A falta de uso da camisinha durante a prática do sexo oral já é apontada como um dos principais fatores para o aumento nos casos de câncer de cabeça e pescoço no Brasil, especialmente, o de orofaringe – conhecido popularmente como a garganta. Isso porque a doença pode ser causada por papilomavírus humano (HPV), a infecção sexualmente transmissível (IST) mais comum do mundo.

A orofaringe é uma parte da garganta localizada na região posterior da boca, que inclui as amígdalas, a base da língua, o palato mole e as paredes laterais e posteriores da faringe. É uma área importante do sistema respiratório e digestivo, por onde passam o ar, alimentos e fluidos. 

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), são estimados mais de 15 mil novos casos da doença para o triênio 2020–2022, sendo o câncer de orofaringe cada vez mais relacionado à infecção pelo HPV – particularmente o tipo 16, de alto risco oncogênico. No Brasil, a ascensão ocorre especialmente entre homens com idades entre 55 e 59 anos.

A  cirurgiã de cabeça e pescoço do Hospital São Marcelino Champagnat, Ana Gabriela Neis, também alerta que câncer de garganta tem aumentado entre os jovens no país, especialmente devido à infecção por HPV. “Mesmo no sexo oral, o uso da camisinha é essencial para prevenir o vírus”.

Baixa vacinação contra o HPV é ameaça

Um estudo realizado por pesquisadores do A.C.Camargo Cancer Center aponta o crescimento de casos de câncer de cavidade oral (orofaringe) devido à infecção por HPV, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Maria Paula Curado, chefe de Epidemiologia e Estatística em Câncer do A.C.Camargo, afirma que o crescimento segue uma tendência global que vem ocorrendo também em países desenvolvidos como Reino Unido, Suécia e Finlândia.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a incidência desse tipo de câncer entre homens aumentou 2,7% ao ano entre 2001 e 2017, com uma elevação significativa entre homens não hispânicos brancos e idosos.

Ela ainda destaca que a vacinação é uma das principais medidas preventivas, e vem registrando queda significativa entre adolescentes brasileiros. “Embora a taxa de mortalidade geral da doença esteja em declínio nos últimos 30 anos, a baixa cobertura vacinal contra o HPV pode comprometer os avanços obtidos”, destaca.

Já temos vacina disponível no SUS para crianças a partir dos 9 anos, mas os casos não param de subir”, ressalta Ana Gabriela.

Além do uso de preservativo durante o sexo oral e do incentivo à vacinação contra o HPV na adolescência, a prevenção envolve práticas simples de cuidado com a saúde, como evitar o consumo de cigarros — seja comum, eletrônico ou narguilê — e não ingerir bebidas alcoólicas em excesso. “Trata-se de um tipo de câncer que, quando diagnosticado precocemente, apresenta até 90% de chance de cura”, alerta a médica.

Cuidados com a higiene bucal e visitas regulares ao dentista também podem ajudar a reduzir o número de casos de câncer de cabeça e pescoço. A análise do A.C.Camargo Cancer Center, que reuniu dados de 3.218 municípios brasileiros, revelou ainda um cenário preocupante: cerca de 50% dessas cidades não contam com dentistas especialistas para atuar na detecção precoce e encaminhamento dos casos.

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Aumento de casos e diagnóstico em fase avançada

Pesquisa realizada aponta ainda que quase metade dos casos são diagnosticados em estágio avançados

O estudo do A.C.Camargo Cancer Center destaca ainda que a maioria dos casos é diagnosticada em estágios avançados da doença, com 43,88% dos pacientes em estágio IV. De acordo com o Observatório do Câncer, também publicado pela instituição, as taxas de sobrevida para o carcinoma de células escamosas de orofaringe são de 64%.

segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), oito em cada dez pessoas diagnosticadas com câncer de cabeça e pescoço no Brasil descobrem a doença em estágio avançado. Embora pouco comentado, o Ministério da Saúde alerta que esse é o terceiro tipo de câncer mais incidente no país e deve acometer mais de 61 mil brasileiros neste ano, segundo estimativas.

São estimados anualmente no Brasil cerca de 15 mil novos casos de câncer de boca e 7 mil de laringe. A perspectiva de óbitos não é otimista para os próximos anos: a previsão é de aumento de 86%, passando dos atuais 17 mil casos para 30 mil em 2050, de acordo com levantamento do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP). 

Tratamento inclui cirurgia, radioterapia e quimioterapia

De acordo com pesquisa do GBCP, 85,4% dos pacientes sobrevivem por cinco anos após o tratamento quando o tumor é identificado na fase inicial e está restrito a um único órgão. Quando a doença atinge os linfonodos, a taxa de sobrevida cai para 69,4%. Já nos casos em que há metástase para órgãos distantes, como pulmões, fígado ou  ossos, esse índice diminui para 36,9%.

O tratamento depende da região afetada e do estágio em que a doença é  diagnosticada, podendo incluir cirurgia, radioterapia e, em alguns casos, quimioterapia como complemento. Apesar de ser possível tratar, o câncer de cabeça e pescoço exige cirurgias complexas, quimioterapia, radioterapia e suporte multiprofissional, nem sempre disponíveis na rede pública.

Por isso, a detecção precoce é essencial, já que as áreas acometidas — boca, faringe, laringe, cavidade nasal, seios paranasais, glândulas salivares e linfonodos do pescoço — são muito próximas entre si, o que facilita a rápida disseminação do tumor para outros órgãos.

Além de o tratamento ser menos invasivo e mais eficaz quando a doença é detectada no início, a qualidade de vida do paciente após a recuperação é significativamente maior. Já nos casos em que o câncer é diagnosticado em estágio avançado, o tratamento costuma ser bastante agressivo, envolvendo mutilações permanentes e sequelas, como a perda da fala”, explica a cirurgiã.

Sinais de alerta na boca

Feridas na boca que não cicatrizam, úlceras, espinhas que não regridem, coçam ou sangram, lesões esbranquiçadas nos lábios ou nas mucosas orais, aftas persistentes e nódulos no pescoço que aumentam de tamanho e em quantidade estão entre os principais sinais de alerta.

São muitos os sinais, e grande parte deles passa despercebida. Por isso, é fundamental estar atento à rouquidão persistente, à sensação de  fala alterada — como se estivesse enrolada ou, como relatam alguns pacientes, com ‘voz de batata quente’ — e ao aumento de volume no pescoço, na região da tireóide que, pode indicar um estágio avançado da doença”, frisa Ana Gabriela.

Segundo a médica, é importante estar atento aos sinais, conversar com amigos e familiares para que também fiquem alertas e procurar ajuda médica já nos primeiros indícios da doença.

Julho Verde alerta para 40 mil novos casos de câncer de cabeça e pescoço por ano

Estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostram que o Brasil deve registrar aproximadamente 40 mil novos casos de câncer de cabeça e pescoço por ano entre 2023 e 2025 — incluindo tumores em boca, faringe, laringe e tireoide. Pelo menos 78 % desses casos são diagnosticados tardiamente, o que diminui as chances de cura.

Com o intuito de chamar atenção para a incidência de tumores de cabeça e pescoço, e para a necessidade de diagnósticos mais precoces e precisos, órgãos como a Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e pescoço (SBCCP), Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG) e Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) se uniram em apoio à criação do Julho Verde, iniciativa oficializada em 2022 pela Lei 14.328/22.

Prevenção é o melhor caminho

A prevenção é a melhor forma de cuidado. Evitar o tabagismo e o consumo excessivo de álcool, manter uma boa higiene bucal, vacinar-se contra o HPV, manter uma alimentação equilibrada e realizar consultas médicas regulares são atitudes simples que podem reduzir significativamente os riscos.

Muita atenção aos sinais, que são rouquidão persistente, nódulos no pescoço ou na tireoide, dificuldade para engolir, feridas na boca que não cicatrizam, e perda de peso sem explicação. Caso perceba algum desses sintomas, procure um especialista.

Com Assessorias

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