Perda de sensibilidade de frio e calor em uma das pernas e o diagnóstico de estresse. Oito anos depois, um surto que, em menos de duas horas, provocou a paralisação total de metade do corpo e desequilíbrio. Diagnóstico: esclerose múltipla. Essa é a história da terapeuta emocional Paula Budolla, de 48 anos, há 16 anos diagnosticada como portadora de esclerose múltipla, uma doença crônica, autoimune, que afeta o cérebro, olhos e medula espinhal.
A terapeuta se encaixa no perfil predominante para a doença – mulher entre 20 e 40 anos – e retrata o desafio do diagnóstico: sintomas diversificados que podem surgir de forma leve ou grave. De acordo com a neurologista do Hospital Marcelino Champagnat, Patrícia Coral, quanto antes o diagnóstico for realizado, melhores as condições de tratamento e controle da doença.
O surto que tive em 2004 foi bastante grave. Só voltei a andar dois meses depois e a mexer meu braço, após nove meses. Consegui passar por tudo isso com muito apoio da família, inclusive do meu filho, que na época tinha apenas 2 anos, mas me ajudava a pegar objetos, por exemplo. Hoje, no entanto, sigo meu tratamento corretamente, mudei de profissão para adequar às minhas necessidades e me sinto realizada”, conta Paula.
Atualmente ela trabalha como terapeuta emocional e realiza trabalhos voluntários em uma igreja e no Instituto ProBem, que promove apoio a pacientes com esclerose múltipla. Neste domingo, 30 de agosto, é lembrado o Dia Nacional de Conscientização sobre a Esclerose Múltipla, doença imunomediada, desmielinizante e degenerativa do Sistema Nervoso Central.
Com a esclerose múltipla, o organismo produz anticorpos que agridem a bainha de mielina (camada de gordura e proteínas que envolve as fibras nervosas do nosso sistema neurológico). Como ela está presente em praticamente todas as células do sistema nervoso, pode ter acometimento em qualquer parte do corpo. Por isso, os sintomas são tão variados”, explica a neurologista.
A médica esclarece ainda que, geralmente, a doença atinge o nervo óptico, provoca perda de sensibilidade nos membros e pode chegar ao cerebelo, provocando tontura e alteração do equilíbrio. Os sintomas podem começar lentamente, em formas mais brandas da doença, ou de maneira mais grave, provocando fraqueza ou paralisia parcial dos membros inferiores, com comprometimento das pernas, controle do intestino e bexiga.
As causas da doença também geram incertezas. Ela é multifatorial: pode ser causada por uma predisposição genética, desencadeada por um processo infeccioso ou por um fator ambiental, como a deficiência da vitamina D. A boa notícia é que, embora não tenha cura, é possível tratar a esclerose múltipla e controlar os possíveis surtos e consequentemente, as sequelas. Atualmente os tratamentos são de uso contínuo, mas já existem drogas em estudo para uso em curto prazo.
EM pode ser confundida com doenças como ELA e AVC
A conscientização da população sobre a esclerose múltipla é de extrema importância pois, muitas vezes, é confundida com outras doenças, seja pela denominação ou pelos sintomas. A esclerose lateral amiotrófica (ELA) tornou-se conhecida pela história do físico britânico Stephen Hawking. No entanto, é uma doença mais grave e que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e causa paralisia irreversível.
Já os sintomas como amortecimento dos membros podem ser confundidos com um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Causado por entupimento ou rompimento dos vasos que levam sangue ao cérebro, o AVC causa perda de força, fraqueza, formigamento em algum lado do corpo, alterações na fala e na visão.
Quando sentem formigamento ou fraqueza, principalmente, os pacientes acabam procurando um pronto atendimento pensando que pode ser um AVC ou sintomas de estresse, mas em certos casos podem ser sinais de um surto de esclerose múltipla”, revela Patrícia.
O alerta sobre os sintomas, no entanto, vale para que a população não deixe de buscar atendimento médico. “A cada hora perdida de tratamento de um AVC, cerca de 120 milhões de neurônios morrem, o que aumenta a chance de sequelas. E os surtos de esclerose múltipla também precisam de tratamento. O importante é buscar um atendimento em neurologia o mais rápido possível”, comenta a neurologista e coordenadora do serviço de neurologia do Hospital Marcelino Champagnat, Lívia Figueiredo.
Surtos variam de paciente para paciente
Fernanda Ferraz, médica neurologista do Hospital Anchieta de Brasília, explica que a doença acontece porque o sistema de defesa do organismo (sistema imunológico) gera um processo inflamatório sobre a mielina que é uma camada de gordura que envolve as fibras nervosas no encéfalo, nervo óptico e medula espinhal, comprometendo a condução dos impulsos elétricos.
Esse processo inflamatório provoca lesões no sistema nervoso central gerando sintomas associados ao comprometimento da função neurológica da região acometida pela lesão: visão embaçada ou dupla, fraqueza, dormência e formigamento, rigidez muscular (espasticidade), tontura, disfunção da bexiga e intestino, disfunção erétil, dor, tremores”, acrescenta.
De acordo com ela, esses sintomas, quando duram mais que 24 horas são chamados de surtos e variam de paciente para paciente. “Além deles, o paciente pode apresenta muita fadiga, transtornos emocionais, diminuição da libido e prejuízo cognitivo”, pontua.
A especialista complementa que pessoas com história familiar positiva em parentes de primeiro grau têm um risco maior que a população geral. “Isso não quer dizer que a esclerose múltipla é hereditária, pois os fatores de risco para a enfermidade são vários, por isso, até então não está definida uma causa para a doença”, ressalta.
Conheça os sintomas mais comuns da EM
A doença neurológica, crônica e autoimune faz com que as células de defesa do organismo ataquem o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares, que causam diversos sintomas debilitantes. Confira alguns dos principais:
• Fadiga: manifesta-se por um cansaço intenso e momentaneamente incapacitante;
• Alteração fonoaudiológicas: alterações ligadas à fala e à deglutição que podem surgir no início da doença ou no decorrer dos anos;
• Problemas de equilíbrio e coordenação: se manifestam com instabilidade ao caminhar, vertigem, náuseas e fraqueza geral;
• Espasticidade: rigidez por aumento da resistência ao movimento, principalmente nos membros inferiores. Pode se associar a sensação de queimação, formigamento e comumente à dor intensa;
• Transtornos emocionais: depressão, ansiedade, transtorno de humor e irritabilidade.
Saiba mais sobre a doença
Quem está mais propenso?
Dra Fernanda comenta que a doença é mais frequente em pessoas de pele branca, jovens entre 20 a 40 anos, do sexo feminino, tabagistas, pessoas com história de obesidade na infância e adolescência, história prévia de infecção pelo vírus Epstein Barr, consumo excessivo de sal e ainda, em pessoas residentes em regiões de clima temperado.
A prevalência aumentada em populações que residem em áreas com baixa exposição solar levou também à identificação da relação entre os baixos níveis de vitamina D no sangue e a progressão da doença”, afirma. “Estudos mais recentes também têm buscado uma correlação entre a presença e atividade da doença e o tipo de microbiota intestinal dos indivíduos”.
Há como prevenir?
De acordo com a médica neurologista não há forma de prevenção, pois se trata de uma doença multifatorial e de causa indeterminada, por isso, a descoberta precoce ainda é a melhor estratégia para retardar a progressão da doença.
O diagnóstico é feito por meio da história clínica, exame físico e exames complementares como a ressonância magnética do encéfalo, da medula e dos nervos ópticos e a análise do líquido cefalorraquidiano”, destaca Fernanda Ferraz. Ela continua: “exames de sangue e outros exames específicos auxiliam a descartar outras doenças e avaliar a funcionalidade do sistema nervoso”, conclui.
E o tratamento?
Segundo a neurologista, o tratamento da Esclerose Múltipla é muito complexo. Nos surtos, é administrada a pulsoterapia com corticóide venoso e terapias de alto custo como imunoglobulina venosa e plasmaferese nos surtos graves refratários ao corticoide. Para o tratamento a longo prazo, estão disponíveis medicamentos imunomoduladores e imunossupressores com diversos mecanismos de ação e formas de administração.
Para Fernanda, a escolha do tratamento deve ser individualizada, pois cada paciente apresenta características particulares de modo de início e progressão da doença, fatores prognósticos, contra-indicações e tolerância. O transplante autólogo de células hematopoiéticas (células tronco) está reservado para casos pontuais com alta atividade e refratário aos tratamentos medicamentosos.
A suplementação oral de vitamina D está indicada para a manutenção de níveis do metabólito 25-OH- Vitamina D no sangue entre 40 a 100ng/dL. Além da imunoterapia, o tratamento abrange a abordagem farmacológica e não farmacológica multidisciplinar dos sintomas e sequelas como tratamento da dor, espasticidade, transtornos emocionais e cognitivos.
A esclerose múltipla tem cura?
A médica afirma que atualmente, não há cura para a esclerose, mas o conhecimento científico sobre a doença é muito dinâmico e tem avançado bastante nas últimas décadas.
Têm sido identificados diversos marcadores de atividade inflamatória e degenerativa que futuramente permitirão a monitorização mais acurada da progressão mesmo na ausência de surtos ou lesões evidenciáveis por exames de imagem e, consequentemente, a prevenção mais precoce da incapacidade. Há novos medicamentos com eficácia comprovada para as diversas formas clínicas já utilizados em outros países e esperamos que em breve estejam disponíveis no Brasil”, finaliza a neurologista.
Conheça as formas clínicas da doença
Dra Fernanda aponta que a esclerose múltipla pode ser classificada em quatro formas clínicas:
– Remitente Recorrente: quando o paciente evolui com episódios surtos de déficits neurológicos que surgem e melhoram – corresponde a 85% dos casos;
– Secundariamente Progressiva: após cerca de 10 a 20 anos de doença o paciente passa a apresentar incapacidade progressiva independente da ocorrência de surtos – cerca de 80% dos pacientes com a forma Remitente Recorrente desenvolvem a forma Secundariamente Progressiva ao longo do tempo;
– Primariamente Progressiva: quando o paciente evolui desde o início da doença com incapacidade progressiva sem a ocorrência de surtos clinicamente definidos – acomete 10% dos pacientes;
– Primariamente Progressiva com surtos: quando o paciente evolui desde o início da doença com surtos e incapacidade progressiva sem recuperação completa após os surtos – acomete 5% dos pacientes.
Com Assessorias