Como mostramos neste domingo (5), em matéria no Jornal O Dia (leia aqui), as mulheres reinam absolutas nos sex shops, já representando 70% dos clientes deste segmento que não pára de crescer. Apesar de ainda enfrentarem o machismo e o preconceito, o “muro da vergonha” que separa mulheres e prazer está cada vez menor: boa parte das consumidoras diz não ter mais vergonha de assumir sua predileção pelos objetos eróticos.
Mas será que o uso “excessivo” desses produtos pode “afastar” mulheres de relações reais com parceiros/as? Para a pesquisadora e professora Luciana Walther, que desde 2007 se debruça sobre o tema, não é bem assim. “Minha pesquisa conseguiu refutar cientificamente o mito de que o vibrador substituiria o homem. Nenhuma mulher disse exercer sua sexualidade apenas sozinha com o intermédio de produtos. Ao contrário, todas enfatizaram a importância do uso a dois de produtos eróticos. Para elas, relacionamentos são imprescindíveis”, diz.
Luciana é autora do livro “Mulheres que não ficam sem pilha: como o consumo erótico feminino está transformando vidas, relacionamentos e a sociedade”, publicado pela Editora Mauad em janeiro de 2017. Doutora e mestre pelo Coppead/UFRJ, ela já apresentou os resultados de seus estudos em congressos nacionais e internacionais. Seu artigo científico mais recente foi publicado no Journal of Business Research e trata das transformações identitárias da consumidora de produtos eróticos.
Nesta entrevista exclusiva ao Blog Vida & Ação, a especialista fala tudo sobre o assunto:
1 – Por que as mulheres estão buscando mais os sex shops?
Porque agora elas são mais bem acolhidas nos sex shops e nas butiques eróticas femininas. A necessidade feminina de aprimorar relacionamentos amorosos por meio do consumo erótico não é novidade, porém a configuração dos sex shops antigos dificultava para as mulheres a satisfação dessa necessidade. A primeira empresária a detectar a necessidade feminina por produtos que melhorassem a relação e acentuassem o prazer foi a alemã Beate Uhse, inventora do sex shop. Então, o primeiro sex shop foi criado em 1962 por uma mulher para mulheres. Com o passar dos anos, foram introduzidos serviços destinados ao público masculino no sex shop, o que afugentou as clientes do sexo feminino. Posteriormente, os empresários notaram o potencial da demanda feminina, que não se concretizava devido à vergonha que mulheres sentiam de ir ao sex shop. Surgiram, assim, as butiques eróticas femininas, onde tudo é planejado para a mulher. Produtos passaram a ser desenvolvidos com foco na consumidora do sexo feminino, sejam os produtos para uso a dois sejam os para uso individual. E a mulher pôde voltar a um ambiente que havia sido criado originalmente para ela. Hoje, cerca 70% da clientela dos sex shops brasileiros são mulheres. As mudanças sociais que têm permitido que a mulher exerça sua sexualidade com mais liberdade, muitas delas decorrentes dos movimentos feministas, também contribuíram para a volta da mulher ao sex shop. Mas minha pesquisa mostrou que no Brasil ainda há muito tabu e preconceito contra o consumo erótico feminino.
2 – Temos dificuldades em encontrar personagens que assumam consumir produtos de sex shops. Por quê?
Entrevistei consumidoras de produtos eróticos, vendedoras e proprietárias de sex shops para minha pesquisa de doutorado. Os relatos oferecidos por elas sobre preconceito, tabu e resistência ao consumo erótico feminino foram inúmeros. As mulheres que consomem produtos eróticos podem ser mal vistas na nossa sociedade, marcada por raízes patriarcais e machistas. Surpreendentemente, ainda há homens que consideram traição o uso individual por sua parceira de um produto como o vibrador. Outras pessoas ainda acham que a mulher que usa vibrador o faz porque não obteve sucesso na busca por um parceiro ou porque seu parceiro não a satisfaz. Outras mais associam os produtos eróticos à perversão. São todas ideias equivocadas sobre o consumo erótico feminino, que podem fazer com que a mulher que adquire e usa produtos eróticos tenha vergonha de admitir a prática. O que ocorre na realidade é que essas mulheres estão, muitas vezes, em busca de renovar a relação, comprando produtos para uso a dois, como os cosméticos eróticos e as fantasias. E não deveria haver julgamento moral sobre nada disso. O exercício da sexualidade faz parte da nossa natureza. Se não fosse por ele, nenhum de nós existiria. Além disso, é uma fonte de prazer que, sendo consensual, não faz mal a ninguém.
3 – Qual a reação dos homens ao saber que uma mulher usa um acessório de sex shop?
Minhas entrevistadas descreveram muitos episódios de resistência masculina ao consumo erótico feminino, como o do homem que repudiava o uso individual do vibrador por sua parceira por se sentir traído. Outros relatos descreviam um homem resistente ao consumo erótico feminino em geral, e ao vibrador em particular, por medo de substituição. Por esses motivos, os cosméticos eróticos para uso a dois e os vibradores sem formato fálico despertam menos resistência masculina. Por outro lado, houve relatos de homens que presentearam suas parceiras com lingerie e vibradores.
4 – A maioria das consumidoras é heterossexual ou entre homo e bissexuais a prática é observada?
Para minha pesquisa de doutorado, entrevistei mulheres de diferentes orientações sexuais, classes sociais, estados civis, locais de moradia e idades, o que proporcionou um panorama amplo sobre um tópico de pesquisa ainda pouco investigado cientificamente. Coletei relatos de mulheres hétero, bi e homossexuais utilizando os mais variados tipos de produtos eróticos. No exterior, há algumas lojas dedicadas prioritariamente às mulheres homossexuais, como a Good Vibrations em São Franscisco, nos EUA, fenômeno que não observei no Brasil. Essas lojas parecem receber consumidoras e consumidores heterossexuais sem preconceito.
5 – Foi realizada uma “pesquisa de campo” para escrever o livro? Se positivo, quais os principais números/resultados?
Tudo que relatei até agora é fruto de uma profunda pesquisa de campo etnográfica, que durou quatro anos e foi realizada em três estados brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. O livro “Mulheres que não ficam sem pilha” relata os resultados de minha tese de doutorado, orientada pela antropóloga Mirian Goldenberg, e defendida no Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ. Nele, descrevo os fenômenos culturais que emergem nas várias etapas do ciclo do consumo erótico: detecção da necessidade por parte da consumidora, pesquisa por alternativas, ida à loja, escolha de modelos e marcas, aquisição, armazenamento, uso e descarte. Em todas essas etapas, pude identificar aspectos culturais, emocionais, transformacionais e identitários do consumo erótico feminino, que são úteis tanto para os empresários do ramo quanto para quem quer entender a sexualidade feminina. Discuto ainda papéis de gênero, a divisão das tarefas do consumo erótico, o produto erótico como garantia de fidelidade, as confidências que mulheres trocam até mesmo entre gerações, o consumo erótico pelas camadas populares e a função educativa do consumo erótico.
Ficha Técnica:
Mulheres que não ficam sem pilha: como o consumo erótico feminino está transformando vidas, relacionamentos e a sociedade
Luciana Walther
Mauad X
340 páginas | R$ 69,00