O termo “trans” abrange travestis, transexuais e outros grupos cuja identidade ou expressão de gênero difere daquela atribuída biologicamente a eles. Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) apontam que, há 14 anos, o Brasil é o país com mais mortes de pessoas trans e travestis em todo o mundo. De acordo com o Dossiê sobre Assassinatos e Violência contra Travestis e Transexuais Brasileiras, a expectativa de vida de pessoas trans no Brasil é de somente 35 anos.

Há 20 anos, o Dia da Visibilidade Trans é celebrado no Brasil em 29 de janeiro. A data faz alusão ao ano de 2004, quando ativistas trans estiveram em Brasília no lançamento da campanha “Travesti e Respeito”, em parceria com o Ministério da Saúde. Na época, a principal bandeira era a defesa por direito ao tratamento contra o vírus HIV e a Aids, mas o ato acabou se transformando em marco político na longa trajetória do ativismo trans no país.

Atual presidenta da Antra, Keila Simpson, de 58 anos, participou das articulações em 2004 que levaram à criação da campanha, junto ao Ministério da Saúde, contribuindo para estabelecer diálogo e cooperação entre movimentos sociais, organizações da sociedade civil e o governo brasileiro.

Legenda: Keila Simpson, presidenta da Antra (Foto: © ONU Direitos Humanos)

Keila (foto ao lado) destaca como foi importante estabelecer parceria com o Ministério da Saúde que, embora naquele momento tivesse como ênfase ações voltadas ao HIV/AIDS, também abordava temas voltados à inclusão social e à intersetorialidade nas políticas públicas.

“Em 2004, quando a gente foi fazer a campanha, tinha um movimento consolidado, um movimento representativo. Mas a nossa principal demanda ali era com as questões de saúde, com a questão social e com a questão da escola. Desde sempre a escola foi uma pauta importante para nós. E a gente tinha certeza que o que motivaria a nossa participação nessa campanha era exatamente a dimensão que ela tomaria com as demais pautas’’.

Ativismo LGBT começou ainda na década de 90 no Brasil

Primeira marcha LGBT no Rio de Janeiro, em 1995 (Foto: Cláudia Ferreira)

De acordo com a ONU Brasil, as articulações de ativistas trans foram lançadas antes de 2004 e não possuem uma trajetória linear. Em 1992, no Rio de Janeiro, foi criada a Astral, primeira organização voltada aos direitos de travestis e pessoas trans. Até essa data não havia nenhum registro de outra organização da sociedade civil voltada às pessoas trans na América Latina.

O movimento acabou ganhando as ruas. Em 25 de junho de 1995, a 17ª Conferência da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA), no Rio de Janeiro, foi encerrada com a realização da Marcha pela Cidadania, considerada a primeira Parada LGBTQIA+ do Brasil.

O ato reuniu um público de menos de 3 mil pessoas, já com organização do Grupo Arco-Íris e a presença de figuras históricas da comunidade, como a travesti Jane di Castro e a drag queen Isabelita dos Patins. Outro símbolo da Parada LGBTQIA+ do Rio, a bandeira arco-íris de 124 metros já estava presente na manifestação. Essa história foi registrada em imagens pela fotógrafa Claudia Ferreira.

Movimento só cresce a cada ano

Parada LGBT no Rio de Janeiro (Fotos: Reprodução da internet)

“A grande novidade no Rio de Janeiro foi aquela parada. Eu fiquei muito feliz, porque via um posicionamento que estava começando a ser mais público, mais político da questão LGBT. Estavam tirando a questão LGBT do armário”, contou Claudia Ferreira, que é lésbica, em entrevista à Agência Brasil.

Testemunha da mobilização popular desde os anos 1980, Claudia reúne seu acervo na página Memória dos Movimentos Sociais, na qual o movimento LGBTQIA+ tem um espaço específico, inaugurado pela marcha de 1995. Claudia Ferreira voltou a Copacabana em vários anos seguintes, como 1998, 2004, 2007 e 2011, e registrou uma manifestação que se agigantou, mudou de perfil e ajudou a abrir espaço para uma sociedade mais receptiva.

Na última Parada do Orgulho LGBT do Rio, a 28ª na cidade, a estimativa era que mais de 800 mil pessoas participaramem novembro de 2023. Aos 67 anos, Cláudia afirma que vê em seu círculo social idosos LGBTQIA+ com uma vida muito mais livre do que a que levavam na juventude e pede aos jovens LGBTQIA+ que vejam o envelhecimento como a possibilidade de experimentar um tempo de mais tolerância.

Reconhecimento social no SUS, uma das principais conquistas

Em 2012, nascia a Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT), primeira organização política criada por e para homens trans. No ano seguinte, acontece a fundação do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT).

Apesar da marcante vulnerabilidade social que ainda é uma realidade para parcela significativa da população trans no Brasil, sobretudo de pessoas trans negras, a ampliação das discussões e da incidência do ativismo no contexto nacional e internacional proporcionaram avanços significativos ao longo dessas duas décadas. Vale mencionar medidas como:

  • 2006: Reconhecimento do nome social nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).
  • 2008: Criação das portarias 1.707 e 457 pelo Ministério da Saúde, reconhecendo orientação sexual e identidade de gênero como determinantes em saúde, e criação de protocolo de cuidado para saúde específica.
  • 2014: O Ministério da Educação autoriza o uso do nome social no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
  • 2018: O Supremo Tribunal Federal autoriza a retificação legal de nome e gênero nos cartórios, sem necessidade de autorização judicial.

Aspirações para o futuro

Apesar das mudanças significativas, ainda há muito espaço para continuar avançando. Jovens ativistas entendem o passado de luta como fonte de inspiração e aprendizado para dar continuidade ao movimento coletivo por equidade.

“Eu desejo que a futura geração de pessoas trans no Brasil possa acolher frutos da militância da minha geração. Assim como nós estamos colhendo o que foi plantado há muito tempo por outras pessoas trans. Que essa geração que está por vir possa valorizar toda luta daqueles que antecederam e que também possam celebrar. Que nós possamos ter o real acesso à inclusão social no Brasil.”

 Ativistas trans abriram caminho
Rafael Carmo, artista visual e vice-presidente da Rede Trans Brasil (Foto: ONU Direitos Humanos)

As primeiras gerações de ativistas trans abriram caminho para o reconhecimento da autodeterminação de gênero, dignidade e plena cidadania. Apesar dos desafios nacionais, há uma mobilização contínua para que esse legado seja passado adiante por organizações, acadêmicos, ativistas independentes, gestores e parte da população em defesa dos direitos humanos, buscando garantir acesso e proteção para pessoas trans em todos os setores, mesmo diante de eventuais retrocessos.

Rafael Carmo, um artista visual de 30 anos graduando em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e também educador social, foi um dos participantes da 4ª edição do projeto Trans-formação, iniciativa da ONU Livres & Iguais no Brasil voltada ao ativismo em direitos humanos para a população trans. Ele é vice-presidente da Rede Trans Brasil.

Lauriel Lucio, de 28 anos, uma pessoa transmasculina, educador social e popular, artista e cabeleireiro, enfatiza que pessoas trans estão em todos os espaços, mas na maioria das vezes não têm acesso aos direitos que esses espaços oferecem. Isso fica evidente quando ele fala da importância da descentralização dos serviços de saúde, como os ambulatórios trans, e ao acesso aos cuidados em saúde mental.

“Para lutarmos pela saúde psíquica e, portanto, pela vida de pessoas trans que precisam de atendimento médico, precisamos engajar lutas nas regiões mais afastadas dos grandes centros. Como ficam as pessoas trans que vivem em áreas rurais, por exemplo? Precisamos percorrer mais longe.”

Zaila Luz, cofundadora da @rede.amalgamar e graduanda de Pedagogia (Foto: © ONU Direitos Humanos)

Ao ser questionada sobre como imagina os próximos anos da #VisibilidadeTrans no Brasil, Zaila Luz, cofundadora da Rede Amalgamar, graduanda em Pedagogia e uma das mobilizadoras sociais da última edição do projeto Trans-formação diz:

“Eu quero ver escritores, quero ouvir teorias, quero ouvir filósofos, jornalistas, quero ver atrizes… eu quero saber de doutoras trans. Quero citá-las dentro das escolas, dentro das instituições de educação.”

ONU defende direitos iguais, sem distinção

As Nações Unidas defendem direitos iguais e tratamento justo para todas as pessoas, sem distinção. Desde 2013, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) lidera a implementação da ONU Livres & Iguais no Brasil, uma iniciativa global pela igualdade LGBTQIA+, que promove a conscientização e a mobilização pela defesa e garantia dos direitos humanos das pessoas LGBTQIA+, por meio de orientações e notas informativas.

“As Nações Unidas têm um compromisso histórico e inabalável com direitos iguais e tratamento justo para todas as pessoas, sem distinção. Garantir a não discriminação por conta das identidades de gênero ou orientação sexual integra os princípios norteadores da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e dos compromissos internacionais de direitos humanos”,. esclarece a organização.

Agenda Positiva

Congresso Nacional iluminado nas cores rosa, branca e azul

Em celebração ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, o Congresso Nacional recebe nesta segunda-feira (29/01), das 19h até meia-noite, iluminação com as cores rosa, branca e azul, que simbolizam a bandeira trans. No ano passado, a Câmara promoveu a primeira sessão solene em homenagem à data.

Durante o evento, os presentes enfatizaram a importância de que esta data represente mais do que apenas visibilidade, buscando assegurar direitos concretos para transexuais e travestis. Uma das cobranças foi a de políticas de inclusão para evitar a evasão escolar de pessoas trans do ensino básico.

Um evento comemorativo em Brasília homenageará as duas décadas de luta e conquistas da comunidade trans no Brasil, haverá a entrega do Troféu Fernanda Benvenutty, que vai premiar iniciativas de promoção da conquista de direitos e à formulação de políticas voltadas à cidadania e à dignidade das pessoas trans ao longo dos últimos 20 anos.

Além disso, a sede do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) será palco do lançamento de dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) contendo dados sobre violências contra travestis e transexuais em 2023 no Brasil.

O ministro Silvio Almeida, ao lado da secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat,  confirmaram presença no evento, que contará com autoridades dos Ministérios da Saúde e das Mulheres, da Secretaria-Geral da Presidência da República e do programa conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids). A atividade é transmitida pelo canal no YouTube do MDHC.

Fonte: ONU Brasil, Agência Brasil, MHDC e Congresso Nacional

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