É muito comum dizer que uma pessoa tem dupla personalidade, quando consegue dissimular situações, mentir ou confundir, mas muitas vezes isso não passa de desvio de caráter mesmo. Em saúde mental, a dupla personalidade pode ser interpretada de outra forma. Características opostas de depressão e euforia, em uma mesma pessoa, podem indicar um transtorno de humor bipolar ou simplesmente bipolaridade.

Já aquela pessoa que oscila diversas vezes de humor ao longo do dia, manifestando agressividade muitas vezes, pode ter o chamado transtorno de personalidade borderline, apresentando um padrão distorcido de pensamento, de funcionamento e de comportamento. Ambos os transtornos mentais não fazem sofrer apenas o paciente, mas toda a família que com ele convive devido a sua instabilidade, que pode até levar ao suicídio.

Mas e quando uma mesma pessoa pode apresentar não duas, mas até dezenas de personalidades diferentes? Pois esta é a principal característica do TDI, o transtorno dissociativo de identidade, ou Transtorno de Personalidade Múltipla, que muita gente desconhecia até uma reportagem exibida neste domingo (20), no Fantástico, da TV Globo, que trouxe dois casos e também relatos de especialistas.

Segundo a reportagem, trata-se de uma condição psiquiátrica severa e rara em que coexistem diversas identidades na mesma pessoa. Numa simples conversa ela pode apresentar vozes diferentes, comportamentos variados, mudar de personalidade ou de idade”.

Jovens afirmam conviver com 18 e até 28 personalidades diferentes

Pessoas que sofrem com o TDI não costumam se apresentar pelo próprio nome da certidão de nascimento, mas como ‘sistema’. Giovanna Blasi, de 21 anos, prefere ser chamada por ‘Sistema Resiliência’. Ela diz que convive com 18 identidades, e que cada uma tem “personalidade, trejeito, forma de falar, gosto, tudo diferente.” Já a manicure Patrícia Fagundes da Silva, 28, adotou o codinome Sistema República, que reúne as 28 identidades dela.

No dicionário da TDI, segundo explicaram especialistas na reportagem do Fantástico, “o ‘sistema’ citado por elas seria composto por todos os alters, as identidades presentes naquele corpo. Quem fala ocupa o front, enquanto os outros alters estão no headspace, no inconsciente da pessoa com o transtorno”.

No momento da entrevista, uma identidade infantil assume a conversa e Patrícia altera a voz, passando a falar como uma criança. Já Giovanna não trocou de identidade durante a entrevista, mas quando terminou, o comportamento dela mudou.

Uma das identidades, a Dandara, que se apresenta como protetora, apareceu com uma preocupação. Em seguida uma outra identidade surgiu: o Ariel. E depois a Laura, que acendeu um cigarro e disse que não queria que a entrevista tivesse sido concedida.

Giovanna relata que a primeira identidade a surgir foi “mômô”, uma criança de 5 anos

Psiquiatra do Einstein tira dúvidas a respeito

Tudo isso pode parecer estranho, engraçado ou até mesmo assustador, mas o problema é mais sério do que muita gente imagina. E não tem nada a ver com paranormalidade ou coisa assim, como alguns fazem supor. André Felipe Martins, psiquiatra do Hospital Albert Einstein, esclarece os principais questionamentos sobre o quadro.

  • – O que é o TDI?

Transtorno Dissociativo de Identidade é uma condição em que o indivíduo apresenta uma ruptura de sua identidade, podendo apresentar múltiplas personalidades distintas, que ele mesmo não entende como uma continuidade da sua personalidade padrão.

– Quais os principais sintomas?

Quando o indivíduo se mostra sob o domínio de outra personalidade, ele pode apresentar alterações de humor, de modo de agir, de percepção e até mesmo de fala. É frequente também que se queixe de amnésias lacunares, como se não se recordasse dos eventos quando estava sob o domínio de outra personalidade. Esta é uma condição que causa muito sofrimento ao indivíduo e prejudica muito sua funcionalidade.

– É verdade que ele pode provocar outros transtornos, como ansiedade e depressão?

A maioria dos pacientes com TDI apresenta comorbidades psiquiátricas como depressão, ansiedade, transtorno do estresse pós-traumático e outros transtornos de personalidade, como transtorno da personalidade borderline. O risco de suicídio para pacientes com esta condição é elevado.

– Como se diagnostica o TDI?

A condição é diagnosticada por meio de uma avaliação clínica com um médico psiquiatra. Não existem exames de imagem ou laboratoriais que façam este diagnóstico.

– É genético ou ele é provocado?

Como muitos transtornos psiquiátricos, acredita-se que exista uma predisposição genética associada a eventos traumáticos que possam gerar o aparecimento de sintomas dissociativos. Eventos traumáticos possíveis incluem violência física e sexual, principalmente durante a infância e adolescência.

– Existe cura? Qual o tratamento?

O curso da doença é variável. Alguns pacientes podem apresentar durante uma época de suas vidas e outros podem apresentar o transtorno durante a vida inteira. O tratamento deve ser feito com psicoterapia. O uso de medicamentos psicotrópicos é frequentemente necessário.

Jovem chegava a mudar de personalidade 14 vezes por dia

Há quase um ano, o que era visto como mudanças bruscas de humor, interrompeu a vida de Giovanna. Ela teve ser afastada do trabalho e da faculdade por tempo indeterminado.

“Eu estava disfuncional, né? Estava trocando muito, de uma forma descontrolada. Na época que eu entrei em crise dissociativa, eu trocava pelo menos 14 vezes por dia, no mínimo. Hoje troco, sete, oito”, diz.

Giovanna Blasi diz que convive com 18 identidades
Giovanna Blasi diz que convive com 18 identidades (Reprodução do Fantástico)

A primeira identidade a surgir foi “mômô”, uma criança de 5 anos. Giovanna também revela o nome das outras identidades: “Aline, Aurora, Dandara, Aiana, a Tatá, eu (Giovanna), o Herbert, a Isabella, Laura, Lina, a Lua, a Luara, a Luiza, Maria Helena, a Melanie, a Mômô, o Jim e o Ariel“, diz.

Médicos afirmam que o diagnóstico de TDI pode levar até oito anos, mas no caso de Giovanna, levou apenas alguns meses, após a mãe, Cris Lima, procurar uma psiquiatra e uma psicóloga.

“No começo, eu fiquei meio assustada, mas depois eu fui entendendo, porque cada uma tem uma característica e essas características tem a ver com a Giovana, né? Então, a gente aprende a amar porque aquele ser inteiro que tá ali, cada pedacinho é ela também”, destaca a mãe.

‘É estranho, parece que é fingimento’, diz manicure

Giovana e Patrícia falam sobre quem duvida dos transtornos
Patrícia, ou Sistema República, afirma ter 28 identidades diferentes (Foto: Reprodução do Fantástico)

Para as duas pacientes, o pior é lidar com a desconfiança ou com o medo das pessoas em relação a elas.

“Ou a pessoa fala que a gente está fingindo, que a gente tá inventando, que isso não existe. Ou elas vão pelo lado espiritual, há esse demônio. É espírito, ou eu já ouvi coisas como ‘você deveria estar no manicômio’. Então, é… É muito difícil o jeito que a gente é tratado socialmente”, desabafa Giovanna.

Patrícia reconhece que é difícil compreender o problema: “É bizarro você ver uma pessoa de 28 anos falando com uma criança, é bizarro. É estranho, parece que é fingimento, parece que é uma atriz falando, fazendo, mas não, é real”, completa.

Segundo médicos ouvidos pelo programa, o transtorno pode estar relacionado a traumas de infância, incluindo abuso sexual ou físico, negligência ou morte de alguém próximo.

“É como se algo interno tivesse se quebrado, ficando aos pedaços. E, para aguentar sobreviver com lembranças de sofrimento, a identidade se divide em duas ou mais. Quando aparece outra personalidade, aquela que sofreu o trauma, não está mais lá. É outra pessoa que assume o lugar”, explicou Bruna Bartorelli, chefe do Ambulatório de Transtornos Somáticos do IPq-HCFMUSP.

As duas personagens entrevistadas não falam sobre eles. Giovanna conta que teve episódios traumáticos na infância, mas prefere não falar sobre o assunto. Já Patrícia diz  que pouco se lembra da infância e da adolescência. Há quatro anos, depois de graves crises de ansiedade e confusão mental, ela procurou ajuda. Mas não conseguiu tratamento, tampouco um diagnóstico definitivo.

Veja a reportagem completa completa aqui

 

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