Desde os abomináveis atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 que psicólogos, psicanalistas e psiquiatras brasileiros buscam decifrar a mente doentia de milhares de golpistas terroristas bolsonaristas que invadiram, depredaram o patrimônio público da Nação e até defecaram em obras de arte nas sedes dos três poderes da República, em Brasília.
A melhor definição para os extremistas radicais de direita, incitados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que não aceita a derrota nas eleições de 2022, veio de Ana Beatriz Barbosa, uma das mais respeitadas psiquiatras do país, em entrevista ao canal Flow.
Autora de vários livros e cuja consulta não sai por menos de R$ 2,4 mil em seu consultório no Rio de Janeiro, a escritora e palestrante explica que os ataques são resultado de um fanatismo político que dificilmente pode ser combatido ou tratado.

“Ou a gente acaba com a polarização ou a polarização vai acabar com o país. Me preocupa muito porque não é uma coisa só do nosso país, é um fenômeno global, mas aqui a coisa está mais aguda. Não é a massa que está polarizada, mas tem um pessoal fanático. E todo fanatismo, no  meu entender, é burro”, disparou.

E como convencer o fanático? A psiquiatra não é otimista. “Não convence. Ele tem um ponto de vista”, enfatiza. Para ela, “nada vai parar essas pessoas”. E explica a definição do fanático.

“É a pessoa que tem necessidade de acreditar em algo e vive em função dessa crença. Ela não tem nenhum pensamento baseado em evidência, é simplesmente a necessidade de crer. E isso está muito presente naquelas pessoas que estão meio perdidas na vida e precisam se agarrar em alguma coisa, em alguma crença. Existe hoje um número X – e graças a Deus ainda é uma minoria – que está com este comportamento. E nada vai parar essas pessoas. Totalmente condenável”.

‘Massa é alienante e se comporta como gado’

Segundo ela, os fanáticos sempre existiram, mas se organizaram a partir da facilidade das redes sociais. “A rede social mostra o fanatismo de forma mais ampla e mais estimulada, que facilita a organização. Antes tinha que ir ao shopping, à praça, para encontrar as pessoas e conversar. Hoje, consegue falar com 1.000 pessoas ou mais. A massa é alienante e se comporta de forma, é feito gado. É o efeito manada e todo efeito manada é alienante”.

Ana Beatriz falou sobre o poder da internet na massificação da opinião. “Aquilo é governado por algoritmos. Não é programado, ao contrário, é uma bolha. Vamos supor que você goste de tênis, eu também. Aí só vai aparecer quem gosta de tênis. Eu deixo de ter contato com outras tribos e passo a ter contato apenas com uma bolha. Aí vem o fanatismo. Você vive daquela verdade. O fanático só vive aquela realidade”.

Ela destaca que as redes sociais são programadas por uma inteligência artificial. “Esse alguém programa com a intenção clara de ver o perfil do consumidor que você é. E vai criando um universo onde tende a ficar radical porque você só vê e só debate aquilo”.

“O fanático é aquele que tem necessidade de crer. Uma pessoa que tem muita necessidade de crer precisa daquilo para existir. E a princípio tem um vácuo. Se você não se prende a coisas nem pessoas, você tem metas e está evoluindo como ser humano. No momento que tenho necessidade de me fazer importante porque estou ligado a alguém ou porque tenho coisas tem alguma coisa errada. Isso é um movimento de massa, as pessoas não têm noção de para onde estão indo. Então se agarram a símbolos, a pessoas”.

‘Quase um delírio’: existe cura para o fanatismo político?

Terroristas bolsonaristas invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)
Para ela, o fanatismo político é muito parecido com o religioso, só muda o ambiente. “Fanatismo é quase um delírio, não se dissolve com evidências. O fanático é quase um delirante, ele não tem qualquer noção de civilidade. Qual a possibilidade de fazer ele ligar? Talvez isolar ele dessa massa que estimula o delírio dele”.
Questionada sobre possíveis casos de pessoas que tivessem participado dos atos em Brasília e procurassem ajuda, a especialista é enfática.
“Quem tem essa percepção não é fanático. É um cara sem qualquer noção, sem civilidade. Esse cara nunca vai admitir, ele acredita naquilo. Esse caimento de ficha é alguém que está aberto, que sente que agora tocou em alguma coisa sublime, o respeito pelas instituições, pelas pessoas. Esse que não é fanático basta o caimento de ficha. O fanático nunca vai admitir isso”.
E quando é hora de medicar uma pessoa nessas condições? A psiquiatra diz que somente nos casos em que a pessoa revelar que reconhece ter necessidade de ajuda profissional.
“Se uma pessoa viu que chegou nesse ponto e diz: “Quero muito sair, mas ficam muitos pensamentos intrusivos na minha cabeça, que não posso sair, que isso que vai resolver a questão”. Aí a pessoa chegou num nível de ansiedade que chegou a pensamentos obsessivos, aí sim podemos medicar”.
Segundo ela, afastar o fanático dos grupos e redes sociais que fomentam suas ideias é fundamental porque os pensamentos se retroalimentam.
“Hoje o spa que mais cresce no mundo inteiro é o detox digital. Se paga caro para ficar sem celular, caçar para comer, cagar no mato e levar vida mais selvagem.  Qualquer coisa para te tirar do mecanismo que está, leva no mínimo 15 dias,  abstinência. Não tem como, é isso para qualquer vício”.
Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto.

‘Pequenas concessões’ + algoritmos da internet

Na opinião da psiquiatra, os crimes cometidos em Brasília são resultado de “pequenas concessões” feitas ao longo dos anos. “Quebrar uma vidraça não é nada, destruir patrimônio público não é nada, lixeiras que sejam. Roubar cabo de internet, roubar semáforo não é nada. Isso vem no crescendo de tolerar o intolerável. Existe o certo e o errado, dentro de uma concepção social. Pode todo mundo estar fazendo errado, mas não deixa de estar errado. Então é um acúmulo que vinha ocorrendo”.

Para ela, o que aconteceu em Brasília era “previsível” e, além das “pequenas concessões”, a pandemia ajudou muito ao ampliar o relacionamento por meio das redes sociais.
“As pessoas estão reaprendendo a se relacionar. Marcam encontro, começam a namorar, e terminam, tudo pela internet. Fico preocupada porque essa polarização está muito ruim. Com a pandemia, isso foi elevado à décima potência”, pondera.
A esperança, segundo ela, é que os atos antidemocráticos deixem um ensinamento positivo. “Quebrar uma lixeira e jogar um papel na rua já é uma coisa grave. Ou a gente vai evoluir para uma civilidade ou vai ser difícil. Porque tudo hoje é relativo. Aí quebrou porque precisava. Não importa se precisava ou não”.

Sem se referir a Bolsonaro, Ana Beatriz também deu como exemplo o conceito distorcido de herói adotado atualmente, criticando os reality shows.

“Qual é o conceito de herói? A Jornada do Herói é aquele que foi contra tudo e todos, contra a lógica, e no final triunfa o bem. Tem reality shows que falam ‘meus heróis’, mas heróis de que? Um herói te inspira, te dá a sensação de que é possível trilhar e chegar a um bom lugar. Isso é a trajetória do herói, que inspira os outros. O que a gente vê sendo chamado de herói não tem esse conceito”.

A psiquiatra também falou sobre os conflitos familiares causados por causa de política.

“Estamos vivendo um tempo novo, às vezes discute com pessoas por nada. Eu me recuso a falar com pessoas por causa de política. Os políticos passam e passarão. Tenho paciente que deixou de falar com pai de 83 anos, Não dá pra deixar de falar com pai e mãe por causa de política.. As pessoas estão brigando de deixar de falar. Grupos de whatsapp de família viraram uma batalha!”.

 

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