Tratar cânceres de cabeça e pescoço sempre foi um grande desafio para a medicina. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), quando somados os subtipos mais comuns – cavidade oral (boca e garganta), tireoide e laringe –, esses tumores ocupam o quarto lugar entre os mais incidentes no país, com cerca de 39.550 casos novos ao ano.

Cerca de 80% dos casos diagnosticados no Brasil entre 2000 e 2017 foram identificados em estágios avançados — fator que reduz as chances de cura e dificulta o tratamento.  A mesma pesquisa do Inca aponta uma relação direta entre o nível de escolaridade e o estadiamento da doença. A boa notícia é que, quando detectado precocemente, esse tipo de tumor pode ter mais de 90% de chances de cura.

Durante a campanha Julho Verde, voltada à conscientização sobre os cânceres de cabeça e pescoço, especialistas reforçam a importância do diagnóstico precoce e das novas abordagens terapêuticas que têm mudado o prognóstico da doença e também destacam que os avanços na área, como a imunoterapia, a terapia-alvo e a cirurgia robótica, que já fazem parte da realidade clínica e representam um salto significativo no cuidado ao paciente.

Essas inovações permitem tratamentos mais precisos, com menos efeitos colaterais e melhores índices de preservação funcional, o que impacta diretamente na qualidade de vida dos pacientes”, afirma Martim Elviro, médico da família e professor do Curso de Medicina da Faculdade Santa Marcelina.

O médico explica que o uso de imunoterápicos – por exemplo – estimula o sistema de defesa do corpo a reconhecer e combater as células tumorais, sendo especialmente eficaz em casos avançados ou recidivantes – quando o tumor volta após o tratamento finalizado.

Imunoterapia em casos avançados encara avanço científico e desafios no acesso

Para esses tumores complexos, a imunoterapia, que orienta o próprio sistema imunológico do paciente no combate ao tumor, vem se consolidando como um dos pilares mais promissores na evolução da oncologia nos últimos anos, provocando uma mudança relevante no panorama global do manejo oncológico”, afirma Stephen Stefani, oncologista do Rio Grande do Sul.

A ciência, por sua vez, tem tentado cumprir seu papel nos esforços para melhorar os desfechos clínicos desses pacientes. Pela primeira vez em anos, um estudo apresentou resultados sólidos com o uso de imunoterapia no pós-operatório de pacientes com tumores de cabeça e pescoço localmente avançados.

A pesquisa liderada pelo GORTEC (Groupe Oncologie Radiothérapie Tête et Cou), consórcio europeu referência em tumores de cabeça e pescoço, demonstrou redução no risco de recidiva entre os pacientes considerados de alto risco, justamente aqueles que, até hoje, tinham poucas alternativas eficazes após a cirurgia.

Assim, durante o estudo NIVOPOSTOP (GORTEC 2018-01),  o grupo que recebeu a combinação com imunoterapia apresentou melhora em sobrevida livre de doença (DFS) – desfecho primário do estudo – ou seja, houve aumento no tempo para que ocorresse eventual recidiva do tumor. Após seguimento maior, dados de chance efetiva de cura (ou, tecnicamente falando, sobrevida global) serão avaliados e tem sido visto com otimismo.

Essa descoberta promissora mostra como a imunoterapia é uma opção no combate a esses tumores, ao mesmo tempo que reforça a importância de ampliar a discussão sobre a necessidade de viabilizar o acesso a tecnologias que já provaram seu benefício. Investir em pesquisas é pré-requisito para transformar conhecimento em benefício concreto”, afirma Stephen Stefani.

Para o especialista, é a união entre a ciência e os sistemas público e suplementar de saúde que poderão transformar descobertas em soluções e ganhos reais para a população. O desafio, portanto, não está apenas na descoberta de novas alternativas terapêuticas, mas em garantir que esses avanços cheguem ao paciente na hora certa, no momento certo.

Isso exige mais do que nunca articulação de iniciativas que envolvam o setor privado, público e a sociedade como um todo. Não se trata apenas de incorporar medicamentos de última geração, mas de garantir um cuidado mais assertivo, eficaz e sustentável para todos”, conclui.

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Câncer de tireoide: tecnologia a favor do diagnóstico precoce e de precisão

Seis em cada 10 pessoas vão desenvolver em algum momento da vida o nódulo endócrino mais comum, que é o da tireoide. Os procedimentos padrão para o diagnóstico desse tipo de nódulo são a ultrassonografia e a punção aspirativa (PAAF). Porém, cerca de 30% dos nódulos de tireoide são classificados como indeterminados, e milhares de pacientes todos os anos acabam se submetendo à cirurgia diagnóstica.

Segundo Marcos Santos, pesquisador do A.C. Camargo Câncer Center e fundador e CEO da deeptech Onkos, a glândula do paciente é retirada para então se obter uma resposta de malignidade ou não. E em 80% dos casos, é constatado que não havia necessidade de cirurgia.

Para mudar esse cenário, testes moleculares, como o mir-THYpe full, da deeptech Onkos, vem ganhando mais destaque. Eles avaliam microRNAs para indicar se um nódulo é benigno ou maligno. Esse avanço pode significar mais pacientes poupados de cirurgias desnecessárias.

Em um de nossos estudos de utilidade clínica, publicado na The Lancet Discovery Science, demonstramos que o nosso teste foi capaz de evitar quase 75% das cirurgias que seriam desnecessárias. Isso significa que, no Brasil, dos mais de 50 mil casos anuais de nódulos indeterminados com indicação cirúrgica, pelo menos 35 mil poderiam evitar a operação se tivessem acesso a um diagnóstico molecular que sugerisse benignidade”, explica Santos.

Essa revolução molecular impacta diretamente no cuidado: menos cirurgias invasivas, preservação de funções da tireoide e menos efeitos adversos. Além disso, o mapeamento genético (mutação BRAF, RET, MGMT etc.) abre caminho para tratamentos personalizados — um avanço da medicina de precisão no sistema oncológico -, e destaca o quão fundamental é investir em políticas públicas que ampliem o acesso a esses exames. “Com conscientização, tecnologia e sistema de saúde fortalecido, o Brasil pode transformar julho em um marco real de prevenção”, diz o especialista.

Radioterapia pode ser indicada em até 70% dos casos

Sete em cada dez pacientes com câncer de cabeça  e pescoço recebem indicação de radioterapia

A radioterapia também pode ser indicada em até 70% dos casos de câncer de cabeça e pescoço, sendo um dos pilares do tratamento. Os avanços tecnológicos vivenciado pela radioterapia nas últimas décadas fizeram com ela assumisse papel de relevância no cuidado oncológico dos tumores de cabeça e pescoço. Trata-se de uma das principais modalidades de tratamento contra o câncer, especialmente eficaz no combate de tumores localmente avançados bem como em estágios iniciais.

O que os avanços recentes mostram é que, com planejamento individualizado, com técnicas mais modernas de radioterapia e com a integração com outras terapias, conseguimos não apenas aumentar as chances de controle da doença, mas também oferecer mais qualidade de vida ao paciente, reduzindo os efeitos colaterais associados ao tratamento”, afirma o radio-oncologista Diego Chaves Rezende Morais, especialista da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), que atua no Hospital Santa Águeda em Caruaru, em Pernambuco.

Tratamento torna-se menos invasivo e mais eficaz  

Quando identificados ainda em estágio inicial, os cânceres de cabeça e pescoço apresentam taxas de cura que podem ser superiores a 80%. Nesses casos, o tratamento, a depender do estadiamento e localização da doença, pode ser realizado tanto por cirurgia quanto por radioterapia e a escolha da melhor abordagem deve considerar os possíveis impactos funcionais e estéticos de cada uma delas bem como as chances de ura associadas a cada estratégia. Em tumores iniciais, a radioterapia, como tratamento único, oferece resultados comparáveis aos da cirurgia em termos de controle da doença.

A radioterapia também tem papel fundamental como tratamento complementar após a cirurgia — especialmente nos casos mais avançados, que são os mais comuns no momento do diagnóstico. Nessa situação, o objetivo é reduzir o risco de recidiva e ampliar as chances de sucesso do tratamento”, aponta Morais.

Com o avanço da tecnologia, a radioterapia tem se mostrado cada vez mais importante, precisa e personalizada. É o caso das técnicas mais recentemente incorporadas ao tratamento desses pacientes, como a radioterapia guiada por imagem (IGRT) e radioterapia de intensidade modulada (IMRT).

Hoje, a radioterapia permite tratar o câncer com precisão, protegendo as estruturas saudáveis ao redor do tumor”, explica o especialista.

O futuro da radioterapia também pode ser acompanhado pela incorporação da inteligência artificial, que já paulatinamente começa a ser integrada ao planejamento dos tratamentos, otimizando tempo, segurança e eficácia.

Acompanhamento multidisciplinar é fundamental

 

Outro ponto crucial, segundo o Dr. Martim, é o acompanhamento multidisciplinar, que envolve desde cirurgiões de cabeça e pescoço até fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas e psicólogos. “A complexidade desses tumores exige uma rede integrada de cuidados. Quando o paciente é tratado por uma equipe multidisciplinar desde o início, os desfechos são muito mais favoráveis”, explica.

De acordo com a médica otorrinolaringologista Juliana Caixeta (foto), o papel do otorrino é essencial desde a fase inicial da investigação clínica. “O diagnóstico pode ser feito por vários profissionais, mas o otorrinolaringologista participa diretamente de todo o processo, incluindo a reabilitação funcional, como voz e deglutição”, explica.

O câncer de cabeça e pescoço não tem a mesma visibilidade de outros tipos, como mama, próstata ou intestino. Por serem menos frequentes que esses outros locais de aparecimento, nem sempre têm a atenção necessária. As lesões nessa região muitas vezes comprometem funções essenciais e causam alterações na aparência do paciente. Isso faz com que muitos evitem falar sobre o assunto”, afirma Juliana

Diagnóstico precoce ainda é desafio

Para a especialista, dar visibilidade ao tema e ampliar o conhecimento da população sobre sintomas e fatores de risco é uma estratégia decisiva para o avanço no diagnóstico precoce, que pode garantir tratamentos menos invasivos e melhores prognósticos.

O diagnóstico precoce muda tudo. Ele não só aumenta a chance de cura como permite um tratamento menos agressivo e mais eficaz”, completa a otorrinolaringologista.

A investigação de uma lesão suspeita envolve exames clínicos, biópsia e, em alguns casos, exames de imagem ou de medicina nuclear. Ainda de acordo com a médica, a maior frequência nos rastreamentos e a melhoria na acurácia dos exames têm contribuído para diagnósticos mais rápidos e intervenções menos invasivas. Apesar disso, ela reconhece que o tema ainda enfrenta barreiras.

Julho Verde reforça importância da prevenção

Campanha visa ampliar o debate sobre sintomas silenciosos e incentivar a busca por avaliação médica especializada

Apesar da gravidade e da abrangência, esses tipos de câncer ainda enfrentam baixa visibilidade nas campanhas de saúde, o que impacta diretamente na detecção precoce.  Para ajudar a esclarecer a população sobre os perigos desse grupo de tumores, foi criada a campanha Julho Verde, uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP), com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS). A escolha do mês coincide com o Dia Mundial de Prevenção e Combate ao Câncer de Cabeça e Pescoço, celebrado em 27 de julho.

Os tumores mais comuns atendidos na prática do otorrino incluem cânceres de pele e o carcinoma espinocelular de cavidade oral, orofaringe, laringe e tireoide. “O câncer de pele é o mais frequente, e costuma ter bom prognóstico quando descoberto precocemente. Já o prognóstico dos outros tipos histológicos dos tumores dessa região depende do tipo de célula acometida, do local e se o diagnóstico é inicial ou tardio”, pontua.

A médica alerta ainda para os principais fatores de risco, que envolvem idade acima de 55 anos, tabagismo, consumo excessivo de álcool, infecção por HPV, exposição solar, obesidade e histórico familiar de câncer. Também estão na lista pessoas que já foram expostas a altas doses de irradiação na região da cabeça e do pescoço.

Sinais muitas vezes são ignorados

A campanha Julho Verde também tem sido grande aliada no combate à doença, promovendo informação, conscientização sobre os sintomas e incentivo à prevenção, especialmente entre os brasileiros, que ainda enfrentam desafios no acesso ao diagnóstico precoce. O objetivo é ampliar esse debate, informar a população e incentivar a busca por avaliação médica ao menor sinal de alteração.

Entre os sintomas que merecem atenção, a médica cita caroços na cabeça e pescoço com crescimento progressivo e que não causam dor, além de rouquidão persistente por mais de 15 dias. As feridas, úlceras e aftas que não melhoram em 15-20 dias devem ser investigadas. “São sinais que não devem ser negligenciados. Quanto antes o diagnóstico for feito, maiores são as chances de cura”, afirma Juliana Caixeta.

Esses sintomas podem variar conforme a localização do tumor (boca, faringe, laringe, cavidade nasal etc.), explica a oncologista. Por isso, é fundamental procurar um médico se qualquer um deles persistir por mais de duas a três semanas. O diagnóstico precoce faz toda a diferença no tratamento e nas chances de cura.

O conhecimento é uma forma poderosa de prevenção. Muitas vezes, sinais como dor de garganta persistente ou alterações na voz são ignorados. Campanhas como essa salvam vidas”, finaliza.

O Dr. Martim Elviro elencou os principais sintomas do câncer de cabeça e pescoço:

  • Feridas na boca, língua ou garganta que não cicatrizam
  • Dor ou dificuldade para engolir alimentos e líquidos
  • Rouquidão persistente ou alteração no timbre da voz
  • Caroços ou nódulos no pescoço (inchaços que não somem)
  • Sangramentos incomuns pela boca ou nariz
  • Dor de ouvido sem causa aparente e contínua
  • Mau hálito persistente
  • Perda de peso sem explicação aparente
  • Dormência ou formigamento em partes do rosto
  • Dificuldade para abrir a boca ou movimentar a mandíbula

Com Assessorias

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