Considerada uma das doenças mais incapacitantes e com altas taxas de suicídio, o Transtorno afetivo bipolar (TAB) pode causar muito sofrimento para os indivíduos e suas famílias. A doença mental crônica é caracterizado por alterações marcantes do humor, da energia e dos níveis de atividade, o que pode impactar a habilidade do indivíduo em lidar com as tarefas do dia a dia.
O TAB acomete cerca de 4% da população mundial ou 140 milhões de pessoas de acordo com estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Estima-se que a prevalência global do transtorno seja de 1% a 2%, chegando a 5%. No Brasil, afeta cerca de 6 milhões de brasileiros, segundo dados da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata).
A doença atinge mais jovens, sobretudo entre os 15 e 24 anos. Contudo, o último estudo epidemiológico apontou um pico tardio entre 45 e 55 anos. Geralmente, a bipolaridade se manifesta em homens e mulheres, entre 15 e 25 anos, mas pode afetar também crianças e pessoas mais velhas.
O transtorno bipolar é uma das principais causas de incapacidade. Dados da OMS apontaram que o transtorno bipolar foi a sexta maior causa de incapacitação no mundo na década de 1990. Uma pessoa com sintomas da doença aos 20 anos pode perder 9 anos de vida e 14 anos de produtividade profissional, se não receber tratamento adequado.
A taxa de mortalidade dos portadores de bipolaridade também é elevada, e o suicídio é a causa mais frequente de morte, principalmente entre os jovens. Estimativa da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB) mostra que até 50% dos pacientes tentem o suicídio ao menos uma vez em suas vidas e 15% destas tentativas se efetivam. Por serem mais propensas a desenvolverem quadros depressivos, pessoas com o distúrbio mental têm 23 vezes mais chances de cometer suicídio do que a população em geral, segundo a OMS.
Dia Mundial do Transtorno Bipolar
Em homenagem ao pintor pós-impressionista holandês Vincent Van Gogh – que, possivelmente sofria do transtorno – março é reconhecido internacionalmente como o mês de atenção à bipolaridade. O Dia Mundial do Transtorno Bipolar (30 de março) acende um alerta sobre a importância do tratamento para a qualidade de vida dos pacientes, que se beneficiam de estratégias aliadas a medicamentos e acompanhamento terapêutico regular.
O principal objetivo da data é levar informação à população, já que a desinformação é uma das barreiras enfrentadas pelos pacientes, familiares e profissionais da saúde. Com isso, a proposta é chamar atenção para a importância do diagnóstico precoce, além de conscientizar a sociedade sobre a necessidade de quebrar estigmas acerca desse tema.
“O transtorno bipolar tem um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes e seus familiares. Por isso, o conhecimento sobre a doença e os seus prejuízos por parte dos familiares se faz necessário, uma vez terão habilidades para lidar melhor com todo o processo do tratamento”, afirma a psiquiatra Aline Valente Chaves, médica convidada pela Prati-Donaduzzi para falar sobre a doença e membro da comissão científica da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata).
Saiba mais sobre a doença
O transtorno bipolar tem por características alterações bruscas do humor que afetam a habilidade da pessoa de lidar com as tarefas do dia a dia, e interferem significativamente nas relações interpessoais e na qualidade de vida dos indivíduos.
“Os sintomas costumam vir acompanhados com frequência de alteração de sono, do apetite, alterações do ânimo a alterações do pensamento, tais como extremo pessimismo e ideias suicidas na depressão e de ideias de grandiosidade e poder nos estados maníacos”, explica a psiquiatra.
A doença é identificada pelas fases de hipomania (mais leve) e de mania moderada ou grave e os estados mistos, onde há uma mescla de sintomas das ordens. A hipomania é a mania leve, muito comum e pouco diagnosticada, que pode durar poucos dias, com os mesmos sintomas, mas sem a mesma gravidade.
Já a mania é caracterizada por momentos de irritação e até agressividade; expansividade do humor e aumento da energia. Os episódios podem ter características tanto de mania quanto de depressão simultaneamente, o que é chamado de episódio misto.
Maior incidência de casos na pós-pandemia
A mudança brusca na rotina e o isolamento social acendeu um alerta sobre a importância da saúde mental durante a pandemia. A tarefa de controlar o estresse, medo e ansiedade gerados pela atual situação é bastante complexa, mas é ainda mais difícil para pacientes com transtornos psiquiátricos, como o transtorno bipolar.
A psicóloga e psicanalista Caroline Severo, coordenadora da Residência Terapêutica da Holiste Psiquiatria, explica que a depressão bipolar – diferente da depressão unipolar – se caracteriza pela transição de períodos de extremo desânimo para extrema euforia.
“O transtorno bipolar se caracteriza pela oscilação de episódios de rebaixamento e elevação de humor. Na depressão, é comum sentimentos de culpabilidade e autocensura. Na euforia, há a predominância de comportamentos impulsivos, excitações incontroláveis e perda da capacidade de autocrítica, com risco de exposição a si e a terceiros”.
Diante do cenário de confinamento, distanciamento social e falta de perspectiva, é preciso se atentar às emoções que se fazem mais presentes e se há uma grande dificuldade de lidar com a realidade e de se reinventar diante do mal-estar atual, uma vez que essa esses sentimentos podem gerar sintomas patológicos e desencadear quadros de depressão ou de mania – ou seja, servir como gatilho emocional.
Bipolaridade e vida familiar
Assim, uma pessoa aparentemente produtiva e extremamente entusiasmada pode estar passando, na verdade, por uma condição psiquiátrica complexa: a bipolaridade. A especialista explica que durante a fase de mania ou euforia é comum que haja maior comportamento de desinibição, gastos excessivos e aumento da irritabilidade, variando de níveis. O episódio pode ser um desafio também para a família que – em tempos de isolamento – passam mais tempo juntas.
“O transtorno bipolar se caracteriza por oscilações entre estados de depressão, em que a pessoa pode ser tomada por intensas ideações de ruína e pela mania, sendo tomada por sentimentos de onipotência e perda da noção de perigo. Ambas as condições podem levar a situações de alto risco. O entendimento dos quadros é fundamental: é preciso diferenciar os aspectos da personalidade, uma crise de mania ou de depressão. Este é um passo importante na reconstrução dos laços familiares geralmente desgastados por conta do desconhecimento da doença”, comenta.
Mitos sobre o transtorno bipolar
Caroline alerta sobre a confusão entre o que é uma manifestação de uma crise no transtorno bipolar com o que são características da personalidade da pessoa. “Ouvimos frases como ‘ele é bipolar, está bem e daqui a pouco já está mal’ ou ‘ela é bipolar, muda de humor muito rápido’. Essa questão é muito importante, pois muitas pessoas estão subtratadas, não diagnosticadas ou resistentes ao tratamento por haver dúvidas entre aspectos da personalidade e sintomas de mania ou de depressão”.
A profissional esclarece que o entendimento é fundamental para que a bipolaridade não se transforme num estigma e comprometa a adesão da pessoa ao tratamento. “A primeira questão a ser esclarecida é que o paciente com diagnóstico de transtorno bipolar, tem mudanças de humor, mas estas não são do dia para a noite. Um paciente deprimido ou em mania pode apresentar os sintomas de cada fase por semanas, meses ou até anos. Não há, por exemplo, um paciente que acorda deprimido e vai dormir em mania ou vice-versa”, define.
Bipolaridade e tratamento
O tratamento da bipolaridade é uma conjugação de diversas especialidades médicas: remédios e psicoterapia. “A abordagem farmacológica do transtorno bipolar é um aspecto fundamental do tratamento para estabilizar o humor. Já a psicoterapia se dedica às questões singulares do paciente. Não se trata apenas de esclarecer o diagnóstico, mas de questionar subjetivamente o que deflagra e mantém as crises de mania e depressão, construindo a partir daí novas formas de lidar com a repetição sintomática”, detalha.
Contudo, a principal estratégia para o sucesso do tratamento é a frequência. A especialista explica que o tratamento efetivo é aquele que o indivíduo mantém sem interrupções – mesmo durante a pandemia. “Atualmente, os atendimentos podem ser realizados de forma remota, ou seja, online, garantindo a sustentação do tratamento. A rotina durante a pandemia foi bastante impactada, o que é uma questão sensível aos pacientes que têm esse diagnóstico”.
Para finalizar, a psicóloga dá uma dica: “Mesmo em casa, sustente uma rotina que contemple os seus interesses e a própria singularidade. Junto ao tratamento, os cuidados com a subjetividade e com o corpo são de extrema importância para evitar novas crises”, encerra.
Fonte: Prati-Donaduzzi e Holiste Psiquiatria