A alegação de que o ex-presidente Jair Bolsonaro, de 70 anos, violou a tornozeleira eletrônica após uso dos remédios pregabalina e a sertralina gerou um debate imediato sobre os efeitos colaterais dessas substâncias. Afinal, elas teriam mesmo como causar alucinação, paranoia, surto psicótico ou confusão mental, como sustenta a defesa do réu?
Segundo informações das bulas, ambos os medicamentos podem causar reações adversas, incluindo alterações de humor e, em casos mais raros, alucinações. Na prática, a raridade de alucinações como efeito primário do uso da pregabalina é corroborada por especialistas em Psiquiatria e também por depoimentos de usuários da medicação, ouvidos pelo Portal Vida e Ação.
O relato de quem usa: ‘nada de vozes, alucinações’
Eu cheguei a ter uma reação com o uso de pregabalina. Comecei tomando a dosagem de 150mg – 75 mg pela manhã e 75 mg à tarde – e me deu visão dupla. Mas foi só reduzir a dose para o problema acabar. Nada de vozes, alucinações etc. médicos não passam esse tipo de remédio sem perguntar quais outros estão em uso. E melhora bastante a dor na lombar”, disse a jornalista Paula Cabral.
Outra jornalista, Sheila Vasconcelos, também relata sua experiência com uso de pregabalina há mais de 5 anos devido a uma dor crônica no tornozelo esquerdo. “O remédio me ajuda muito a aguentar a dor que sinto quando estou de pé, todos os dias e, principalmente, para que eu consiga praticar atividade física”.
Sheila também relata que associa a medicação ao antidepressivo Cloridrato de Duloxetina (Velija). “Isso me faz ficar funcional, ou seja, consigo realizar as tarefas do dia a dia. Uso os dois remédios com receita médica, é claro, para me sentir melhor e nunca tive alucinações por conta dos remédios”, afirma.
Psiquiatra nega alucinação: ‘o que podem causar é sonolência’
Colunista do portal Vida e Ação, a psiquiatra Danielle Admoni, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), confirma que tanto a pregabalina quanto a sertralina são remédios não costumam provocar quadros de alucinação.
Não causam alucinação, o que podem causar mais é sonolência. Na verdade, a sertralina é um remédio bastante tranquilo, com pouco efeito colateral. Pode dar algumas alterações, entre elas sonolência. E a pregabalina também pode levar a sonolência, tanto que a gente costuma começar ela à noite”, afirmou a médica.
A especialista em saúde mental ressalta que os efeitos adversos mais frequentes da combinação estão ligados à sedação e dependem do metabolismo de cada paciente, especialmente em idosos, como é o caso do ex-presidente.
Quando a gente pensa em alguém mais velho, tem que pensar em dose também. A gente pode ter respostas individuais. Então, nunca dá para falar ‘ah, isso não é de jeito nenhum’, sem conhecer o paciente”, ressalva a psiquiatra.
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Para que servem os medicamentos?
A pregabalina é um anticonvulsivante amplamente utilizado no tratamento de dor neuropática, transtorno de ansiedade generalizada (TAG), epilepsia e fibromialgia em adultos. Ela atua regulando a transmissão de estímulos entre as células nervosas.
Já a sertralina é um antidepressivo pertencente à classe dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). É indicada para o tratamento de depressão, transtorno do pânico, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), fobia social e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), aumentando a disponibilidade de serotonina no cérebro.
A pregabalina, em particular, lista reações incomuns (que ocorrem em 0,1% a 1% dos pacientes) que incluem, alucinações, inquietação, mudanças bruscas de humor e despersonalização. A sertralina também lista reações incomuns, mas os sintomas mais frequentes são náusea, diarreia, tontura, dor de cabeça, insônia e sonolência.
A questão da interação medicamentosa
Embora a sertralina e a pregabalina sozinhas sejam consideradas com baixo risco para surtos e alucinações, a tese levantada pelo boletim médico de Bolsonaro aponta para um fator complicador: a interação medicamentosa.
A combinação de pregabalina com clorpromazina e gabapentina (esta última, também usada para convulsões e dor neuropática) pode potencializar efeitos no sistema nervoso central, aumentando os riscos de confusão e sedação, que, conforme a psiquiatra Danielle Admoni, podem levar a respostas individuais inesperadas.
Enquanto a defesa utiliza o argumento do “surto medicamentoso” para justificar o ato de violação da tornozeleira, a comunidade médica reitera que, embora os efeitos sejam listados, a ocorrência de alucinações por sertralina e pregabalina é rara, e que a atenção deve ser voltada para o uso combinado de múltiplos fármacos e as condições de saúde específicas do paciente. O uso da pregabalina foi, segundo o boletim, suspenso imediatamente após o episódio.
Assistência médica 24 horas na sede da PF
A preocupação da defesa e da família de Jair Bolsonaro com o seu delicado quadro de saúde parece estar resolvida. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça-feira (25) que o ex-presidente contará com assistência médica 24 horas por dia na Superintendência da Policia Federal (PF), em Brasília, onde ele irá cumprir a pena de 27 anos e 3 meses como líder da trama golpista de 8 de janeiro de 2023.
Ele estará muito mais protegido, mais bem assistido, na Polícia Federal do que em casa, já que um dos grandes argumentos para ele permanecer em prisão domiciliar é que ele é idoso e doente. Ninguém nega isso. Mas pela defesa de Bolsonaro, ele estava fora de si e não havia ninguém em casa para cuidar dele”, avaliou o jornalista Octávio Guedes, na Globonews, ao lembrar que na manhã de sábado, quando ele foi preso preventivamente, sua mulher, Michelle, estava no Nordeste.
Após analisar as bulas, o comentarista questionou o suposto comprometimento causado pelo uso dos medicamentos. Segundo ele, a pregabalina pode causar sonolência e prejudicar a habilidade de dirigir e operar máquinas. Já a sertralina pode provocar distúrbios do sistema nervoso central, como contração muscular involuntária e tremor. No entanto, Bolsonaro conseguiu violar a tornozeleira de forma habilidosa, em linha reta, sem demonstrar tremor nem se queimar.
Moraes já havia autorizado que a equipe médica de Jair Bolsonaro realizasse visitas sem prévia autorização judicial. A medida, que vigorava durante o regime domiciliar, permanecerá válida na prisão preventiva e agora também com a prisão definitiva, após o processo transitar em julgado.
Bolsonaro está em uma cela de cerca de 12 metros quadrados que foi reformada recentemente. O espaço tem paredes brancas, uma cama de solteiro, armários, mesa de apoio, televisão, frigobar, ar condicionado e uma janela, além de banheiro privativo.
Entenda a situação
O ex-presidente Jair Bolsonaro teve sua prisão preventiva mantida após audiência de custódia neste sábado (22), em um cenário que ganhou uma reviravolta inusitada: a defesa alegou que a tentativa de violar a tornozeleira eletrônica ocorreu durante um “surto” causado pelo uso de medicamentos.
Bolsonaro, que confessou a violação da tornozeleira eletrônica, mas negou qualquer tentativa de fuga, alegou “paranoia” causada por medicamentos. A defesa sustenta que ele sofreu um episódio de confusão mental e alucinações na noite de sexta-feira (21). O quadro foi descrito em um boletim médico divulgado no domingo (23).
O documento, assinado pelos médicos Cláudio Birolini (cirurgião-geral) e Leandro Echenique (cardiologista), aponta a pregabalina como potencial causadora do quadro, citando uma suposta interação relevante com outros medicamentos de uso regular do ex-presidente.
Ele fazia uso de clorpromazina e a gabapentina para as já conhecidas crises de soluços de Bolsonaro. A associação desses três fármacos, segundo a equipe médica, pode causar confusão mental, desorientação, alucinações e prejuízo cognitivo.
Com informações do G1 e Agência Brasil




