e a sociedade para ações que promovam a prevenção e também para que se cuide bem, com efetividade, dos que ficaram doentes. Hoje, as clínicas estão mal remuneradas, há risco de falências em série e nós, nefrologistas, estamos muito aflitos com a saúde desses pacientes”, afirma o nefrologista Yussif Ali Mere Júnior, presidente da ABCDT.
Uma conta que nunca fecha
Nos últimos anos, o custo com o tratamento tem aumentado, e em contrapartida o repasse do Ministério da Saúde para as clínicas privadas não está sendo atualizado para atender os gastos, que são expressivos. O repasse feito por cada sessão de hemodiálise é R$ 218 e o custo médio é de R$ 302, gerando uma defasagem mínima de 39% dependendo do porte e do local em que a clínica esteja.
“A prevenção primária é uma ação importante para afastar causas e fatores de riscos de doenças tratáveis e que poderiam ser evitadas. Mas temos que cuidar de muitos problemas que hoje afetam os renais.muitos têm dificuldade para conseguir realizar a terapia dentro de uma clínica e ficam internados em hospitais até conseguir uma vaga”, enfatiza o médico.
Segundo ele, há pacientes que não conseguem fazer a cirurgia de acesso vascular para colocar a fístula e seguem dialisando com cateter provisório, correndo risco de terem infecção nesse catéter e não conseguirem fazer a hemodiálise. Há também os que precisam mudar de cidade ou ficar horas na estrada até chegarem numa cidade que tenha hemodiálise.
“Nessas enchentes, temos visto pacientes com dificuldade para fazer a hemodiálise. Na Covid, muitos se contaminaram e morreram. A diálise peritoneal, feita em casa, é quase inexistente. Apenas 6% dos pacientes têm acesso. Algo urgente precisa ser feito pelos renais. A vulnerabilidade deles ainda é muito grande”, afirma.
Sem recursos, muitas clínicas estão deixando de fazer investimentos e até mesmo finalizando contratos com o SUS e atendendo apenas a rede privada de saúde. A ABCDT vem apelando para o Governo Federal, aos Estados e Municípios que atualizem os valores pagos aos prestadores de serviço de diálise e transplante.
“Um exemplo, é que o financiamento da saúde é tripartite, ou seja, estados e municípios podem complementar as verbas, mas apenas os estados do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Distrito Federal complementam os custos da diálise”, revela o médico.
O médico faz uma previsão pessimista e ameaçadora para quem precisa desse tratamento tão caro e cada vez mais difícil no Brasil. “O que nos resta pensar é que o futuro é incerto para os pacientes renais crônicos. É importante que a sociedade saiba que essa terapia substitui a função que o rim doente não consegue mais executar e, sem esse tratamento, o paciente renal vai a óbito”, destaca.
Ainda de acordo com ele, o Brasil vinha, até aqui, sendo um bom exemplo de prestação de serviço nefrológico. “Há pacientes renais com mais de 30 anos em diálise desde que os rins pararam. E esses cidadãos, em sua maioria, são pessoas que adquirem diabetes e hipertensão e depois perdem a função renal”, explica Dr. Yussif.
Número de pacientes em diálise no Brasil mais do que dobrou
Estima-se que cerca de 8% da população mundial tenha algum tipo de disfunção renal. A prevalência é mais alta conforme a idade. Somente uma pequena parcela dessas pessoas tem conhecimento dessa disfunção e, como consequência, a maioria das pessoas que necessitam de um tratamento com diálise inicia esse tratamento emergencialmente e sem um acompanhamento prévio, explica Ana Beatriz Barra, diretora médica da Fresenius Medical Care
E de 2005 a 2022, o número de pacientes em diálise no Brasil mais que dobrou, passando de 65 mil para 144 mil, segundo o censo realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).
“Estamos numa constante luta para conscientizar os pacientes e também os outros médicos e os governos sobre a importância da saúde renal. É preciso entender que a mesma vigilância proposta ao coração deve se estender aos rins. Ambos necessitam da integridade do sistema vascular, que é afetado por envelhecimento, obesidade, sedentarismo e as doenças crônicas relacionadas com a idade e ao estilo de vida, como diabetes e hipertensão arterial. Os rins são tufos de vasos sanguíneos altamente organizados e especializados, por isso sofrem com os mesmos problemas que fazem mal ao coração, ao cérebro e a retina”, detalha a médica.
Fonte: ABCDT e Fresenius Medical Care