Após a aprovação no Congresso Nacional, do projeto de Lei nº 1998/2020 que autoriza a prática no Brasil, a telessaúde alcança mais uma conquista importante. O Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou nesta quinta-feira (4) a Resolução nº 2.314/2022 (acesse aqui), que define e regulamenta a telemedicina no Brasil, como forma de serviços médicos mediados por tecnologias e de comunicação no Brasil.
A medida esclarece que a decisão de autorizar ou não os atendimentos por teleconsulta caberá aos planos de saúde, assim como ao próprio médico, mantendo sua autonomia de decidir quando é possível e seguro usar o recurso. Além de não trazer nenhuma restrição, o texto também elenca quais seriam os atendimentos que deveriam prioritariamente ser realizados presencialmente.
A resolução esclarece ainda conceitos importantes para prática, como, por exemplo, as sete modalidades contempladas. Além das teleconsultas, incluem a teleinterconsulta (quando médicos consultam outros médicos), telediagnóstico (envio de laudos de exames aos médicos), telecirurgia (mediada por robôs), telemonitoramento (o acompanhamento da evolução clínica do paciente), teletriagem (regulação do paciente para internação) e teleconsultoria.
De acordo com o CFM, a norma é fruto de um amplo debate reaberto em 2018 com entidades médicas e especialistas, passa a regular a prática em substituição à Resolução CFM nº 1.643/2002 e entra em vigor a partir da data de sua publicação.
“Baseada em rígidos parâmetros éticos, técnicos e legais, a norma abre as portas da integralidade para milhões de brasileiros que dependem exclusivamente do Sistema Único e Saúde (SUS) e, ao mesmo tempo, confere segurança, privacidade, confidencialidade e integridade dos dados dos pacientes”, destacou o presidente do CFM, José Hiran Gallo.
Para Caio Soares, presidente da Saúde Digital Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital), a resolução do CFM é bem completa , segue a lógica dos parâmetros do Código de Ética Médica e respeitando um aspecto importante, que é a autonomia do médico. Segundo ele, essa decisão contribui substancialmente para melhoria do SUS (Sistema Único de Saúde).
“Essa é mais uma confirmação do valor da telessaúde. E, claro, mais um importante passo a saúde digital no Brasil. Finalmente o nosso país começa a entrar nessa era da Saúde Digital de fato e agora de direito, respaldado por uma lei que traz segurança jurídica e da informação e com diretrizes claras para o exercício pleno da telemedicina”, ressalta.
Para Chao Lung Wen, embaixador da QGA – Acreditação em Saúde Digital, professor e pesquisador da Faculdade de Medicina da USP, é importante que o sistema de saúde seja híbrido e que ele seja melhorado com recursos digitais.
Ele estima que é preciso que a Saúde Digital responsável precise ser estruturada até 2025 e destaca a importância da melhora da telecomunicação com recursos tecnológicos assistenciais. Para ele, isto pode ser aplicado de forma ética para reduzir os desperdícios e aumentar a eficiência na saúde.
“A população idosa (que também será mais vulnerável) está aumentando no país, sendo que, em 2030, teremos mais idosos do que crianças de 0 a 14 anos no Brasil. Neste mesmo ano, segundo os termos do leilão do 5G, realizado em 4/11/2021, o 5G estará implantado em todas as cidades com mais de 30 mil habitantes no país”, informou.
Entre as formas de garantir essa estruturação, apontadas pelo Dr. Chao, destaca-se a Acreditação. Segundo ele, no Brasil, a Quality Global Alliance (QGA) foi a pioneira no modelo em hospitais com Telemedicina e na discussão voltada à Acreditação em Telessaúde Integrada. “A Acreditação em Saúde Digital é a ponte para a construção de uma saúde do futuro humanizada, uma saúde conectada sem distância.”, finalizou o especialista.
Capacidade comprovada na pandemia
O presidente do CFM, José Hiran Gallo, considera que a telemedicina é um método que, especialmente durante a pandemia, demonstrou sua grande capacidade de levar assistência às cidades do interior e beneficiar também os grandes centros, reduzindo o estrangulamento causado pela demanda e pela migração de pacientes em busca de tratamento.
A norma assegura ao médico devidamente inscrito nos Conselhos Regionais de Medicina a autonomia de decidir se utiliza ou recusa a telemedicina, indicando o atendimento presencial sempre que entender necessário. Essa autonomia está limitada aos princípios da beneficência e não maleficência do paciente e em consonância com os preceitos éticos e legais.
“A consulta médica presencial permanece como padrão ouro, ou seja, referência no atendimento ao paciente. Mas a pandemia mostrou que a telemedicina pode ser um importante ato complementar à assistência médica, permitindo o acesso a milhares de pacientes”, destacou o relator da norma, Donizetti Giamberardino.
O ponto de partida para a elaboração da recém-aprovada Resolução, segundo ele, foi também colocar a assistência médica brasileira em sintonia com a inovação e os avanços da tecnologia. Para o CFM, ao ser exercida com a utilização dos meios tecnológicos e digitais seguros, a medicina deve visar o benefício e os melhores resultados ao paciente, o médico deve avaliar se a telemedicina é o método mais adequado às necessidades do paciente, naquela situação.
“O médico que utilizar a telemedicina, ciente de sua responsabilidade legal, deve avaliar se as informações recebidas são qualificadas, dentro de protocolos rígidos de segurança digital e suficientes para a finalidade proposta”, pontua a norma.
Amplo debate
Donizetti Giamberardino avalia que, por força legal, a crise sanitária causou um significativo aumento no uso da Telemedicina, propiciando ainda mais pertinência ao CFM para emanar a atualização de seu normativo, que já vinha sendo discutida desde 2018. De lá para cá, explica, uma Comissão Especial avaliou quase duas mil propostas sobre o tema e que foram enviadas por médicos atuantes dos serviços públicos e privados.
Além disso, o CFM abriu o tema para que entidades médicas de todo o País apresentassem suas contribuições, por escrito ou em encontros específicos. Entre as entidades participantes estão a Associação Médica Brasileira (AMB), a Federação Nacional dos Médicos (Fenam), a Federação Médica Brasileira (FMB), Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), sociedades de especialidades, associações médicas e sindicatos médicos.
“Com essa iniciativa, o CFM reforça seu compromisso assumido com a categoria de ampliar as discussões sobre as mudanças nessas regras, procurando envolver diferentes segmentos de representação”, ressaltou Giamberardino. A partir de agora, a Resolução CFM nº 2.314/2022 define e regulamenta a telemedicina como forma de serviços médicos mediados por tecnologias e de comunicação.
Segurança e privacidade
Para assegurar o respeito ao sigilo médico, por exemplo, um princípio ético fundamental na relação com os pacientes, nos serviços prestados por telemedicina “os dados e imagens dos pacientes, constantes no registro do prontuário devem ser preservados, obedecendo as normas legais e do CFM pertinentes à guarda, ao manuseio, à integridade, à veracidade, à confidencialidade, à privacidade, à irrefutabilidade e à garantia do sigilo profissional das informações”.
De acordo com a nova resolução, o atendimento por telemedicina deve ser registrado em prontuário médico físico ou no uso de sistemas informacionais, em Sistema de Registro Eletrônico de Saúde (SRES) do paciente, atendendo aos padrões de representação, terminologia e interoperabilidade.
Os dados de anamnese e propedêuticos e os resultados de exames complementares, e a conduta médica adotada, relacionados ao atendimento realizado por telemedicina também devem ser preservados, sob guarda do médico responsável pelo atendimento em consultório próprio ou do diretor técnico, no caso de interveniência de empresa ou instituição.
Concordância do paciente
A resolução estabelece que o paciente ou seu representante legal deve autorizar o atendimento por telemedicina e a transmissão das suas imagens e dados por meio de (termo de concordância e autorização) consentimento livre e esclarecido, enviados por meio eletrônico ou de gravação da leitura do texto e concordância, devendo fazer parte do SRES do paciente.
Estabelece ainda que, no caso de emissão à distância de relatório, ela deverá conter identificação do médico, incluindo nome, número do registro no CRM e endereço profissional do médico, identificação e dados do paciente, além de data, hora e assinatura do médico com certificação digital do médico no padrão ICP-Brasil ou outro padrão legalmente aceito.
Além disso, os dados pessoais e clínicos do teleatendimento médico devem seguir as definições da LGPD e outros dispositivos legais quanto às finalidades primárias dos dados. “Não há dúvida de que esta inovação tecnológica traz uma grande contribuição para o atendimento dos pacientes, mas, como em qualquer ato de saúde, o paciente precisa ter certeza de que existe uma estrutura de governança confiável no local. A qualidade e a segurança do atendimento deve ser uma prioridade nesses pontos de atendimento”, aponta o relator.
Confira alguns dos destaques da nova Resolução da Telemedicina
Consulta presencial: o médico tem autonomia para decidir se a primeira consulta poderá ser, ou não, presencial. Reitera-se que o padrão ouro de referência para as consultas médicas é o encontro em pessoa, sendo a telemedicina um ato complementar. Os serviços médicos à distância não poderão, jamais, substituir o compromisso constitucional de garantir assistência presencial segundo os princípios do SUS de integralidade, equidade, universalidade a todos os pacientes.
Acompanhamento clínico: No atendimento de doenças crônicas ou doenças que requeiram assistência por longo tempo, deve ser realizada consulta presencial, com o médico assistente do paciente, em intervalos não superiores a 180 dias.
Segurança e sigilo: os dados e imagens dos pacientes, constantes no registro do prontuário devem ser preservados, obedecendo as normas legais e do CFM pertinentes à guarda, ao manuseio, à integridade, à veracidade, à confidencialidade, à privacidade, à irrefutabilidade e à garantia do sigilo profissional das informações.
Termo de consentimento: o paciente ou seu representante legal deve autorizar expressamente o atendimento por telemedicina e a transmissão das suas imagens e dados.
Honorários médicos: a prestação de serviço de telemedicina, como um método assistencial médico, em qualquer modalidade, deverá seguir os padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação à contraprestação financeira pelo serviço prestado.
Territorialidade: as empresas prestadoras de serviços em telemedicina, plataformas de comunicação e arquivamento de dados deverão ter sede estabelecida em território brasileiro e estarem inscritas no CRM do estado onde estão sediadas, com a respectiva responsabilidade técnica de médico regularmente inscrito no mesmo Conselho.
Fiscalização: os CRMs manterão vigilância, fiscalização e avaliação das atividades de telemedicina, em seus territórios, no que concerne à qualidade da atenção, relação médico-paciente e preservação do sigilo profissional.
Seis modalidades distinguem a prática da Telemedicina
A resolução estabelece que a telemedicina é “exercício da medicina mediado por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs), para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde”, podendo ser realizada em tempo real on-line (síncrona), ou off-line (assíncrona). De acordo com a nova Resolução, o atendimento à distância poderá ser realizado por meio de sete diferentes modalidades. Veja detalhes abaixo.
- TELECONSULTA: caracterizada como a consulta médica não presencial, mediada por TDICs, com médico e paciente localizados em diferentes espaço.
- TELEINTERCONSULTA: Ocorre quando há troca de informações e opiniões entre médicos, com ou sem a presença do paciente, para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico. É muito comum, por exemplo, quando um médico de Família e Comunidade precisa ouvir a opinião de outro especialista sobre determinado problema do paciente.
- TELEDIAGNÓSTICO: A emissão de laudo ou parecer de exames, por meio de gráficos, imagens e dados enviados pela internet também passa a ser permitida e é definida como telediagnóstico. Nestes casos, o procedimento deve ser realizado por médico com Registro de Qualificação de Especialista (RQE) na área relacionada.
- TELECIRURGIA: É quando o procedimento é feito por um robô, manipulado por um médico que está em outro local. Essa modalidade foi recentemente disciplinada pela Resolução CFM nº 2.311/2022, que regulamentou a cirurgia robótica no Brasil.
- TELEVIGILÂNCIA: Também conhecido por telemonitoramento, consiste no ato realizado sob coordenação, indicação, orientação e supervisão de parâmetros de saúde ou doença, por meio de avaliação clínica ou aquisição direta de imagens, sinais e dados de equipamentos ou dispositivos agregados ou implantáveis nos pacientes.
- TELETRIAGEM: realizada por um médico para avaliação dos sintomas do paciente, à distância, para regulação ambulatorial ou hospitalar, com definição e direcionamento do mesmo ao tipo adequado de assistência que necessita ou a um especialista.
- Com Assessorias