No Brasil, mais de 80 mil pessoas aguardam na fila por um transplante, sendo que mais de 31 mil necessitam de uma córnea, segundo dados do Ministério da Saúde. Considerado um dos procedimentos que mais despertam dúvidas, é também um dos mais realizados no país.
O tempo médio de espera por transplante de córnea no Brasil dobrou em 10 anos. Segundo dados recentes do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), a média nacional passou de 174 dias em 2015, para 374 dias em 2024. No Rio de Janeiro, a fila já ultrapassa 1.400 dias, o que chega a quase quatro anos.
Entre os fatores que podem levar um paciente à fila de transplante estão doenças degenerativas, como o ceratocone; infecções graves, como úlcera de córnea; lesões traumáticas resultantes de acidentes; e complicações cirúrgicas ou condições congênitas.
De acordo com o CBO, quase metade (47%) das pessoas que aguardam tem mais de 65 anos, faixa etária mais atingida por doenças degenerativas da córnea. Outro grupo expressivo é de jovens com ceratocone, que representam 17% da fila.
Fatores que levam ao aumento da fila de espera por córnea
O oftalmologista Fernando Luiz Medeiros, especialista em transplantes, explica que a demora é resultado de uma combinação de fatores: aumento da demanda de transplantes pelo maior acesso a diagnósticos diagnósticos, recusa familiar na doação, contra indicações médicas, limitações financeiras e estruturais dos bancos de olhos e ineficiência na distribuição interestadual de tecidos.
Até mesmo o baixo aproveitamento dos tecidos disponíveis, pela falta de protocolos atualizados como o split córnea, quando a mesma córnea é usada em dois pacientes, contribui para o agravamento da fila”, afirma o médico, que atua na Oftalmo Clínica de Petrópolis.
A realidade, entretanto, não é uniforme no país. Enquanto São Paulo consegue realizar transplantes em questão de meses, estados como Ceará e Mato Grosso sequer têm filas. Segundo Medeiros, a diferença está na organização e eficiência dos bancos de olhos.
São Paulo possui uma rede estruturada, com processos padronizados, integração com as centrais de transplantes e forte conscientização da população. Já o Rio sofre com baixa cultura de doação, dificuldades de captação em áreas de risco e, durante a pandemia, uma queda brusca, já que um dos principais bancos de olhos do estado funciona em um hospital que concentrou leitos para pacientes com Covid-19”, detalha.
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Pode restaurar parcial ou totalmente a visão, devolvendo autonomia, qualidade de vida e, muitas vezes, permitindo ao paciente retomar atividades profissionais e acadêmicas”, destaca o especialista do hospital Oftalmos.
É fundamental que a população saiba que a doação não prejudica a aparência do doador e que o processo é realizado com todo respeito e ética”, acrescenta.
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Como a inteligência artificial pode ajudar na gestão de filas
De acordo com o médico oftalmologista Fernando Luiz Medeiros, a inteligência artificial, o big data e a telemedicina podem transformar a gestão da fila de espera por órgãos no Brasil.
A IA pode tornar a lista de espera mais inteligente, priorizando pacientes conforme acuidade visual, idade e risco de progressão da doença. Além disso, a telemedicina já tem permitido confirmar indicações e triar prioridades em áreas distantes”, explica.
Nos bancos de olhos, a automação de protocolos poderia acelerar a triagem de doadores, otimizar notificações e até auxiliar no contato com familiares. Outro ponto são as técnicas avançadas de preservação, como a preparação de tecidos para transplantes parciais, também ajudariam a reduzir a espera.
Outro desafio é financeiro. Os repasses públicos não acompanham a inflação e os insumos são importados, encarecendo o processo. Medeiros defende atualização periódica dos valores e incentivo à produção nacional. “Uma unificação nacional do sistema de transplantes, com compra centralizada de insumos, poderia reduzir custos e aumentar a eficiência”, diz.
O que o Brasil pode aprender com outros países
Apesar das dificuldades, o Brasil segue como referência internacional pela habilidade dos cirurgiões e pela criação de técnicas inovadoras. Segundo o especialista, é possível avançar ainda mais com a adoção de tecnologias já utilizadas em países como Canadá e Austrália, como tecidos pré-preparados para transplante (pre-loaded), novos medicamentos e equipamentos de ponta.
Para Medeiros, a tecnologia pode reduzir o impacto da fila por doação de córnea. Para jovens, o diagnóstico precoce e tratamentos como o Cross Linking podem evitar a necessidade de transplante. Para os idosos, a possibilidade de dividir uma mesma córnea entre dois receptores é decisiva.
O médico acrescenta que o futuro já aponta para novas soluções: “O futuro aponta para mais transplantes parciais, uso de células-tronco, cultivo de tecidos e medicamentos que retardam ou até revertem alterações degenerativas da córnea. Precisamos apenas que os órgãos reguladores sejam mais ágeis na liberação dessas inovações”, pontua.