Servidora pública, Ana Claudia Figueiredo, de 44 anos,  não arreda o pé do leito do filho, João Vitor Figueiredo, de 10 anos, caçula de uma família de três filhos de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. A rotina da família começou a mudar em 31 de agosto, quando o menino foi atendido na área de onco-hematologia do Hospital Federal da Lagoa (HFL), referência no tratamento de câncer pediátrico.

João Vitor começou a ser tratado em setembro, no mesmo dia em que recebeu o diagnóstico de leucemia. No último dia 23 de novembro, ele voltou para a internação porque teve febre. “Sei que posso me curar se eu fizer tudo o que estão me pedindo aqui”, conta o menino, ao lado da mãe. Confira o relato de Ana Claudia Figueiredo:

“O primeiro ‘baque’ que tivemos foi em um consulta no hospital em São Gonçalo, onde moramos. Os exames indicaram suspeita de câncer. Fomos então transferidos para o Hospital Federal da Lagoa em 1º de setembro deste ano, já com uma noção, uma ideia, de que João poderia estar com leucemia. No dia 6 de setembro, pela manhã, tivemos o diagnóstico de leucemia confirmado. O tratamento iniciou no mesmo dia.

Minha principal dúvida era o que todo pai teme: saber se a doença tem cura ou não. Quando chegamos ao HFL, nos explicaram tudo sobre a doença. Conforme as dúvidas foram surgindo, a equipe esclareceu cada etapa do tratamento. Nos explicaram como eram essas etapas, as fases da quimioterapia, as reações na criança, nos deixaram mais tranquilos.

Aqui, toda e qualquer necessidade assistencial que temos é atendida de imediato. Ontem mesmo (23/11), João teve febre. Ao examiná-lo, constataram que as defesas dele estavam zeradas. Imediatamente a equipe médica o internou e o manteve em observação. Apesar da gravidade da doença, fiquei muito tranquila porque eu vejo que mantêm tudo sob controle. É possível perceber que o organismo dele está reagindo bem ao tratamento. Nesse momento, entendi que o comprometimento dos médicos e da equipe faz toda a diferença.

Eu converso sobre tudo com meu filho e de forma muito clara. Não escondo nada dele. Mas vou falando de forma gradual, de acordo com a curiosidade dele. Antes de começar o tratamento no HFL, tivemos uma experiência que nos marcou muito. Fomos a uma casa de apoio a crianças com câncer. Foi a primeira vez que João viu outras crianças com a doença e já sem cabelos, por conta da medicação. As perguntas e comentários dele não me deixaram opção senão explicar que ele também tinha câncer, um tipo específico que se desenvolve no sangue. Choramos muito, mas ele se mostrou mais forte do que eu imaginava”.

Método para contar às crianças sobre o câncer

Ana Claudia e os familiares foram os primeiros a saber sobre a doença João Vitor. No Hospital Federal da Lagoa, a família sempre sabe antes. A equipe da onco-hematologia pediátrica estabeleceu como prática reunir o médico que acompanha o tratamento e um outro colega, como o psicólogo, para atuar como um observador. O método ali desenvolvido utiliza como base o protocolo S.P.I.K.E.S (Six-step Protocol for delivering bad news), mas avança adequando a conduta dos profissionais às particularidades de cada paciente e de sua família.

A comunicação da doença jamais ocorre em corredores, mas em uma salas reservadas. Jamais é feita com celulares da equipe ligados. Juntos, pais e equipe, vão estabelecendo como e quando contar à criança ou ao adolescente, o que pode demorar alguns dias, até os familiares se restabelecerem do choque inicial. Mas o tratamento começa de imediato, assim que há o diagnóstico. Por isso, o momento de contar a verdade não pode demorar demais.

“A gente prefere que a criança não assista a reação dos pais. Eles, os pais, podem se desesperar”, observa a psicóloga Patricia Barbosa, da área de onco-hematologia pediátrica. “E também não contamos para as crianças sozinhas com os profissionais. É importante nesse momento ter junto alguém de muito vínculo com elas. Por isso, damos um tempo para os pais se recuperarem um pouco da notícia, pensarem e construírem conosco a forma como contar. É fundamental dar esse tempo de reflexão a esses pais”.

Quando é o melhor momento para contar

Mas, afinal. um ano e meio de vida já é suficiente para saber que se tem um câncer? Na área de onco-hematologia do HFL, respostas para este tipo de dúvida deixaram de ser óbvias ou restritivas. Cada criança é enxergada e tratada como uma criança diferente, avaliada com detalhamento em seu contexto cultural e a ela é dado o direito de saber, sim, ao menos que está com um ‘dodoi’ importante.

Para a equipe coordenada pela médica oncologista Soraia Rouxinol, o conhecimento sobre a doença é primordial para que os pequenos pacientes consigam ajudar no seu tratamento. Como a ‘conduta para a má notícia’ não tem sido conteúdo comumente visto nas faculdades de Medicina, Enfermagem ou Psicologia, ela e os demais especialistas desenvolveram ali um método próprio para contar.

“A criança tem o direito de comunicação de sua condição”, ressalta Soraia, 25 anos de experiência na área e que conta com equipe multidisciplinar com outros seis médicos, dois enfermeiros, quatro técnicos de enfermagem e uma psicóloga. “De frente para o paciente, para a sua família, nossa primeira frase sempre é: ‘o que você sabe sobre o que você tem’? E a gente deixa falar, deixa perguntar. Muitas perguntas vão surgindo ao longo do tratamento e a gente responde a todas, observando, claro, o conhecimento que a idade já permite ter, suas vivências pessoais e culturais, e até o jeito como a família conversa com ela. São crianças que a gente vai acompanhando de zero até 18 anos, até quase a vida adulta”.

Com um diagnóstico sério como câncer, as crianças não podem deixar, por exemplo, de engolir os comprimidos a elas entregues, têm de se sujeitar a longos tratamentos e se cuidar inclusive para não se machucar e fazer outros ‘dodois’. Seguir o tratamento é condição para aumentar as chances de se superar a doença que mais causa mortes infantojuvenis no país – foram registradas 2.724 mortes por câncer infantojuvenil no Brasil em 2014 (dado mais recente).

A sobrevida estimada no Brasil por câncer na faixa etária até 19 anos é de 64%, conforme levantamento divulgado na última semana pelo Instituto Nacional de Câncer José de Alencar (Inca), do Ministério da Saúde. O índice foi calculado com base nas informações de incidência da doença e mortalidade.

Diferentes fases da vida

A equipe evita estabelecer parâmetros restritivos de idade para cada tipo de comportamento ou forma de contar sobre a doença. Mas na primeira infância, fase em que a criança tem a compreensão de conceitos concretos e não tanto dos abstratos, normalmente fica sabendo que tem um ‘dodoi no sangue’ e, por isso, às vezes tem pintinhas vermelhas espalhadas no corpo. No caso de leucemia, por exemplo, pode ser um resultado da doença perceptível aos olhos.

Na segunda infância, a criança já pode saber da leucemia, do linfoma. A ela é explicado por que se sente mais cansada, mais enfraquecida, e que esses sintomas são associados à doença no sangue. Já na terceira infância geralmente cresce a compreensão incusive sobre os resultados dos exames, como os de medula. “Elas já vêm direto nos perguntando se o exame ‘veio limpo’, já sabem que isso quer dizer que o tratamento tem efeito’”, conta Patricia.

Segundo as especialistas da onco-hematologia pediátrica, o sucesso no tratamento de uma criança com câncer compreende aspectos diversos, que funcionam de forma concomitante. São eles: os estudos iniciais sobre a doença daquela criança para o conhecimento pleno, a agilidade no diagnóstico e no tratamento do câncer, a expertise da equipe e recursos disponíveis para um tratamento de qualidade, abrangendo todas as dimensões que a doença envolve – e é neste item que se insere a comunicação adequada e eficiente.

Do Ministério da Saúde, com Redação

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