Há mais de um ano, o debate em torno do uso ou não do celular nas escolas vem dominando a pauta de educadores, famílias e – claro – estudantes. Instituições de ensino dos Estados Unidos que adotaram medidas proibitivas com punições para os jovens infratores há anos atrás já passaram por um período de questionamento, debate e de revisão de suas políticas. Alguns colégios desistiram de regras muito restritivas, mas outros voltaram atrás e baniram as telas novamente.
Isto porque a dificuldade em aplicar as punições e fazer valer o regramento pode desencadear uma série de medidas delicadas e ineficazes. Além disso, o protesto de adolescentes pressiona as instituições de ensino no caminho oposto: o da integração e do acolhimento, sobretudo em casos de cyberbullying, assédio virtual, vício ou outras questões que podem afetar a saúde mental e a socialização.
Familiarizados com a tecnologia, os estudantes devem utilizar suas habilidades digitais em atividades educativas supervisionadas
Celular como ferramenta pedagógica
A utilização do aparelho como ferramenta pedagógica, quando orientado e supervisionado de forma adequada, tem se mostrado um recurso valioso no ambiente escolar. Algumas instituições de ensino já adotam uma abordagem equilibrada, permitindo o uso do telefone móvel em atividades supervisionadas e integrando a tecnologia de maneira planejada ao currículo, sempre com um propósito educativo.
Plataformas de gestão de classe, como o Google Classroom, ajudam a restringir o acesso a redes sociais enquanto o aluno está na unidade de ensino, o que facilita o foco em atividades educacionais.
Segundo a psicopedagoga e escritora Paula Furtado, banir o celular no colégio não aborda a raiz do problema, que pode estar relacionada à forma como o aprendizado é conduzido.
Pessoas desmotivadas podem buscar refúgio em inovações, o que indica que a questão talvez esteja mais ligada à necessidade de inovar nas práticas educativas. Essa geração nasceu imersa na tecnologia, e ignorar isso pode aumentar a desconexão entre os métodos de ensino e o que os acadêmicos estão acostumados. Escuto relatos de pacientes que culpam alguns professores com suas aulas monótonas, o vilão da fuga para a tecnologia”, analisa Paula.
Compreender o momento adequado para usar o celular é primordial para os estudantes, a fim de garantir aulas mais fluidas e de qualidade. “Nessa fase, a escola deve aproveitar o interesse natural dos alunos para desenvolver habilidades eletrônicas que complementem o aprendizado tradicional. Isso inclui ensinar a usar esses recursos de forma segura e eficiente, preparando-os para os desafios do mundo digital”, esclarece a psicopedagoga.
Controlar o uso de celulares nos colégios requer a adoção de políticas claras e equilibradas, com o envolvimento essencial dos responsáveis. A comunicação entre a unidade de ensino e os pais é fundamental para que sejam informados sobre as decisões tomadas e possam reforçar, em casa, a importância do uso consciente dos dispositivos.
De acordo com Paula, uma medida eficaz que os responsáveis podem adotar é o uso de ferramentas de bloqueio seletivo, que restringem o acesso a aplicativos inadequados durante o período escolar.
Fake news
A disseminação de informações falsas afeta a formação dos alunos pelo fato de muitos não terem desenvolvido habilidades de análise. Vetar o celular também visa impedir o acesso a conteúdos impróprios, que podem ser facilmente acessados por meio da internet.
As fake news também devem fazer parte do tema ‘conscientização’. É importante orientar as crianças a não acreditarem em tudo o que leem na internet, e ensiná-las a buscar fontes confiáveis e a verificar as informações. Quando houver dúvidas, é indispensável que consultem sites especializados na detecção de notícias falsas, como forma de desenvolver um senso crítico e evitar a propagação da desinformação. Sem contar que a distorção da realidade nas mídias sociais, por meio de imagens editadas e filtradas, pode afetar a autoimagem dos adolescentes, aumentando inseguranças sobre o corpo e a vida”, orienta Paula Furtado.
A tecnologia é um recurso que captura a atenção e motiva os acadêmicos. No entanto, estabelecer áreas específicas na sala de aula com restrição ao uso da tecnologia pode criar momentos de interação pessoal, leitura e escrita manual. Durante os intervalos, é comum ver crianças isoladas em seus celulares, muitas vezes em grupos, mas cada uma imersa em seu próprio mundo virtual, o que reduz a interação entre elas. “Criar espaços sem tecnologia pode ajudar a fomentar conexões mais significativas e contribuir, também, para a socialização e saúde mental dos estudantes”, pontua a profissional.
‘Crianças precisam aprender a seguir regras’
Na avaliação da especialista Aline Soaper, idealizadora da EfincKids, metodologia ministrada para crianças dentro do ambiente escolar para ensinar educação financeira, o uso de celular na sala de aula prejudica a aprendizagem e a concentração dos alunos, mas em outros ambientes da escola é relevante desde que tenham regras de uso.
As crianças precisam aprender a seguir regras. Na sala de aula o celular atrapalha a concentração e não deve ser utilizado. Mas durante o intervalo pode ser útil para se comunicar com os pais. Durante a saída da escola para facilitar a comunicação e por questão de segurança. Mas as regras de restrição devem ser seguidas. O uso deve ser apenas para se comunicar com os pais, o período de intervalo também é um espaço de aprendizado onde as crianças precisam desenvolver as habilidades de socialização com outras crianças, o uso do celular durante o intervalo dificulta as relações pessoais”, afirma.
Palavra de Especialista
CONTRA
Um alerta para o uso excessivo de celulares por crianças e adolescentes
Por Andreia Calçada*
A Prefeitura do Rio de Janeiro proibiu o uso de celulares e de outros dispositivos tecnológicos na rede pública municipal de ensino. Do ponto de vista psicológico a medida adotada é muito boa, já que as crianças e os adolescentes precisam ter limites para este uso. A sala de aula não é lugar para ver vídeo do TikTok, entrar em redes sociais e trocar mensagens de WhatsApp.
Ao restringir o uso dos aparelhos durante as aulas, as escolas buscam oferecer melhores condições para o desenvolvimento acadêmico, mas é importante que esta medida seja implementada de forma equilibrada e acompanhada de políticas educacionais que incentivem o uso responsável da tecnologia.
Os celulares são ferramentas que podem ser utilizadas de forma educativa, com acesso a pesquisas, vídeos e conteúdo online que ajudam no processo de aprendizagem. A escola que não dispõe de recursos tecnológicos deve deixar os alunos utilizarem o celular para uma pesquisa em sala de aula sobre algum tema do currículo escolar, sob a supervisão do professor e após esse tempo o celular deve ser desligado para não dispersar a atenção da aula.
O celular vicia, mas o vício não acontece da mesma forma para todos. Algumas crianças são mais viciadas do que outras. Geralmente são crianças mais frágeis e com dificuldade de ter apoio familiar, que precisam de validação externa ou que possuem necessidades de projetar fantasias sobre si mesmas e por isso ficam mais dependentes do aparelho. Os pais devem sempre ter atenção se o mundo virtual, isto é, a telinha, está ganhando um espaço maior do que o devido.
Para isso, eles precisam ter ingerência sobre o uso do celular e do computador. Existem diversos aplicativos que gerenciam o tempo e que tipo de acessos os filhos podem ter. Essa medida é necessária para que os pais possam monitorar desde cedo o que os filhos acessam na internet e quando eles chegarem à adolescência aceitam bem melhor esse monitoramento. Muitas vezes os pais não sabem os riscos que os filhos correm, mesmo eles estando dentro de casa ou na escola.
A proibição do uso de celulares nas escolas públicas do Rio de Janeiro representa uma reflexão sobre o papel da tecnologia na educação e sobre como podemos promover um ambiente escolar mais produtivo. É necessário impor limites, mas também buscar um equilíbrio entre o uso responsável da tecnologia e a promoção de um ambiente escolar que valorize o ensino, o aprendizado e desenvolvimento dos alunos.
Andreia Calçada é psicóloga clínica e jurídica. Perita do TJ/RJ em varas de família e assistente técnica judicial em varas de família e criminais em todo o Brasil. Mestre em sistemas de resolução de conflitos e autora do livro “Perdas irreparáveis – Alienação parental e falsas acusações de abuso sexual”.
A FAVOR
Contra tecnologias que a lei não pode acompanhar, a palavra-chave é educação
Por Luiz Faro*
Nos últimos anos, temos visto um movimento de maior tipificação dos delitos cometidos no ambiente 100% digital – normas como o Marco Civil da Internet e a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados. Além disso, no âmbito mais focado no usuário final, temos medidas como a recém reclassificação de bullying e cyberbullying a crimes hediondos no Código Penal brasileiro.
Essas medidas ilustram uma realidade cada vez mais evidente: o mundo digital é cada vez mais real, no sentido de que os crimes cometidos dentro dele tem repercussões reais no nosso mundo, e há uma crescente demanda da sociedade em sua punição. O desafio agora passa a ser determinar os mecanismos para que essas novas leis, por mais fundamentais que sejam, tenham aplicabilidade.
O próprio caso do cyberbullying serve como um exemplo – por mais que evidências possam ser coletadas, associar as mensagens frequentemente anônimas ao remetente é um desafio, que somado ao fato desse frequentemente ser menor, dificulta a punição. Em algumas regiões brasileiras, a proibição completa do uso de celulares em espaço escolar tem surgido como uma alternativa contra esse e outros problemas.
Mas vale refletirmos se uma medida mais restritiva é mesmo o caminho – a restrição empurra o canal de comunicação para fora da escola – rede de celular publica, redes externas – dificultando assim a geração de provas. No impulso de reduzir os casos, medidas como essa terminam por não afetar a quantidade de ocorrências, apenas dificultar sua evidência.
Como tende a ser o caso com a cibersegurança, a solução passa longe de ser uma simples equação. E por um simples motivo: a tecnologia sempre estará um passo à frente da lei – uma norma só é posta em prática para coibir certas ações e punir seus praticantes depois que vemos os impactos causados.
Uma postura mais restritiva parece trazer mais problemas do que soluções, então por que então não pensarmos num caminho mais educativo? A consciência de cibersegurança deveria ter mais importância no âmbito escolar, garantindo a formação de bons cidadãos digitais.
Essa educação não teria apenas impacto na escola e na diminuição de ocorrências como o cyberbullying, mas também o mercado receberia indivíduos mais responsáveis quanto a sua vida digital – gerando impacto positivo na segurança digital das organizações.
São pessoas que cometem crimes cibernéticos como o cyberbullying, e são essas mesmas pessoas que podem ser mais conscientes e responsáveis no manejo dos dados sensíveis de suas empresas.
Uma das medidas mais eficazes que podemos implementar no início da formulação de uma estratégia de cibersegurança dentro de uma companhia é a conscientização de todos os seus colaboradores – que pode começar a surgir acompanhando seu filho na escola, por exemplo. Isso oferece a possibilidade de uma cultura de maior cuidado com o ambiente digital no âmbito individual se transportando para o dia a dia corporativo, o que faz uma diferença considerável.
O primeiro passo para a conscientização é a educação. A educação supera as restrições e as punições e quanto mais cedo ensinarmos os jovens os riscos que os cercam nesse ambiente, melhores serão seus comportamentos perante as ricas oportunidades que podem ser encontradas na internet. Se a lei nunca poderá estar à frente da tecnologia, então o que podemos fazer é ter pessoas mais preparadas para lidar com todos os perigos que ela pode trazer.
Luiz Faro é diretor sênior de Engenharia da Forcepoint na América
Com Assessorias