A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a obesidade como uma doença crônica, que já pode ser considerada epidemia. O Atlas Mundial da Obesidade 2025 (World Obesity Atlas 2025), da Federação Mundial da Obesidade (World Obesity Federation – WOF), prevê que até 2035 mais de 4 bilhões de pessoas no mundo estarão com sobrepeso ou obesidade, quase 1 bilhão delas em situação grave.
O cenário brasileiro segue a mesma linha de crescimento global: Pode-se dizer que existe uma epidemia de obesidade no Brasil, pois os números de pessoas com sobrepeso e obesidade têm aumentado significativamente nas últimas décadas. De acordo com o levantamento, 68% da população brasileira têm excesso de peso, incluindo sobrepeso e obesidade. Estima-se que 31% da população adulta brasileira tenha obesidade, o que representa cerca de um em cada três adultos no país, e 37% têm sobrepeso – quase quatro em cada dez brasileiros adultos.
O Atlas traz ainda uma projeção de que o número de homens com obesidade até 2030 pode aumentar em 33,4%. Entre as mulheres, essa porcentagem pode crescer 46,2%. Dados do Ministério da Saúde mostram que a proporção de adultos com obesidade no Brasil dobrou entre 2006 e 2023, passando de 11,8% para 24,3%. Em 2019, cerca de 25% da população adulta brasileira, o representa 41 milhões de pessoas, estava obesa, e mais de 60% estava com sobrepeso, o que totaliza aproximadamente 96 milhões de pessoas acima do peso ideal.
Em 2024, a obesidade afetou cerca de 9 milhões de pessoas no Brasil, com o aumento da doença sendo agravado por fatores como a pandemia de Covid-19, que levou ao aumento do sedentarismo e do consumo de alimentos calóricos. Percebe-se a partir destes dados que o crescimento do número de obesos no país vem aumentando de maneira significativa ano após ano.
As projeções são preocupantes pois indicam que essa tendência de crescimento da obesidade deve continuar, com um aumento significativo previsto para as próximas décadas, caso medidas efetivas não sejam implementadas. Estima-se que até 2044, 48% da população adulta brasileira estará obesa, o que representa quase a metade da população adulta.
O Dia Nacional de Prevenção da Obesidade reforça a importância de encarar o excesso de peso como uma condição de saúde que exige acompanhamento contínuo, diagnóstico correto e estratégias personalizadas. De acordo com especialistas, a obesidade é uma doença crônica, progressiva e multifatorial, que precisa ser tratada com a mesma seriedade de outras condições de longo prazo — e não apenas como uma questão de força de vontade ou estilo de vida.
O cenário no Brasil é desanimador. Houve crescimento expressivo da obesidade nos últimos 10 anos, atingindo 20% da população adulta e ainda é mais prevalente em mulheres e em pessoas com menor escolaridade”, diz a endocrinologista Sandra Campos, do hospital Unique.
Segundo ela, esse crescimento não se explica apenas pela alimentação. “Vivemos em um ambiente que favorece o ganho de peso. Há excesso de alimentos ultraprocessados e em porções cada vez maiores, sedentarismo, estresse, pouco sono e desigualdade social. O resultado é um aumento significativo da obesidade e impacto importante na saúde pública”, afirma.
Por conta do efeito nefasto do aumento da obesidade no Brasil, foi criado o Dia Nacional de Prevenção da Obesidade, celebrado em 11 de outubro, com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância da prevenção da obesidade. A data foi instituída em 2008, por meio da Lei nº 11.721.
O que está por trás do aumento da doença crônica
Estes números surpreendem não apenas pela magnitude, mas pela rapidez com que aumentam, especialmente em populações com menor acesso aos serviços de saúde, educação nutricional e alimentação adequada.
O nutrólogo Sandro Ferraz chama atenção para os fatores que explicam a escalada do problema. “Não é apenas uma questão de estilo de vida. A obesidade é uma doença multifatorial, que envolve desde genética e metabolismo até desigualdades sociais, emocionais e culturais”, afirma.
Entre as principais causas, o especialista destaca:
- Consumo crescente de ultraprocessados: mais baratos e acessíveis, esses alimentos ricos em açúcar, sal e gorduras competem diretamente com opções saudáveis.
- Sedentarismo: segundo dados globais, até 50% dos adultos brasileiros não praticam atividade física na frequência necessária.
- Desigualdade social: populações de menor renda têm menos acesso a alimentos frescos, espaços para prática esportiva e atendimento de saúde preventiva.
- Aspectos emocionais: Estresse, ansiedade e privação de sono influenciam nos mecanismos de fome e saciedade. “Hoje, muitos brasileiros comem não por necessidade fisiológica, mas por fatores emocionais e sociais”, explica o médico.
- Fatores biológicos e metabólicos: predisposição genética, disfunções hormonais e alterações metabólicas também pesam no risco individual.
O quadro preocupa porque a obesidade aumenta significativamente o risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, câncer e complicações inflamatórias crônicas. “A obesidade não é falta de força de vontade, mas uma doença crônica, complexa e multifatorial. Precisamos enxergar isso como problema de saúde pública e agir de forma integrada, pois se nada for feito, teremos um colapso no sistema público em médio prazo”, defende.
As soluções, segundo ele, passam por políticas públicas de prevenção, incentivo ao consumo de alimentos frescos, criação de ambientes urbanos ativos, programas de educação nutricional desde a infância e maior acesso à tratamento médico especializado.
Se não houver ação coordenada, teremos um impacto duplo: o aumento da mortalidade precoce e o colapso dos custos em saúde pública e privada. A obesidade tem tratamento, mas o caminho mais eficaz continua sendo a prevenção”, conclui Ferraz.
Causas e riscos da obesidade no Brasil
A médica alerta que o aumento da obesidade no Brasil está ligado a diversos fatores, como o sedentarismo, o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, o estresse, a baixa qualidade do sono e questões sociais e psicológicas. “É fundamental entender que não se trata apenas de estética, mas de saúde. A obesidade é uma doença crônica que aumenta o risco de doenças e outras condições graves”, alerta a endocrinologista.
Fatores genéticos podem aumentar a predisposição ao maior ganho de peso, que levam ao sobrepeso e à obesidade, mas por si só não é sentença de obesidade. “A genética aumenta a predisposição à obesidade, mas não determina sozinha o destino do paciente. Existem casos raros de obesidade causada por um único gene, mas, na maioria das pessoas, os genes interagem com o ambiente
O envelhecimento também é um fator que contribui para o aumento de peso. “Com o envelhecimento, o metabolismo desacelera, há perda de massa muscular e alterações hormonais que favorecem o acúmulo de gordura. Além disso, o corpo ativa mecanismos de defesa contra a perda de peso, aumentando a fome e reduzindo o gasto calórico. Por isso é tão importante associar dieta saudável ao exercício de força, que ajuda a preservar a massa muscular”, esclarece Sandra Campos.
O excesso de peso mantido por anos aumenta o risco de complicações cardiovasculares, diabetes tipo 2, alguns tipos de câncer, apneia do sono e doenças ortopédicas. Para especialistas, é preciso reforçar que a obesidade está entre as principais causas evitáveis de adoecimento e morte no mundo, com impacto direto não apenas na estética, mas na saúde integral e na expectativa de vida.
O sobrepeso e a obesidade impactam negativamente na saúde da população, aumentando o risco de surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares – incluindo Acidente Vascular Cerebral (AVC), que causam mais de 60 mil mortes prematuras no Brasil –, além de alguns tipos de câncer, além de afetar a saúde mental.
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Prevenção e tratamentos
Sandra Campos afirma que, segundo a OMS, as populações mais ativas e com menor consumo de ultraprocessados têm menor risco de engordar. No entanto, a médica destaca que não depende só da força de vontade, a obesidade é uma doença crônica e precisa ser encarada como tal, com acompanhamento médico, e que a prevenção começa na rotina, com mudanças contínuas no estilo de vida.
O ideal é priorizar alimentos frescos e reduzir os ultraprocessados e bebidas açucaradas; manter uma rotina regular de atividade física, cumprindo uma média de 200 minutos por semana, incluídos os exercícios de força, cerca de 30 minutos por dia; menos tempo de TV, computador e celular; além de dormir bem. Políticas públicas para reduzir marketing e consumo de ultraprocessados também ajudariam muito. Essas são medidas simples, mas que reduzem o risco de ganho de peso”, explica.
Para quem apresenta obesidade grave, Sandra Campos indica a cirurgia bariátrica como sendo a opção mais eficaz e duradoura, com perda de 25% a 30% do peso e grande impacto na redução do risco cardiovascular. “O ideal é individualizar o tratamento de acordo com as características e necessidade de cada um: para alguns, medicamento; para outros, cirurgia”.
Banalização do uso de canetas emagrecedoras
atualmente existe um bom arsenal terapêutico para tratar a obesidade, mas que a base do tratamento é sempre a mudança de hábitos. “Em casos específicos, é possível o uso de novos medicamentos como a semaglutida e a tirzepatida, que podem levar a perdas de 15% a 22% do peso e ainda melhoram doenças como diabetes, fígado gorduroso e apneia do sono”.
No entanto, é recorrente diariamente na imprensa a notícia de apreensão das chamadas canetas emagrecedoras falsificadas, a comercialização irregular e indicação de uso do produto por pessoas que não são capacitadas para tal.
Infelizmente existe uma banalização perigosa. Por exemplo, o uso da expressão ‘caneta emagrecedora’ induz à ideia de uma solução mágica. É extremamente perigoso o uso indiscriminado das tais canetas, em geral vendidas irregularmente, falsificadas ou manipuladas sem controle adequado”.
A médica alerta que o uso indiscriminado das canetas emagrecedoras expõe os pacientes a doses incorretas, efeitos adversos graves e até complicações como pancreatite. Outro risco é a interrupção precoce do tratamento, que leva ao reganho rápido de peso.
Por isso, o uso só deve ser feito com receita médica, acompanhamento regular e em farmácias autorizadas. O uso indiscriminado e sem acompanhamento médico é um risco real: automedicação e falsificações colocam vidas em perigo”.
As canetas de emagrecimento são medicamentos injetáveis com princípios ativos, como semaglutida e liraglutida, que agem no controle da fome e na saciedade, auxiliando na perda de peso. Essas substâncias, inicialmente desenvolvidas para o diabetes tipo 2, foram aprovadas para a obesidade e devem ser usadas apenas sob prescrição e acompanhamento médico, como parte de um plano de tratamento que inclui alimentação e exercícios.
Quem realmente precisa de remédio para emagrecer?
No Brasil, as medicações à base de GLP-1 mais conhecidas são: a semaglutida (com nomes comerciais como Ozempic, Rybelsus e Wegovy), a liraglutida (comercializada como Victoza, Saxenda, e as versões genéricas brasileiras Olire e Lirux) e a tirzepatida (comercializada como Mounjaro).
Segundo a endocrinologista DKarine Antunes, médica do Studio Gorga Bem-Estar, esses medicamentos são voltados para casos de obesidade crônica, quando o paciente apresenta IMC (ìndice de massa corporal) a partir de 30, ou quando há excesso de peso associado a doenças relacionadas, como hipertensão, diabetes e apneia do sono.
Não se trata de falta de força de vontade. A obesidade tem componentes genéticos, hormonais e ambientais. Além disso, muitos pacientes já tentaram outras estratégias sem sucesso. O medicamento pode ser um aliado importante para quebrar esse ciclo”, explica.
O que significa falar em tratamento de longo prazo?
A principal diferença em relação à forma como muitos enxergam os medicamentos para emagrecimento é que o uso não deve ser episódico. A Dra. Karine destaca que o tratamento é de longo prazo, com início, meio e fim bem planejados: “Ele exige acompanhamento médico contínuo e mudanças no estilo de vida, envolvendo alimentação equilibrada, sono de qualidade e prática regular de atividade física”, orienta.
A médica acrescenta que o desmame da medicação depende de cada caso. “Em alguns pacientes, é possível reduzir ou até suspender o uso após um período de estabilização; enquanto em outros casos, o uso pode ser contínuo ao longo da vida, da mesma forma como acontece com pacientes com hipertensão ou diabetes, sempre com ajustes nas doses e reavaliações periódicas”, completa.
Vale a pena ter medicamentos GLP-1 no SUS?
No Brasil, esse movimento também levanta a discussão sobre o acesso aos medicamentos agonistas de GLP-1 no Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, eles estão disponíveis apenas no setor privado e a preços elevados.
Reconsiderar essa inclusão no SUS teria impacto enorme. Estamos falando de milhões de brasileiros que convivem com a obesidade e de complicações que sobrecarregam hospitais e clínicas. Investir em tratamento adequado é investir em prevenção de longo prazo”, defende a especialista.
O que a decisão da OMS mudará na prática?
Pensando em reverter esse quadro, em setembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) abriu uma consulta pública sobre o projeto de diretriz para o uso de medicamentos à base de GLP-1 no tratamento da obesidade em adultos. Esses fármacos, inicialmente desenvolvidos para o controle do diabetes tipo 2, vêm sendo estudados por seu potencial de ajudar no controle de peso de forma segura, quando usados dentro de protocolos clínicos e com acompanhamento médico.
Até agora, as principais estratégias para o controle da obesidade giravam em torno de dieta, exercícios e mudanças de comportamento. Esses pilares continuam centrais, mas os especialistas da OMS apontam que, em muitos casos, eles não são suficientes para conter uma doença que já afeta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e está relacionada a milhões de mortes evitáveis todos os anos.
Para a Dra. Karine Antunes, a mensagem é clara: a luta contra a obesidade precisa ser encarada com seriedade, ciência, ética e cuidado contínuo. “Quando a OMS reconhece a obesidade como uma doença crônica e recomenda o uso dos medicamentos GLP-1, isso ajuda a mudar a mentalidade: não é questão de estética ou de falta de força de vontade, mas de saúde”, reforça a médica.
Embora as diretrizes ainda sejam preliminares e voltadas a adultos, o impacto simbólico é relevante. A endocrinologista afirma que ao colocar a obesidade no mesmo patamar de doenças crônicas como hipertensão e diabetes, a entidade contribui para reduzir o estigma e reforça o olhar de saúde pública.
Esses remédios não substituem hábitos saudáveis, mas podem ser aliados fundamentais para quebrar o ciclo da obesidade e evitar complicações graves. Para mim, será um avanço importante — inclusive para discutirmos acesso no Brasil, porque tratar obesidade é também prevenir doenças cardiovasculares, diabetes e câncer”, finaliza.