Na contramão do restante do país, que apresenta queda, o Rio de Janeiro teve crescimento de 19,3% no número de homicídios contra crianças e adolescentes em 2023. Foi registrado um total de 1.261 mortes violentas intencionais (MVI) entre 0 e 19 anos. É a maior elevação nos casos entre todas as unidades da federação no período. Os dados são do ‘Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Estado do Rio de Janeiro’, lançado pelo Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência.
O estudo é um recorte da pesquisa nacional divulgada em agosto, numa parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o levantamento, três em cada 10 casos de MVI no Rio foram decorrentes da violência policial. O índice chega a 33% no período de três anos. Para aqueles que possuem entre 15 e 19 anos, a arma de fogo é o principal instrumento utilizado para retirar a vida de um adolescente.
As mortes por arma de fogo no Brasil representaram 84% dos casos de violência letal contra crianças e adolescentes entre 2021 e 2023. Já no Estado do Rio de Janeiro o percentual representou 96% das mortes em que essa informação consta do boletim de ocorrência, que foi apenas na metade dos casos.
O perfil desses adolescentes é entre 15 e 19 anos (92%), meninos (91%) e negros (78%). Já na faixa etária de 0 a 9 anos houve aumento de 64% de mortes violentas em 2023. A arma de fogo é principal instrumento (96%) e as vias públicas é o principal local das mortes (78%). Para crianças até 9 anos, o principal local é a residência e o principal instrumento também a arma de fogo.
A violência contra crianças e adolescentes tem idade, gênero e cor”, diz Layla Saad, representante adjunta do Unicef no Brasil, ao apresentar o estudo a autoridades estaduais na última terça-feira (15) no plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Layla Saad frisou a importância de não naturalizar a violência contra crianças e adolescentes tanto nas casas e demais espaços, como escolas e nas ruas. “Acredita-se que sejam em maior número em razão das subnotificações. Quase sempre o autor é um familiar que reside na mesma casa ou a frequenta”, revelou.
Também participaram representantes das secretarias estaduais de Polícia Militar, de Polícia Civil, de Assistência Social; da Defensoria Pública e dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos Municipais dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (CMDCAs) e da presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara de Vereadores do Rio, Thais Ferreira.
Um dado ainda mais preocupante é o aumento de 64,3% das MVI de crianças até 9 anos em 2023. O número de crianças na faixa de 0 a 9 anos mortas intencionalmente de 2022 para 2023 teve um aumento de 64,3% no Estado do Rio de Janeiro. E também mostrou que, no âmbito da violência sexual, entre 2021 e 2023, houve o registro de quase 12 mil casos de estupro de crianças e adolescentes até 19 anos
Violência sexual: queda em estupro pode revelar subnotificação
Uma grande preocupação é a violência sexual: o Rio de Janeiro apresentou uma redução de 4,9% nos casos de estupro de vulnerável, mas essa queda pode ser resultado de uma subnotificação. Entre 2021 e 2023, um total de 11.963 casos de estupro de crianças e adolescentes até 19 anos foram reportados.
A maior parte desses casos (96%) ocorreu entre jovens de 10 a 19 anos. Um dado alarmante: 21% das vítimas de estupro são meninos de 0 a 4 anos de idade. Ao todo, foram mais de 20 mil meninos estuprados em 3 anos no Brasil, sendo 3 mil no Estado do Rio. Assim como no restante do país, quase sempre o autor é um familiar que reside na mesma casa ou a frequenta.
A maioria dos casos ocorreu dentro do próprio ambiente familiar. Da mesma forma, os casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes de até 19 anos tiveram como autor um familiar. Em todas as faixas etárias a violência sexual contra crianças e adolescentes até 19 anos aumentou bastante, de acordo com o estudo do Unicef. Em todo o Brasil, foram 164 mil vítimas de estupro no mesmo período, ou seja, uma criança a cada 8 minutos.
A apresentação do estudo ocorreu a convite da Comissão da Criança e do Adolescente da Alerj. O próximo passo do Unicef é cobrar medidas dogovernador Claudio Castro. Uma reunião está marcada para os próximos dias para discutir medidas de enfrentamento recomendadas pelo Unicef.
A violência contra crianças e adolescentes precisa ser combatida por toda a sociedade. No caso da violência doméstica, tanto a família quanto a casa, dois alicerces fundamentais da segurança, acolhimento e proteção, são a zona de atuação dos criminosos. Isto é terrível. Precisamos aprofundar diálogo e parcerias em busca de estratégias eficazes de prevenção de violências. E a Comissão da Criança e do Adolescente pretende, inclusive, realizar um grande debate no Sul Fluminense”, adiantou o deputado Munir Neto, presidente da Comissão.
O evento contou com a participação de representantes do Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Estadual e Conselhos Municipais da Criança e do Adolescente, Conselhos Tutelares, Polícia Militar, Polícia Civil, entre outros organismos do sistema de garantias. Todos participam do Comitê Estadual de Prevenção ao Homicídio na Adolescência, criado em 2021 na Alerj e que reúne diversas instituições.
Recomendações do Unicef para o Rio de Janeiro
O ‘Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil 2021-2023’ – que serviu de base para o estudo – atualiza a compreensão da vitimização de crianças e adolescentes no país e frisa a importância de barrar a violência tanto nas casas e demais espaços, como escolas, entre outros.
A proteção dos direitos de cada menino e de cada menina deve ser um compromisso inegociável das instituições públicas, organizações sociais e da sociedade como um todo”, apela o Unicef.
Ainda de acordo com o organismo internacional, diante da alarmante realidade da violência sexual e letal no Rio de Janeiro, é urgente proteger a vida de cada criança e adolescente no estado. Por isso, o Unicef pretende convidar as instituições estaduais a pensar em estratégias para modificar esta realidade com urgência.
Para enfrentamento desse grave problema no Rio de Janeiro, o Unicef propõe que o estado implemente uma política de redução de homicídios com foco em crianças e adolescentes. A principal recomendação é não justificar nem banalizar a violência.
Por isso, aponta a necessidade de realizar diagnósticos do problema no Rio de Janeiro, responsabilizar os autores e desenhar e implementar estratégias de mudança de comportamento e de normas sociais.
Entre as recomendações estão:
- Não justificar nem banalizar a violência.
- Garantir atenção adequada aos casos de violência, no marco da Lei 13.431/2017.
- Capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes.
- Ampliar o acesso de crianças e adolescentes sobre direito à proteção e canais/serviços de proteção.
- Enfrentar normas restritivas e discriminatórias de gênero, com destaque para o trabalho com as famílias nos diferentes serviços e para o papel da escola.
- Compreender e enfrentar o fenômeno da violência doméstica contra as crianças.
- Controle do uso de armamento bélico por civis.
- Melhorar os registros, investir no monitoramento e na geração de evidências.
Controle da força policial e combate ao racismo
Em relação especificamente à violência policial, o Unicef recomenda reforçar protocolos de controle do uso da força por agentes de segurança; expandir a implantação das câmeras corporais em agentes de segurança, como medida baseada em evidência capaz de reduzir a letalidade juvenil e exercer maior controle sobre as ações policiais no entorno de escolas e creches.
Ainda de acordo com o Unicef, é preciso pautar e enfrentar o racismo estrutural. A proposta é promover ações educativas que esclareçam sobre essa questão, uma vez que a maior parte das crianças e adolescentes vítimas são negras, e cobrar a punição, com o rigor da lei, dos autores de atos de violência racial contra crianças e adolescentes.
Panorama da violência sexual contra crianças e adolescentes
Brasil
- 164.199 vítimas de estupro e estupro de vulnerável, entre 2021 e 2023, ou seja, 1 criança a cada 8 minutos é estuprada no Brasil.
- Estudo do IPEA estimou que o percentual de casos de estupros que chegam ao conhecimento das polícias foi de apenas 8,5% em 2019
- Oito entre 10 vítimas tinham até 14 anos, sendo 87% meninas.
- 20% das vítimas de 0 a 4 anos são do sexo masculino. Ao todo, foram mais de 20 mil meninos estuprados em 3 anos
- Esse tipo de violência atinge 21 vezes mais meninas negras em relação às brancas.
- Os conhecidos são os principais autores do estupro de vulnerável.
Rio de Janeiro
- 11.963 vítimas de estupro e estupro de vulnerável, entre 2021 e 2023, ou seja, 1 criança a cada 2 horas
- O município do Rio de Janeiro representa 31% de todos os casos do estado, totalizando 3,671vítimas.
- A Região Metropolitana representa 69% de todos os casos do estado, totalizando 8,231 vítimas
- 85% das vítimas tinham até 14 anos e 86% eram meninas.
- 21% das vítimas de 0 a 4 anos são do sexo masculino. Ao todo, foram mais de 1.600 meninos estuprados em 3 anos.
Panorama da violência letal contra crianças e adolescentes
Brasil
- 15.101 mortes violentas intencionais (MVI) entre 0 e 19 anos
- 91,6% tinham entre 15 e 19anos
- 90% eram meninos e 82,9% eram negros
- Queda das MVI no geral, no Brasil, porém aumento de mais de 15% para a faixa etária de 0 a 9 anos
- Na faixa etária de 0 a 4 anos o aumento foi de 20.4% e de 49% de 4 a 9 anos
- Menino negro tem 4,4 vezes mais chance de ser assassina do que menino branco e 21 X mais que menina branca
- A partir dos 5 anos, arma de fogo principal instrumento, mesmo para mortes que ocorreram dentro das suas residências
- Brasil teve 13,5 crianças e adolescentes assassinados diariamente.
- 2.427 meninos e meninas entre 10 e 19 foram mortos pela polícia (MDIP), 16% decorrentes de intervenção policial
- A taxa de letalidade (por 100 mil habitantes) provocada pelas polícias entre adolescentes de 15 a 19 anos é 114% superior à taxa verificada entre adultos
Rio de Janeiro
- 1.261 mortes violentas intencionais (MVI) de crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos de idade de 2021 a 2023.
- Na contramão da tendência nacional, o Rio viu o número de MVI crescer 19% entre 2022 e 2023.
- O perfil desses adolescentes também é entre 15 e 19 anos (92%), meninos (91%) e negros (78%).
- Aumento de 64% para a faixa etária de 0 a 9 anos, em 2023.
- Arma de fogo é principal instrumento(56%).
- Vias públicas é o principal local (73%).
- Para crianças até 9 anos, o principal local é a residência, e o principal instrumento segue sendo a arma de fogo
- O município do Rio de Janeiro representa 30% de todos os casos de MVI do estado
- A região metropolitana representa 68% dos casos de MVI do estado
- 402 meninos e meninas entre 10 e 19 foram mortos pela polícia (MDIP),
- MDIP no Rio de Janeiro representa 32% de todas as MVI
- No município do Rio de Janeiro, foram 150, representando 37% das MDIP do estado
Com informações do Unicef
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