O vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1, ou HTLV-1, ataca as células do sistema imunológico e pode causar doenças como leucemia e mielopatia, além de deixar o organismo mais vulnerável a infecções. O HTLV-1 pode ser transmitido durante a relação sexual desprotegida ou de mãe para filho, principalmente durante a amamentação. Mas cerca de 5% das infecções podem ocorrer durante a gestação ou parto e, sobretudo, por meio da amamentação.
No Brasil, como medida preventiva, além da testagem obrigatória durante o pré-natal, as gestantes infectadas são orientadas a não amamentar, sendo a fórmula láctea fornecida gratuitamente para as crianças expostas. Apesar dessas medidas, permanece um risco residual de transmissão, estimado em cerca de 5%, que pode ocorrer ainda no período gestacional ou durante o parto.
São essas infecções causadas pela transmissão vertical desse vírus que um projeto de pesquisa brasileiro quer evitar. Pesquisadores da Fiocruz Bahia, em parceria com o Ministério da Saúde, vão testar se um remédio utilizado no tratamento de HIV – o vírus da Aids – pode prevenir a transmissão do vírus HTLV-1 de mãe para filho.

O estudo inédito vai acompanhar 516 gestantes infectadas pelo HTLV-1 e seus recém-nascidos até que eles completem 18 meses de idade. Parte das gestantes usará o medicamento dolutegravir, da 24ª semana de gestação até o parto. Depois os bebês continuarão usando o remédio por 28 dias. O outro grupo, que servirá como controle, seguirá apenas a recomendação padrão de suspender a amamentação.

Caso os resultados confirmem que o remédio reduz as infecções, será a primeira intervenção farmacológica do mundo capaz de prevenir a transmissão vertical do vírus. De acordo com os pesquisadores, isso pode embasar um novo protocolo e ajudar o Brasil a cumprir com a meta estabelecida pela Organização Pan-Americana da Saúde, de eliminar a transmissão vertical do HTLV-1 até 2030.

HTLV-1 é um retrovírus associado a doenças graves, como leucemia/linfoma de células T do adulto e mielopatia associada ao HTLV, além de aumentar a suscetibilidade a algumas infecções oportunistas. O Brasil é uma das maiores áreas endêmicas do mundo, especialmente na região Nordeste. Atualmente, não existe nenhuma intervenção farmacológica comprovada para impedir a transmissão vertical do vírus, responsável por milhares de novos casos a cada ano.

Esse é um passo histórico para o enfrentamento do HTLV-1. Se o Dolutegravir se mostrar eficaz, será a primeira intervenção farmacológica capaz de prevenir a transmissão vertical do vírus”, afirma a coordenadora do estudo e pesquisadora da Fiocruz, Maria Fernanda Rios Grassi. 

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Saiba mais sobre o ensaio clínico

O ensaio clínico PrevINIr HTLV-TV visa avaliar o uso do medicamento Dolutegravir (DTG) na prevenção da transmissão vertical do vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1 (HTLV-1). O projeto  busca interromper esses riscos residuais de transmissão ao investigar a eficácia e a segurança do Dolutegravir, medicamento já amplamente utilizado no tratamento e na profilaxia do HIV.

Trata-se de um estudo randomizado de fase 2/3 que vai acompanhar 516 gestantes infectadas pelo HTLV-1 e seus recém-nascidos até os 18 meses de idade. As participantes serão divididas em dois grupos: cuidado padrão + Dolutegravir (gestante e recém-nascido); e cuidado padrão (grupo controle).

As gestantes do grupo de intervenção receberão Dolutegravir (50 mg/dia) a partir da 24ª semana de gestação até o parto. Já os recém-nascidos receberão a medicação (5 mg/dia) durante 28 dias, seguindo o protocolo internacional PETITE-DTG.

O acompanhamento incluirá exames clínicos e laboratoriais, com destaque para a carga proviral do HTLV-1, anticorpos anti-HTLV-1 e função hepática e renal. O desfecho primário será a taxa de transmissão vertical do HTLV-1, avaliada por biologia molecular nas crianças aos 6 meses de idade.

O estudo está em consonância com as diretrizes do MS e com as metas da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), que estabelecem a eliminação da transmissão vertical do HTLV-1 até 2030. Caso os resultados confirmem a eficácia da intervenção, a iniciativa poderá transformar protocolos de cuidado materno-infantil e influenciar diretamente as políticas públicas de saúde no Brasil e no mundo, beneficiando milhares de famílias.

A pesquisa conta com o apoio do Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DATHI) do Ministério da Saúde e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Entre as instituições parceiras, estão o Imperial College London, o Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen-BA), a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e a associação de pacientes HTLVida.

Medicamento é usado para pessoas com HIV acima de 12 anos

Produzido pela empresa ViiV Healthcare (uma joint-venture formada pelas companhias GlaxoSmithKline, Pfizer and Shionogi), em parceria com a Farmanguinhos/Fiocruz e distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), dolutegravir (sob o nome comercial Dovato) é indicado como parte do regime de tratamento de primeira linha para pessoas vivendo com o HIV, inclusive durante a gravidez, de acordo com recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

De acordo com o fabricante, Dovato é um medicamento de dose única diária, podendo ser tomado até mesmo em jejum, para o tratamento de HIV em adultos e adolescentes acima de 12 anos de idade, com peso mínimo de 25 kg, sem histórico de resistência ao dolutegravir ou à lamivudina.

O medicamento é composto por duas moléculas: o dolutegravir 50mg atua ao impedir que o DNA viral se integre ao material genético das células humanas e a lamivudina 300mg age interferindo na conversão do RNA viral em DNA, impedindo assim a multiplicação do vírus.

Custo no Brasil é de 300 dólares por paciente/ano

No Brasil, o custo atual do tratamento no país em 2023 era de R$ 1.525,70 (cerca de US$ 300) por paciente/ano. O valor é inferior ao cobrado da Colômbia, mas quase sete vezes superior ao do medicamento genérico que será adquirido por aquele país, segundo informações do Médicos Sem Fronteiras.

A organização usa um tratamento de primeira linha com base no dolutegravir em alguns de seus programas de HIV/AIDS e tem percebido claros benefícios aos pacientes, com menos efeitos colaterais e menor risco de desenvolver resistência ao fármaco. Apesar disso, em muitos países onde MSF atua, o acesso a versões genéricas mais acessíveis do dolutegravir continua sendo um desafio.

Embora versões genéricas estejam disponíveis internacionalmente por uma fração do preço da ViiV’s, por meio de licenças voluntárias com o Pool de Patentes de Medicamentos (MPP, na sigla em inglês), a ViiV excluiu a Colômbia e muitos países de renda média de se beneficiarem destas licenças. Com isso, a ViiV manteve seu monopólio e continuou a cobrar preços altos na Colômbia e em outros países excluídos da licença”, informa MSF.

De acordo com o governo colombiano, o custo estimado do tratamento com o dolutegravir, vendido pela ViiV com o nome de Tivicay, era de US$ 1.224 por paciente por ano em 2023. É uma cifra exorbitante se comparada aos US$ 22,80 ou US$ 44 por paciente por ano, que foram os preços disponibilizados em 2023 pelo dolutegravir genérico oferecido em 2023 por meio do Fundo Global e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), respectivamente, mas que não podiam ser adquiridos pela Colômbia.

O governo colombiano emitiu em abril de 2024 a primeira licença compulsória para uso pelo Ministério da Saúde do país. A decisão permitirá a ampliação do acesso a versões genéricas mais acessíveis do medicamento dolutegravir sem autorização dos proprietários da patente. Médicos Sem Fronteiras, juntamente com as organizações Public Citizen e a Corporação Global Progresso Humanitário Colômbia, elogiou essa decisão histórica, considerada um exemplo encorajador para países da América Latina, e também de fora da região, de como uma licença compulsória pode funcionar na prática para melhorar o acesso a medicamentos.

Desta forma, o preço disponível ao Ministério da Saúde por meio da licença compulsória (US$ 44 por paciente por ano) é um passo enorme na direção de permitir um acesso a versões genéricas do medicamento a todos que necessitam, incluindo a possibilidade de que MSF passe a adotar o dolutegravir em seus programas médicos.

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Ministério da Saúde amplia tratamento de terapia dupla de HIV no SUS

Novas recomendações autorizam a mudança direta para a dose fixa combinada de DTG + 3TC em pacientes elegíveis; estimativa é que milhares de pessoas se beneficiem

Os medicamentos antirretrovirais surgiram na década de 1980 para impedir a multiplicação do HIV no organismo e evitar o enfraquecimento do sistema imunológico. Desde então, o tratamento da doença evoluiu tanto que, hoje em dia, os indivíduos que recebem os remédios indicados têm uma expectativa de vida muito semelhante à quem não tem HIV. 

Segundo o Relatório Global do UNAIDS 2023, o acesso facilitado ao tratamento evitou quase 21 milhões de mortes relacionadas à Aids nas últimas três décadas. No geral, o número de óbitos associados foi reduzido em 69%.

Atualmente, há cerca de 850 mil pessoas em terapia antirretroviral (Tarv) no Brasil, das quais mais de 190 mil estão em uso de terapia dupla. Em contextos de HIV/AIDS, pacientes portadores do vírus têm um envelhecimento acelerado, o que reforça a importância de um tratamento assertivo o mais rapidamente possível, em busca de um futuro mais saudável.

Com o objetivo de ampliar e facilitar o acesso às pessoas que vivem com HIV/aids no Brasil, o Ministério da Saúde atualizou os critérios sobre indicação de uso de terapia dupla no Sistema Único de Saúde (SUS).

A Nota Técnica nº 91/2025, publicada recentemente, permite que pacientes que já utilizam dolutegravir (DTG) e lamivudina (3TC), seja em comprimidos separados ou em combinação com outros antirretrovirais, possam passar para a terapia dupla com apenas DTG/3TC em um único comprimido.

A substituição pode ser feita independentemente da data de início do tratamento e, nos casos elegíveis, não é necessário que o paciente esteja previamente em uso de DTG+3TC em comprimidos separados.

Para realizar a troca, é preciso atender a critérios clínicos específicos, como: idade superior a 40 anos, carga viral indetectável (inferior a 50 cópias/mL), adesão regular, ausência de falha virológica anterior e indicação médica. A expectativa do Ministério da Saúde é que milhares de pessoas sejam beneficiadas.

Na prática, o que muda é que antes os pacientes que poderiam usar DTG/3TC em comprimido único precisavam já ter iniciado esse esquema em comprimidos separados até setembro de 2024, para depois fazer a migração.

Agora, independentemente do esquema de tratamento atual ou da data de início em DTG/3TC, já poderão começar com terapia dupla de dose única diária, com o medicamento Dovato.

Este é mais um importante avanço no combate ao HIV no país, um programa que é reconhecido mundialmente. Essas mudanças chegaram para simplificar a vida dos pacientes e trazer inúmeros benefícios, como menos medicamentos no seu dia a dia, menos toxicidade no organismo, menores chances de interações com outros remédios, menos efeitos adversos, além da melhora da adesão, que é essencial para o sucesso do tratamento de HIV/Aids”, afirma o infectologista Jucival Fernandes, gerente médico da GSK/ViiV Healthcare.

Manejo de viremia baixa no tratamento de terapia dupla

A terapia dupla em HIV é um tratamento que usa dois remédios ao mesmo tempo para controlar o vírus. “Essa combinação ajuda a diminuir a quantidade de vírus no corpo, melhorar a saúde da pessoa e evitar que o vírus se replique. Uma vez que não há replicação viral e a viremia está suprimida a transmissão do vírus não acontece mais por via sexual, ou seja, se o vírus não é detectado o risco de transmissão por via sexual é zero. É uma forma de tratamento que pode ser recomendada dependendo do caso de cada pessoa, sempre sob orientação médica”, complementa Jucival Fernandes.

O Ministério da Saúde publicou também a Nota Técnica 142/2025, que orienta o manejo do tratamento de pessoas vivendo com HIV/Aids que estejam em uso de terapia dupla e apresentam viremia baixa (carga viral inferior a 500 cópias/ml). As recomendações reforçam a eficácia virológica sustentada da terapia dupla, mostrando que a detecção esporádica de viremia baixa não representa falha virológica e não está necessariamente associada à falha subsequente.

Dados mostram que viremia detectada entre 50 e 200 cópias/mL é menos frequente entre usuários do medicamento 3TC+DTG (4,5%) que pessoas em uso de TDF/3TC + DTG (9,3%). Portanto, a terapia dupla pode ser implementada de forma racional e o benefício individual deve considerar fatores como envelhecimento, risco de desenvolver dano renal ou ósseo, presença de comorbidades e/ou polifarmácia.

Fonte: Fiocruz, GSK e MSF

 

 

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