hanseníase está na lista das doenças negligenciadas e o Brasil perde apenas para a Índia em número de casos. Porém, já ocupa o primeiro lugar em taxa de detecção, que alcançou 1,3 por 10 mil habitantes em 2019, antes da pandemia — houve acentuada queda de diagnósticos de novos casos desde 2020. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), acima de 4,0 o país entra na “situação hiperendêmica”. A taxa baixa de detecção é menos que 0,2 casos a cada 10 mil habitantes; a taxa média é de 0,2 a 0,9; e a alta de 1,0 a 1,9.

Para reforçar o combate à doença, que tem cura e o tratamento é 100% gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), começa a campanha educativa “Todos contra a hanseníase com ações por todo o Brasil. A SBH-Sociedade Brasileira de Hansenologia a realiza desde 2015, com ênfase no mês de janeiro. O primeiro Janeiro Roxo aconteceu em 2016, oficializado pelo Ministério da Saúde, e tem o último domingo do mês como data símbolo, que é o Dia Mundial de Combate e Prevenção da Hanseníase.

As ações realizadas na campanha também têm o objetivo de reforçar o combate ao preconceito contra a enfermidade e o isolamento dos doentes. Segundo o dermatologista e hansenólogo Claudio Guedes Salgado, presidente da SBH, o Brasil vive um cenário que remete a um histórico de estigma e preconceitos institucional, profissional e da sociedade em geral contra as pessoas atingidas pela hanseníase e os familiares que convivem ou conviveram com a doença.

Também faltam linhas de cuidado, fazendo com que os pacientes diagnosticados não tenham acesso ao sistema de saúde; ausência de novas drogas para tratamento, o que a caracteriza como uma doença negligenciada. Há uma tentativa de diminuição do tempo de tratamento dos pacientes com os mesmos antibióticos usados há mais de 4 décadas, ignorando a capacidade bacteriana de se proteger para se manter viva.

Outro problemas é o uso indiscriminado de drogas imunossupressoras para o tratamento de “reações” que nunca cessam. Além disso, o diagnóstico de outras doenças que podem, em algumas de suas fases, parecer com a hanseníase, dentre vários outros problemas, são desafios para o combate à hanseníase.

O Brasil tem estrutura e tecnologia para fabricação de novas drogas, mais eficazes e de custo acessível para tratamento da hanseníase. O tratamento no Brasil é feito pelo SUS com a PQT-Poliquimioterapia, um coquetel de antibióticos usados há 40 anos. Por isso, é preocupante o índice de falência de tratamento (quando paciente o conclui, mas ainda tem bacilos vivos) e recidiva (volta da doença).

Ação de busca ativa de casos de hanseníase no interior do país (Foto: Divulgação SBH)

Número de casos

O Brasil, em média, registrava cerca de 30 mil novos casos por ano antes da pandemia, mas a SBH alerta que existem de três a cinco vezes mais casos sem diagnóstico e uma endemia oculta “altíssima” de hanseníase. Significa milhares de pessoas sem tratamento, sofrendo sequelas que surgem com o avanço da doença — e poderiam ser evitadas — e transmitindo o bacilo a pessoas saudáveis.

Segundo a SBH, o país vem registrando um aumento do percentual de pessoas diagnosticadas com grau 2 de incapacidade física (sequelas incapacitantes) como consequência de diagnósticos tardios. “Além disso, temos muitos casos diagnosticados em crianças, o que indica uma alta circulação do bacilo nas comunidades”, alerta Salgado.

Nos últimos anos, a SBH tem acompanhado aumento substancial de novos diagnósticos em localidades brasileiras com hansenólogos atuando e onde são feitas ações de capacitação de profissionais de saúde para o diagnóstico e tratamento da hanseníase, o que comprova o cenário de endemia oculta da doença. Foi o que ocorreu em Jardinópolis, interior paulista, que tem um dos maiores índices da doença no país, e em Ribeirão Preto, detentora do maior índice no Estado de São Paulo.

A hanseníase no Brasil

O Brasil é um dos poucos países que continuam diagnosticando a doença. Há anos, porém, a SBH vem alertando autoridades brasileiras e estrangeiras sobre o problema das localidades sem registro da doença, tanto no Brasil quanto em países em situação socioeconômica e condições sanitárias piores. No artigo “Os números de casos de hanseníase são confiáveis?”, publicado na revista The Lancet, em 2018, os hansenologistas brasileiros já estavam alertando a OMS sobre o problema.

“Em muitos países, a hanseníase foi oficialmente considerada eliminada, mesmo com o diagnóstico de mais de 200 mil casos novos por ano no mundo. Uma vez eliminada, serviços são extintos e a doença para de ser ensinada nas faculdades e universidades, resultando em um quadro grave de falta de conhecimento sobre ela no meio acadêmico, com consequente falta de diagnóstico nos serviços de atendimento à população mesmo de quadros clássicos”, analisa Claudio Salgado, doutor em Imunologia da Pele pela Universidade de Tóquio e professor titular da Universidade Federal do Pará.

Números da hanseníase no país

O mais recente Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde mostra que de 2016 a 2020 foram diagnosticados 155.359 casos novos de hanseníase no país. O Mato Grosso foi o estado com a maior taxa de detecção: 71,44 casos novos por 100.000 habitantes.

O Tocantins ficou em segundo lugar com 53,95 casos novos por 100.000 habitantes, sendo que a capital, Palmas, registrou taxa de 118,51 casos por 100.000 habitantes, a maior entre as capitais do país. De 2011 a 2020, o Brasil diagnosticou 19.963 casos novos de hanseníase com grau 2 de incapacidade física (sequelas incapacitantes).

Hanseníase tem cura e tratamento

A doença tem cura, tem tratamento gratuito em todo o território nacional, não faltam medicamentos (são doados pela OMS ao país) e o diagnóstico é clínico, ou seja, o paciente apresenta um conjunto de sinais e sintomas que podem ser identificados em consulta médica. Em tratamento, o doente deixa de transmitir a hanseníase.

Como o bacilo agride os nervos, o paciente os apresenta espessados, além de manchas irregulares avermelhadas ou esbranquiçadas pelo corpo. Em algumas áreas da pele pode haver perda de pelos, diminuição e até perda total de sensibilidade e ausência total ou parcial de suor, entre outros sintomas.

Porque a doença foi equivocadamente considerada controlada, os profissionais de saúde não são preparados nas universidades para diagnosticar a hanseníase. Por isso, é comum o paciente conviver muitos anos com o Mycobacterium leprae, bacilo causador da doença, transmitindo-a a seus comunicantes. Esses pacientes passam por inúmeros serviços de saúde e não raro são diagnosticados com doenças reumatológicas, por exemplo (por causa de dores nas articulações), trombose (por causa da dificuldade em caminhar), e até enfarto (pelas dores nos nervos dos braços), além de várias outras doenças.

O número de crianças menores de 15 anos com hanseníase é preocupante — como a doença demora alguns anos para se manifestar, esses casos sinalizam que as crianças estão sendo contaminadas dentro de casa.

A doença não pode ser erradicada — assim como a gripe, por exemplo –, mas pode ser controlada. Não há ainda uma vacina, mas hansenologistas brasileiros têm avançado em pesquisas e seus estudos vêm sendo divulgados frequentemente em publicações científicas brasileiras e estrangeiras.

A estratégia de enfrentamento à hanseníase é a informação da população, a capacitação de profissionais de saúde e a ampliação dos diagnósticos para quebrar a cadeia de transmissão do bacilo.

Janeiro Roxo conscientiza sobre a doença

Janeiro é o mês em que a comunidade dedicada ao combate à hanseníase reúne esforços para conscientizar sobre a gravidade da doença e a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado. E como forma de lembrar que a doença ainda existe e tem cura, a Aliança contra Hanseníase (AAL, na sigla em inglês – Alliance Against Leprosy) distribui, para diversas partes do Brasil, mais de 1 mil fitinhas do Bonfim, em diversas cores.

“A informação é a nossa maior aliada para combater o preconceito e também favorecer o diagnóstico precoce. Atingir a população infanto-juvenil é a nossa estratégia em 2022”, comenta Laila de Laguiche, médica dermatologista com 20 anos de experiência na área, pós-graduada em Saúde Internacional e Doenças Tropicais pelo Instituto de Medicina Tropical da Antuérpia (Bélgica) e fundadora do Instituto Aliança contra Hanseníase.

Desde a sua fundação, o instituto já impactou centenas de pessoas com projetos de capacitação médica para a hanseníase. A campanha faz parte do Janeiro Roxo, que é uma mobilização nacional na qual são realizadas ao longo do mês diversas ações médico-social em diversas partes do Brasil, como forma de chamar a atenção da população para os sinais e sintomas da hanseníase e alertar para a importância do diagnóstico precoce da doença, evitando sequelas graves.

Tratamento tardio pode deixar sequelas graves

Segundo a médica, a bactéria Mycobacterium leprae se multiplica lentamente e pode levar de cinco a dez anos para dar os primeiros sinais. A patologia afeta principalmente os nervos periféricos e está associada a lesões na pele, como manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, caroços ou placas pelo corpo, ressecamento e perda de sensibilidade e força para segurar objetos.

O diagnóstico de hanseníase pode ser facilmente confundido com outras doenças (artrite, artrose, trombose, fibromialgia, por exemplo) e quando tardio pode deixar graves sequelas, especialmente a incapacidade física com deformidades em mãos e pés, podendo levar também à cegueira.

A transmissão é através de gotículas de saliva eliminadas na fala, tosse ou espirro de pessoas não tratadas e em fases mais adiantadas da doença, porém, logo no  início do tratamento, a transmissão é interrompida.

“O diagnóstico tardio aumenta consideravelmente as chances dos doentes virem a desenvolver sequelas físicas, na maioria das vezes irreversiveis”, explica a fundadora do Instituto.

Com sede em Curitiba (PR) e projeção internacional, o Instituto Aliança contra Hanseníase é uma associação sem fins lucrativos que une ciência, educação e filantropia no combate à hanseníase. A entidade ainda conta com uma equipe de conselheiros formada por grandes referências em hansenologia no Brasil e na América Latina.

Doação de tecnologia assistiva a pacientes com hanseníase 

Em setembro de 2021, a Aliança contra Hanseníase lançou a ação TECHansen, um projeto com o objetivo de doar materiais e equipamentos de tecnologia assistiva para pacientes que apresentam deficiências físicas ocasionadas pela hanseníase nos olhos, nariz, mãos e pés.

A ação iniciou de forma piloto nos estados de São Paulo e Paraná, e depois expandiu para 10 outros estados do país. O TECHansen já doou mais de 900 itens e impactou mais de 100 pacientes com hanseníase, promovendo qualidade de vida para estas pessoas.

A ação continua e para solicitar os materiais e dispositivos disponibilizados pela AAL, é necessário que o profissional de saúde (terapeuta ocupacional, enfermeiro, fisioterapeuta, e/ou médico) e que, preferencialmente, esteja alocado em algum serviço público de referência e/ou de reabilitação, com demanda de atendimentos aos pacientes de hanseníase, preencha o formulário com informações básicas sobre o diagnóstico e o acompanhamento e, no final, assinar um termo de consentimento, disponível no link.

Após a análise pelo Instituto, o material é separado e enviado sem custos para o endereço indicado no cadastro e conforme a disponibilidade dos materiais. A lista de itens disponibilizados para doação pode ser conferida no site do Instituto.

“Foi maravilhoso receber o ‘kit’. Eu estava precisando. O material vai ser muito útil, principalmente a luva. Como eu cozinho e qualquer coisa eu me queimo, acabo me machucando. Estou muito feliz com o kit”, comenta J.A.S, de Praia Grande (SP), paciente com sequelas da hanseníase, beneficiado pelo projeto.

Com Assessorias

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